Publicado em 16 de novembro de 2020 às 09:07
A chegada de Guilherme Boulos (PSOL) ao segundo turno da eleição para a Prefeitura de São Paulo significa um sopro de ânimo para a esquerda e um desafio para o psolista, que polarizará com Bruno Covas (PSDB) na briga pela cadeira de prefeito. >
Na noite deste domingo (15), Boulos já rebateu a associação de seu nome a radicalismo feita por Covas.>
"Eu vi a declaração do Bruno de que a disputa seria da moderação contra o radicalismo. A disputa não é essa. A disputa é da mesmice contra a esperança", disse.>
O candidato do PSOL afirmou não acreditar na possibilidade de sucesso de uma campanha de desconstrução da sua imagem. "O [Celso] Russomanno inventou todo tipo de fake news nas duas últimas semanas. Olha como ele terminou o primeiro turno. Derreteu", disse Boulos, para quem a eleição mostrou que "a mentira não pega mais".>
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Em relação às estratégias no segundo turno, ele afirmou que pretende telefonar para candidatos "do campo progressista". "O que precisamos construir em São Paulo é uma frente contra a desigualdade, pela justiça social e pela democracia", declarou.>
Esta é a segunda campanha eleitoral do líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que concorreu à Presidência da República em 2018 e acabou em 10º lugar, com 617 mil votos (0,58%). Boulos nunca exerceu cargo público.>
Para compensar a inexperiência, construiu uma aliança com a ex-prefeita e deputada federal Luiza Erundina (PSOL), que, na condição de vice da chapa, assumiu protagonismo na campanha.>
Com a ascensão ao segundo turno, a dupla ocupa um espaço tradicionalmente pertencente ao PT, partido que, desde 1988, venceu as eleições, foi para o segundo turno ou ao menos terminou em segundo lugar na corrida para prefeito de São Paulo.>
A derrocada veio em 2016, quando o então candidato à reeleição Fernando Haddad (PT) saiu com 16,7% dos votos válidos, ante 53,29% de João Doria (PSDB), que liquidou a disputa no primeiro turno, deixando o petista em segundo lugar.>
Com Jilmar Tatto, seu candidato neste ano, a legenda do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva colhe o pior resultado na capital em décadas. Na ausência do PT, será o PSOL a legenda a polarizar com os tucanos, reeditando a tradicional briga entre direita e esquerda na capital paulista.>
Boulos já dá como certo o apoio dos petistas para enfrentar o PSDB e promete uma campanha eletrizante nas próximas duas semanas, até a votação do dia 29 de novembro.>
Ao votar, neste domingo, Tatto indicou a disposição de se aliar ao candidato do PSOL caso ele fosse para o segundo turno. Lula, também em seu local de votação, responsabilizou diretamente Tatto pela decisão de manter sua candidatura após os apelos para desistir ou declarar apoio a Boulos.>
O ex-presidente disse que a posição de Tatto, informada à presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, foi "uma atitude soberana" do candidato. "Ninguém poderia dizer o que ele deveria fazer. Era uma coisa dele", afirmou Lula.>
Petistas chegaram a demonstrar irritação com os pedidos e a movimentação de Boulos pelo voto útil da esquerda ainda no primeiro turno, mas tudo indica que o PSOL receberá o endosso do PT afinal.>
Em uma reunião na última terça-feira (10), Gleisi pressionou Tatto a desistir, mas ele não cedeu. A campanha do petista agora cobra explicações a respeito do vazamento desse encontro, que criou um fato político negativo na reta final e foi visto como um movimento da direção do PT pelo voto útil de esquerda.>
"Gleisi vai ter que dar uma explicação. Passamos dois dias desmentindo a possibilidade de desistência", afirma o deputado estadual José Américo (PT), coordenador de comunicação da campanha de Tatto. Para ele, o PT errou também em insistir em candidatos próprios e não buscar alianças na pré-campanha, inclusive em São Paulo.>
Enquanto parte do PT viu na fala de Lula apenas uma defesa de Gleisi, outros petistas entenderam que o ex-presidente se eximiu da responsabilidade e jogou em Tatto o peso da falta de acerto com o PSOL e de levar adiante uma candidatura derrotada.>
Também candidato em São Paulo, Orlando Silva (PC do B) criticou Lula. "Não se atira num inimigo caído, nem se abandona companheiro ferido. Para se afastar da derrota, se oferece a cabeça do companheiro?", tuitou.>
O post foi curtido por Tatto, que depois desfez a ação. Segundo a campanha do petista, a curtida foi feita por um assessor sem aval do candidato.>
Lula evitou criticar membros e apoiadores do PT que aderiram à campanha do PSOL. Ele frisou que os movimentos se deram sem consulta prévia à legenda, mas falou não ver problemas.>
Boulos, que passou o primeiro turno se queixando do que vê como condições injustas de disputa, tem dito que a paridade do segundo turno será sua principal arma para fazer frente à força do PSDB.>
Covas teve a maior fatia do horário eleitoral (3min29s) e, como mostrou a Folha de S.Paulo, recebeu doações gordas de empresários ligados ao setor imobiliário.>
"A paridade de armas, pelo menos do tempo de TV, vai ser fundamental para que ele se torne mais conhecido", diz o presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros.>
Segundo ele, a campanha no segundo turno vai marcar posição contra os governos do PSDB em São Paulo e do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no plano federal, reforçando o que Boulos priorizou até aqui.>
"A nossa linha política é uma linha que traz todo o desconforto do povo brasileiro, que não concorda com a forma como a pandemia foi administrada pelo Bolsonaro, que não concorda com a agenda da retirada de direitos defendida pelos tucanos na Câmara Federal, com o apoio de João Doria e Bruno Covas.">
Membros da campanha do PSOL dizem nos bastidores que o enfrentamento a Covas se dará em duas frentes: no aspecto da gestão, com críticas ao que consideram ineficiência do tucano e descuido com a periferia, e no tema dos alinhamentos políticos.>
Boulos deve constranger o tucano com questionamentos sobre a ausência de Doria na campanha e sobre as denúncias que pesam sobre o vice do prefeito, o hoje vereador Ricardo Nunes (MDB).>
Os aliados do psolista dizem que o resultado confirma a rejeição de parcela importante do eleitorado aos nomes do PSDB e que a principal tarefa agora será atrair os insatisfeitos com Covas e Doria, dialogando com fatias para além da esquerda.>
Embora estivessem confiantes, auxiliares comemoraram a vantagem de Boulos, admitiram que os números surpreenderam e afirmaram que o desempenho indica a viabilidade de uma vitória no segundo turno.>
A equipe diz que usará a criatividade, o apoio de voluntários e o engajamento orgânico de militantes nas redes para estruturar a campanha desta segunda etapa.>
Entre os desafios está a produção de programas de TV e rádio muito mais longos. Mais profissionais serão contratados para a produção dos anúncios, que saltarão de 17 segundos por bloco na TV para 5 minutos.>
Os possíveis apoios de adversários do primeiro turno ainda eram tratados com reserva pelos integrantes da campanha neste domingo. Há a expectativa de adesão do PT de Jilmar Tatto e do PSB de Márcio França, mas os diálogos com as siglas só devem começar nesta segunda-feira (16).>
A campanha de Boulos cita como ativos do candidato sua taxa de rejeição considerada baixa. Segundo a pesquisa Datafolha divulgada no sábado (14), 24% dos entrevistados responderam que não votariam nele de jeito nenhum. Nesse quesito, Covas registrou 25%.>
A simulação de segundo turno feita pelo instituto, contudo, passa longe de ser alvissareira para os estrategistas do PSOL: Covas bateria Boulos por 57% a 30%, segundo o levantamento deste sábado.>
Boulos foi alvo de críticas pela ligação com o movimento dos sem-teto, o que lhe rendeu a alcunha de invasor, e por ser réu em processo de vandalismo. Também foi questionado sobre a falta de experiência em gestão pública e por apresentar um plano de governo que carece de fontes de arrecadação para se sustentar.>
A classificação, contudo, é um feito histórico para o PSOL, fundado em 2004 por dissidentes expulsos do PT. Com uma presença crescente em Legislativos pelo país, a sigla carece de representantes no Poder Executivo. Em caso de triunfo em São Paulo, a agremiação terá uma vitrine ímpar.>
Líder do maior movimento de moradia do país, Boulos, 38, modulou o tom nesta campanha para combater a fama de radical e construiu sua campanha majoritariamente na internet, conseguindo uma popularidade digital bastante superior à dos adversários.>
As pesquisas mostraram que os maiores percentuais de adesão a Boulos se concentravam entre os mais jovens e os mais escolarizados. Em busca dos votos da periferia, ele intensificou as agendas de campanha nas bordas da cidade e reiterou promessas que agradam às faixas de menor renda.>
Formado em filosofia e mestre em psiquiatria pela USP, Boulos milita desde o começo dos anos 2000 no MTST, grupo que luta por moradias em áreas urbanas. Desde as manifestações de junho de 2013, ganhou voz na esquerda e liderou protestos.>
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