A clínica do cirurgião plástico Renato Harckbart Carvalho, localizada em Cachoeiro de Itapemirim, Região Sul, foi alvo de um desvio milionário de recursos. A suspeita de coordenar o esquema é uma ex-funcionária, com o apoio de seus familiares — marido, pai, mãe e irmão. A conclusão é de um inquérito policial, já encaminhado à Justiça do Espírito Santo, que responsabiliza os cinco por supostos crimes como estelionato, apropriação indébita, associação criminosa e lavagem de dinheiro.
O médico é o mesmo denunciado por algumas pacientes que indicam supostas falhas em procedimentos cirúrgicos que teriam levado a lesões corporais. Fato que vem sendo investigado pela Polícia Civil, por meio da Delegacia de Infrações Penais e Outras (DIPO). “O procedimento segue em andamento sob sigilo e, por esse motivo, não é possível repassar mais informações no momento”.
As duas situações também estão sendo avaliadas pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES), por meio das promotorias de Justiça Criminal e a Cível da cidade. “Estamos com procedimentos em andamento, com diligências para apurar os casos e definir as providências a serem adotadas”, foi dito, em nota.
O desvio
O inquérito policial sobre o desvio foi realizado pela Delegacia Especializada em Investigações Criminais (Deic) de Cachoeiro, e concluído com o indiciamento de cinco pessoas. O documento estima o prejuízo, que teria sido causado somente pela ex-funcionária, em R$ 1.160.105,04.
Mas os advogados do médico garantem que considerando todo o período em que os fatos ocorreram e todos os envolvidos, o valor ultrapasse os R$ 2 milhões.
Encaminhado à Justiça estadual no último dia 25, o documento está sob a análise do Ministério Público. Nele são citados como envolvidos:
- Helena Alves Vasconcellos Moccelin Dussoni - trabalhava na clínica
- Maxuel Moccelin Dussoni - marido
- Adriana R. Alves Vasconcelos - mãe
- Marcos Daltio Vasconcelos - pai
- Gustavo Alves Vasconcelos - irmão
Segundo a Polícia Civil, Helena — cuja defesa nega todas as acusações (veja abaixo) — foi indiciada por apropriação indébita (por 27 vezes), estelionato (por 51 vezes), organização criminosa e lavagem de dinheiro.
“Ela é suspeita de coordenar um esquema de desvio de valores de uma clínica de cirurgia plástica, apropriando-se de quantias pertencentes a 27 pacientes (apropriação indébita continuada), induzindo os mesmos em erro mediante práticas de estelionato, como o superfaturamento de 15 faturas de cartão de crédito e a inclusão indevida de familiares no plano de saúde por 36 meses”, informa nota da corporação.
Denúncia dos fatos
A investigação foi iniciada em agosto de 2023, quando a polícia recebeu uma denúncia, feita pelos advogados do médico, de que os crimes vinham sendo praticados há pelo menos dois anos, de forma sistemática.
Após cumprimento de mandado de busca e apreensão, obtenção de provas variadas, depoimentos de pacientes e fornecedores, o inquérito informa que a funcionária, valendo-se da função que exercia na área financeira da clínica e da confiança que detinha por parte dos médicos, teria executado os supostos crimes.
É descrito, por exemplo, que recebia diretamente dos pacientes pagamentos em espécie para quitação de materiais cirúrgicos; de honorários de anestesistas, que nem sempre eram pagos.
O relato é de que os valores recebidos seguiam para contas pessoais ou de seus familiares ou utilizado em compras em dinheiro. Outro ponto, segundo a polícia, é que houve superfaturamento de cobranças de cartões de créditos, e a inclusão dos familiares da funcionária no plano de saúde da clínica, sem autorização ou conhecimento dos proprietários.
Os recursos teriam sido investidos por ela em seu patrimônio pessoal, com a compra de terreno e construção de uma casa, além carros, inclusive para familiares.
Com a situação, a clínica passou a acumular dívidas variadas com o não-pagamento de fornecedores, do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) dos funcionários, dívidas com a Receita Federal e escritório de contabilidade, entre outras.
Interdição
Em decorrência das denúncias dos pacientes, a pedido do MP, a Vigilância Sanitária de Cachoeiro visitou o espaço médico e concluiu por sua interdição. Por nota, o órgão explicou que não havia alvará sanitário válido, e que foram encontradas “não conformidades dos instrumentos utilizados na clínica".
Na ocasião também foi emitido um auto de infração, que ainda pode ser contestado em 15 dias. “Após esse prazo o município estabelece o valor da multa da infração”, informou.
A desinterdição ocorreu na última semana e indica, segundo a Vigilância Sanitária da cidade, que os problemas foram sanados. Mas assinalou que ainda há pontos que o profissional médico tem que corrigir, dentro do prazo dado na notificação.
O que dizem as defesas
Helena e seus familiares são representados pelo advogado Wilson Marcio Depes e por Willy Potrich da Silva Dezan. Na avaliação de Depes, o indiciamento representa “uma cascata de equívocos que visa esconder a verdade”. “Nos indigna porque é um comportamento contrário aos princípios do processo penal”, destaca.
Relata que encaminhou um volume expressivo de documentos para a delegacia, que não foram considerados na investigação. “Um absurdo. Foram mais de 3 mil páginas de documentos com comprovação de que Helena não teve nenhum envolvimento nesses crimes, e todos desapareceram na própria delegacia”.
Outro ponto, segundo ele, é que as testemunhas apresentadas para contrapor as acusações, não foram ouvidas. “Nenhuma foi ouvida e nem as diligências que sugerimos foram realizadas. O inquérito foi conduzido de maneira indiscutivelmente parcial, de modo a beneficiar estranhamente o médico, sem considerar os fatos apresentados pela defesa”.
Depes assinala que pretende solicitar à Justiça onde a ação penal vai tramitar que as provas que apresentou sejam agora consideradas. “Esta conclusão da polícia será desmantelada técnica e juridicamente. Ademais, o fato de indiciar familiares, causando impacto, é para esconder documentos que falam de várias situações que mostram as irregularidades vivenciadas por ela na clínica. A conclusão se baseia em mentiras e suposições que serão uma a uma destruídas, legalmente, e resgatada a dignidade dos indiciados”, garante.
O advogado do médico, Fábio Marçal, informou que não se manifesta sobre o caso por estar o processo sob sigilo. “Mas seguimos confiantes que a justiça será feita. Esperamos que o Ministério Público ofereça denúncia contra o grupo e decrete a prisão da funcionária, por tentar coagir testemunhas”.
São fatos, segundo Marçal, que estão sendo investigados em outro processo mas que poderá ter reflexo no caso que trata do desvio.
LEIA MAIS COLUNAS DE VILMARA FERNANDES
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.
