
Era julho de 2021 quando uma operação — a Armistício — ganhou as ruas prendendo traficantes e advogados. Era a etapa ostensiva de uma investigação iniciada dois anos antes e que revelou a caixa-preta do principal grupo criminoso no Espírito Santo: como funcionava, seus métodos de atuação, a identificação dos membros, cadeia de distribuição de droga e até seu regulamento (cartilha).
Informações que auxiliaram as forças de segurança a compreender a dinâmica do Primeiro Comando de Vitória (PCV), e nos anos seguintes ajudaram a desarticular ações e a viabilizar a prisão de várias lideranças criminosas, incluindo o Marujo.
O apelido é de Fernando Moraes Pereira Pimenta, que anos antes tinha assumido o comando quando os líderes do grupo foram sendo presos. O que não foi suficiente para impedir que a cúpula criminosa continuasse gerindo o tráfico do sistema prisional, com informações repassadas de dentro da Penitenciária Máxima II (PSMA II), em Viana.
Contavam com o apoio de advogados, que lançavam mão do uso indevido das prerrogativas essenciais à advocacia para garantir a comunicação criminosa. Foi o que revelou a denúncia apresentada pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES), por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) com base nas informações da Armistício.
A troca de informações era feita por catuques, recados escritos à mão ou no bloco de notas do celular, e até por chamada de vídeo. Uma delas, feita por uma advogada, permitiu o contato entre Marujo (foragido) e um dos fundadores do PCV, Carlos Alberto Furtado da Silva, o Beto.
Beto e outros quatro traficantes do grupo principal foram condenados em sentença do Juízo da 10ª Vara Criminal de Vitória, divulgada nesta terça-feira (07). Alguns deles também foram condenados em outros processos, em casos de homicídio, a partir de provas também obtidas na Armistício, que ao todo denunciou 40 pessoas, incluindo dez advogados.
Um dos pedidos feitos pelo Gaeco, em 2021, e aceito pela Justiça, foi a transferência da cúpula criminosa para presídio federal, considerando o contexto da política criminal nacional de combate ao crime organizado, e o caráter cada vez mais interestadual e transnacional das organizações criminosas. Todos foram encaminhados para a unidade de Porto Velho, em Rondônia, onde permanecem.
Sem comunicação
Detidos em Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), os membros da cúpula perderam o contato com a facção, e Marujo passou a ser a referência no comando. Fato que ampliou os olhares das forças de segurança para ele.
Nos últimos quatro anos, diversas operações foram realizadas pelas polícias Militar e Civil e pelo próprio Gaeco, com a prisão de gerentes da estrutura do PCV, o que foi minando a organização voltada ao tráfico de drogas.
Em março do ano passado, uma operação realizada pela Polícia Civil conseguiu prender Marujo. E o volume de informações presentes na Armistício, com mais de 15 mil arquivos, principalmente em relação a ele, ajudou a embasar a solicitação à Justiça para que ele também fosse transferido para presídio federal. Em abril do ano passado ele seguiu para a unidade de Catanduvas, no Paraná.
Meses antes a corporação civil já havia prendido outras duas lideranças de destaque do tráfico, mas de um grupo rival, o Terceiro Comando Puro (TCP). Gabriel Gomes Faria, o Buti, detido em Itararé, Vitória, em outubro de 2024. E em novembro do mesmo ano foi a vez de Luan Gomes Faria, o Kamu.
Os dois são conhecidos como “irmãos Vera”. Kamu, foragido no Rio, voltou ao Estado em decorrência da guerra entre as facções, se valendo da crise no PCV para ampliar suas fronteiras. O que fez com que Marujo também retornasse do estado vizinho e fosse preso.
Com muitos integrantes, o PCV ainda é apontado como o maior grupo criminoso atuando no Estado, mas sem contato com as suas lideranças, houve um vácuo de poder e os integrantes ficaram resistentes às ordens de novos comandos. Os conflitos internos aumentaram, levando a um racha e ao surgimento de duas alas.
Em paralelo, outras facções aproveitaram para ampliar suas atuações, é o caso do TCP e até do Primeiro Comando da Capital (PCC). E gerando novos conflitos. Em fevereiro, investigações da Polícia Civil descobriram um plano de ataques a comunidades de Vitória. Um dos líderes foi detido. Em abril, o segundo líder foragido foi preso em outra ação, denominada de Operação Marujada.
As condenações e a espera
A denúncia do Gaeco contra as 40 pessoas foi fracionada em várias ações na Justiça estadual. Em uma delas o grupo principal foi condenado pelos crimes de associação para o tráfico, com aumento da pena pelo emprego de arma de fogo, e pela prática de organização criminosa. Nos dias de seus interrogatórios, optaram por permanecerem calados.
Em outros processos, mais faccionados também receberam as suas sentenças.
O único processo que ainda tramita sob sigilo e a passos lentos envolve os advogados que foram denunciados. Dos dez, uma foi absolvida e o MP recorre contra a decisão. Outros outros nove ainda aguardam audiências, mas tiveram o direito de exercer a advocacia suspenso.
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