Publicado em 22 de junho de 2021 às 18:59
O MPF (Ministério Público Federal) desmembrou e transferiu a investigação sobre a compra da vacina indiana Covaxin ao identificar indícios de crime no contrato entre o Ministério da Saúde do governo Jair Bolsonaro e a Precisa Medicamentos. >
Antes, a apuração ocorria no curso de um inquérito civil público aberto pela Procuradoria da República no Distrito Federal. O inquérito se destina a averiguar a prática de improbidade administrativa. >
Com o surgimento de indícios de crime, a parte relacionada ao contrato para a compra da Covaxin foi enviada ao 11º Ofício de Combate ao Crime e à Improbidade Administrativa. >
O envio dos documentos para a condução de uma investigação na esfera de combate à corrupção foi feito no último dia 16, em despacho assinado pela procuradora Luciana Loureiro, que conduz o inquérito civil público. >
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Na esfera cível, o principal foco da investigação é a distribuição de cloroquina, um medicamento sem eficácia para Covid-19, pelo governo Bolsonaro na pandemia. >
Após o avanço das investigações sobre o contrato com a Precisa, a Procuradoria elencou indícios de crime que precisam ser investigados. >
Um dos elementos usados no inquérito foi o depoimento revelado pelo jornal Folha de S.Paulo de um servidor do Ministério da Saúde que apontou pressão atípica da cúpula da pasta para tentar liberar a importação da Covaxin. >
Um dos responsáveis pela pressão, segundo o depoimento, foi o tenente-coronel Alex Lial Marinho, que integrava o principal grupo auxiliar do general Eduardo Pazuello em sua gestão no Ministério da Saúde. >
Ele foi coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde e acabou demitido do cargo pelo atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, no último dia 8. >
Segundo o despacho do MPF, não há justificativa, a princípio, para a "temeridade do risco" assumido pelo Ministério da Saúde com a contratação relacionada à Covaxin, "a não ser para atender a interesses divorciados do interesse público". >
"A omissão de atitudes corretivas da execução do contrato, somada ao histórico de irregularidades que pesa sobre os sócios da empresa Precisa e ao preço elevado pago pelas doses contratadas, em comparação com as demais, torna a situação carecedora de apuração aprofundada, sob duplo aspecto, cível e criminal", afirmou a procuradora Loureiro no despacho. >
A Covaxin é fabricada pela indiana Bharat Biotech e representada no Brasil pela Precisa Medicamentos. É a Precisa que assina o contrato com o Ministério da Saúde para o fornecimento de 20 milhões de doses, a um preço individual de US$ 15. Nenhuma outra vacina comprada pela pasta tem custo tão elevado. >
O preço elevado é uma das razões para a necessidade de investigação criminal, segundo o MPF. O valor é superior aos da negociação de outras vacinas no mercado internacional, como a Pfizer, conforme o despacho da Procuradoria. No Brasil, a dose da Pfizer saiu por US$ 10. >
O MPF aponta ainda uma quebra de cláusulas contratuais. O contrato entre Saúde e Precisa prevê que os 20 milhões de doses deveriam ser entregues em até 70 dias após a assinatura do documento, que ocorreu em 25 de fevereiro. Nenhuma dose chegou ao Brasil até agora. >
"Expirados os 70 dias de prazo para a execução escalonada do contrato, nenhum dos lotes de 4 milhões de doses fora entregue pela contratada Precisa", cita o despacho do MPF. >
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) concedeu autorização para importação da vacina somente no último dia 4, e com restrições. >
A agência, em 31 de março, havia negado pedido de importação formulado pelo Ministério da Saúde, diante da falta de documentos básicos por parte da empresa. >
"Embora se trate a situação de nítida hipótese de descumprimento da avença, o Ministério da Saúde vem concedendo oportunidades à empresa de sanar as irregularidades perante a Anvisa, elastecendo os prazos de entrega da vacina, mesmo sabendo que é incerta a entrega das doses contratadas e, por enquanto, não autorizada sua distribuição em larga escala", afirmou a Procuradoria no DF. >
A finalidade prevista em contrato -distribuir doses contratadas em ampla escala, dentro do PNI (Programa Nacional de Imunizações)- não tem previsão para ser alcançada, conforme o MPF, "o que deveria reclamar do gestor público imediata ação corretiva". >
Outro ponto que justifica o aprofundamento das investigações, na esfera criminal, é o histórico de atuação da Global Gestão em Saúde. A empresa tem como sócio o mesmo dono da Precisa Medicamentos, Francisco Emerson Maximiano. >
Em dezembro de 2018, o MPF moveu uma ação de improbidade administrativa contra o então ministro da Saúde, Ricardo Barros, e contra a Global por ter havido pagamentos antecipados de R$ 20 milhões à empresa por medicamentos não entregues. >
"Houve prejuízos a centenas de pacientes dependentes de medicamentos de alto custo, e prejuízo de mais de R$ 20 milhões ao erário, ao que consta ainda não ressarcidos, afirmou Loureiro no despacho. O fato desencadeou uma ação de improbidade administrativa em face do então ministro da Saúde e vários outros servidores, estando em curso inquérito policial sobre os mesmos fatos.">
Maximiano foi convocado pela CPI da Covid, e seu depoimento foi marcado para esta quarta-feira (23). A defesa dele, porém, disse que o empresário está em quarentena por causa de uma viagem à Índia e, por isso, não poderá comparecer. Ele também teve os sigilos quebrados pela CPI. >
A Precisa afirmou que "jamais promoveu qualquer tipo de pressão e não contou com vantagens durante esse processo". Disse ainda que o contato com o servidor foi "de ordem técnica, para a confirmação de recebimento de documentação, seguindo o protocolo do ministério". >
O Ministério da Saúde afirmou, em nota, que respeita a autonomia da Anvisa e que não faz pressão para aprovação de vacinas. >
O deputado e ex-ministro Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Bolsonaro na Câmara, disse em nota que houve "inexecução contratual" em relação à Global. >
"Foram adotadas todas as providências pelo Ministério da Saúde para penalização da empresa e para o ressarcimento ao erário. Não houve favorecimento ou qualquer ato de improbidade", afirmou. >
Na noite de sexta (18), a reportagem questionou o centro de comunicação social do Exército sobre a citação ao tenente-coronel Marinho, mas não houve resposta. >
Cronologia >
1ª reunião (20.11) - É feita a primeira reunião técnica no Ministério da Saúde sobre a aquisição da vacina indiana Covaxin, produzida pela Bharat Biotech.>
Comitiva (06.01) - Embaixador brasileiro em Nova Déli, na Índia, recebe uma comitiva da Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas. Um dos representantes é Francisco Maximiano, presidente da Precisa Medicamentos. A missão visita a Bharat Biotech.>
Carta ao 1º ministro (08.01) - O presidente Jair Bolsonaro envia carta ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e afirma que, no programa brasileiro de imunização, estão as vacinas da Bharat Biotech.>
Ofício (18.01) - Ministério envia ofício a presidente da Precisa informando querer dar início a tratativas comerciais para aquisição de lotes.>
Contrato assinado (25.02) - Contrato é assinado entre Ministério da Saúde e Precisa Medicamentos para a aquisição de 20 milhões de doses.>
Nova viagem (05.03) - Maximiano faz nova viagem à Índia. É recebido outra vez na Embaixada do Brasil em Nova Déli. O empresário fala em 32 milhões de doses contratadas pelo Ministério da Saúde.>
Pedido rejeitado (31.03) - Anvisa rejeita pedido de importação de doses formulado pelo ministério, por falta de documentos básicos por parte da empresa responsável.>
No mesmo dia, um servidor de área estratégica do Ministério da Saúde presta depoimento ao MPF em que relata pressão atípica para importação das doses, inclusive com ingerência de superiores junto à Anvisa. >
Fim do prazo (06.05) - Acaba o prazo estipulado em contrato para a entrega dos 20 milhões de doses. Nenhuma dose chegou ao Brasil.>
Pedido aprovado (04.06) - Anvisa aprova pedido de importação de doses, mas com restrições, diante da necessidade de estudos extras de efetividade. Nenhuma dose chegou ao Brasil.>
Indícios de crime (16.06) - MPF aponta indícios de crime no contrato e envia investigação para ofício que cuida de combate à corrupção.>
Raio-x: >
Preço das doses de outras vacinas contratadas: >
Quem é quem: >
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