Demora na apuração de auxílio indevido a servidores é injustificável

Um ano após alerta do Tribunal de Contas, prefeituras da Grande Vitória ainda investigam 240 casos suspeitos. Como zeladoras do bem público, devem servir de bom exemplo

Publicado em 22/05/2021 às 02h00
App Caixa Tem, usado para solicitar o auxílio emergencial
App Caixa Tem, usado para solicitar o auxílio emergencial. Crédito: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Em junho de 2020, apenas um mês após o auxílio emergencial começar a ser pago no país, o Tribunal de Contas do Espírito Santo lançou um alerta. No Estado, 2.627 servidores públicos municipais e estaduais haviam recebido indevidamente o benefício do governo federal, vetado a trabalhadores formais. Quase um ano depois do aviso, as prefeituras da Grande Vitória ainda não concluíram as investigações dos casos suspeitos em seus quadros. A situação reúne algumas das mazelas brasileiras, como descaso com a verba pública e a morosidade da justiça, aqui entendida como a atuação de órgãos de controle, sejam quais forem.

Desde aquele primeiro sinal de alarme, os números escalonaram. O aprimoramento da checagem, com a inclusão de novas bases de dados no cruzamento de informações, fez com que as estimativas de CGU, TCU e tribunais de contas e controladorias subnacionais alcançassem, apenas dois meses depois, em agosto, a assombrosa quantidade de 680.564 agentes públicos incluídos indevidamente como beneficiários — 7.109 deles apenas no Espírito Santo, o que já somava, à época, R$ 11,3 milhões em pagamentos irregulares.

Atualmente, as prefeituras de VitóriaVila VelhaSerraCariacica Viana investigam 240 casos suspeitos. Considerando que cada um desses servidores tivesse recebido apenas uma parcela do chamado coronavoucher, o prejuízo aos cofres públicos seria de R$ 144 mil. Mais do que os números, no entanto, o que intriga a população capixaba é a demora das administrações para checar quais servidores receberam indevidamente o benefício e para, na confirmação de fraude, tomar as devidas providências. Além das penalidades administrativas, quem embolsa o benefício sem atender aos quesitos está sujeito a repercussões na esfera criminal, pelos crimes de estelionato e falsidade ideológica, quando ratificada a ma-fé.

Quatro das cinco prefeituras ouvidas em levantamento deste jornal afirmaram que ainda apuram as suspeitas e que até o momento não houve punições, nem mesmo devoluções. Vitória e Vila Velha nem sequer forneceram o número preciso de casos em investigação. São “aproximadamente” 20 na Capital e 50 no município canela-verde. Em Cariacica e na Serra, há detalhamento de casos, mas as prefeituras não têm informação se o ressarcimento dos valores foi feito. Apenas em Viana há registro de restituição ao governo: cinco dos 47 suspeitos.

Tudo leva a crer que grande dos pagamentos indevidos ocorreu não por burla dos servidores, mas por falha do próprio governo federal. Metade dos agentes públicos que receberam indevidamente o auxílio no Espírito Santo não solicitaram a ajuda, de acordo com o TCU. Tiveram o dinheiro creditado automaticamente em suas contas, por terem integrado, em algum momento, cadastros de programas sociais. No entanto, não importa de onde tenha partido o erro, permanecer nele é indefensável. É forçoso identificar quantos e quais servidores tiveram acesso à ajuda indevida e, ao menos, cobrar deles o ressarcimento.

Há um ano, o auxílio emergencial pago a desempregados, autônomos e MEIs tem ajudado milhões de brasileiros a enfrentar a crise econômica gerada pela pandemia com alguma dignidade. Foi responsável, por exemplo, pela menor taxa de pobreza extrema em 44 anos, segundo a FGV. Mas desde o início dos pagamentos, o benefício tem tido seu objetivo conspurcado por fraudes e irregularidades.

Com os desvios, involuntários ou por má-fé, outros milhões de cidadãos que realmente precisam deixaram de receber ajuda. Apenas em 2020, os recursos corroídos com pagamentos indevidos no Brasil somaram R$ 54 bilhões, o suficiente para pagar três parcelas de R$ 300 para 60 milhões de necessitados. É sobretudo em face a essa realidade que a morosidade das prefeituras em investigar os casos não é justificada. Como zeladoras do bem público, devem servir de exemplo. De bom exemplo.

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