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Publicado em 22 de junho de 2022 às 22:26
Em cenas que se tornaram corriqueiras nos Legislativos municipais, a vereadora de Vitória Karla Coser (PT) e a vereadora da Serra Raphaela Moraes (Rede) foram hostilizadas por colegas do sexo masculino em plenário, nesta quarta-feira (22). Os episódios se somam a outros exemplos de violência política de gênero ocorridos contra mulheres no exercício dos seus mandatos.>
Na Câmara de Vitória, a petista virou alvo do vereador Luiz Emanuel (Cidadania) e do presidente da Casa, Davi Esmael (PSD), após manifestar-se a respeito do caso envolvendo uma criança de 11 anos vítima de estupro, em Santa Catarina, que ficou grávida e foi impedida pela juíza que atuou no processo de fazer o aborto previsto na legislação penal em casos de violência sexual.>
As manifestações dos vereadores não ficaram concentradas na divergência de opinião com a colega. Eles questionaram a legitimidade da vereadora para falar sobre o assunto e utilizaram, para isso, termos como “você é uma menina mimada”, “você é uma mulher que se faz de coitada” , “você não tem noção”, “quem é você, vereadora? Você não é mãe”.>
Karla Coser usou as redes sociais para se manifestar sobre o episódio. “Aos insultos e desrespeitos que escutei hoje só tenho uma coisa a dizer: tô muito distante de me fazer de coitadinha. Não sou uma coitada e nunca vou deixar de usar o espaço que tenho em plenário pra denunciar os abusos e violências que acontecem com as mulheres”, publicou no Twitter.>
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Para a petista, quando a chamam de mimada “é porque não têm nenhum argumento para contrapor aos meus”. O termo foi usado por Luiz Emanuel enquanto a vereadora respondia ao presidente da Câmara sobre a sua legitimidade para se pronunciar sobre o assunto, como mulher, feminista e representante eleita pelos moradores da Capital capixaba.>
“Homens costumam mesmo fazer isso. E eu seguirei firme, de cabeça erguida sabendo do tamanho da minha responsabilidade em construir uma sociedade mais justa pras mulheres”, declarou Karla Coser.>
Na Câmara da Serra, a vereadora Raphaela foi chamada de "oportunista" e "hipócrita" pelo vereador Pablo Muribeca (Podemos) depois de relatar uma situação vivida em uma unidade de saúde do município, onde foi para se vacinar. >
"A vereadora usa de oportunismo para se promover e despromover uma profissional maravilhosa. Não vem contar mentira. Não vou aceitar injustiça e vou fazer uma nota de repúdio a Vossa Excelência. Você quer receber respeito, dá respeito. Agora quer chegar com arrogância e prepotência?", atacou Muribeca da tribuna da Casa.>
Em seguida, o vereador Sergio Peixoto (Pros) subiu à tribuna da Câmara da Serra e gritou "se controla vereadora, pelo amor de Deus" e repetiu: "está descontrolada, vereadora”. >
A vereadora Elcimara Loureiro (PP) e o vereador Anderson Muniz (Podemos) reagiram. Enquanto a primeira denunciava a agressão à colega, Muniz se levantou e afirmou: “não vou admitir falta de respeito com as mulheres nessa Casa”.>
Raphaela Moraes afirmou que toda essa situação a deixou muito chateada, principalmente por manter uma relação cordial com o vereador Muribeca. "São coisas que acontecem na vida que dão vontade até de desistir. Meu discurso era sobre o programa de castração do município. Eu fui vacinar em um bairro próximo da Câmara da Serra, uma pessoa me reconheceu e começou a fazer denúncia de que estava faltando água, não tinha álcool em gel, não tinha papel toalha. Sou vereadora e é minha função mostrar", sustentou.>
"Eu só quis falar sobre o que ocorreu. A minha mãe estava descendo ao plenário e quando fui recebê-la o vereador ficou gritando 'descontrolada'. A gente sente até um pouco de medo de se pronunciar. Eu raramente vou às unidades de saúde, foco muito na pauta de proteção aos animais. Meu interesse era só tomar a vacina e acabei passando por todo esse transtorno. É como se fosse para a gente ter medo de usar a fala. Não quero passar por cima de ninguém. Violentaram o meu direito e quem cometeu violência é alguém que gosto", acrescentou a vereadora da Rede.>
"Como representantes eleitas, quando essas mulheres são silenciadas, muitas outras são silenciadas". A afirmação é da professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do programa de pós-graduação da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Mayra Goulart, que pesquisa sobre violência política de gênero.>
A professora ressalta que esse tipo de violência e silenciamento ocorrem de diversas formas para as mulheres que estão na política. A caracterização dos tipos e formas dessa violência faz parte das suas pesquisas, cujo objetivo é ajudar a distinguir e a identificar as situações em que isso ocorre de maneira mais clara, para que possam ser propostas regras e legislações específicas para combater a violência política de gênero.>
"Isso ocorre de forma sistemática, seja invisibilizando quando elas falam, seja questionando a autoridade delas para falar, de maneira direta ou indireta, como por exemplo quando questiona se ela entende determinada regra", esclarece a cientista política.>
Para a professora, situações como as ocorridas nas Câmaras de Vitória e da Serra nesta quarta-feira só agravam a dificuldade vivenciada pelas mulheres com mandato para conquistarem espaço nos parlamentos e reproduzem um formato em que se forma um bloco de homens contra mulheres.>
"Mulheres ocupam menos espaços nas estruturas de poder, nos cargos de relatorias, de Mesa Diretora, nas Comissões de Constituição e Justiça, até mesmo em cargos de líderes de bancadas. Isso é uma forma de contornar o voto popular, pois mesmo quando as mulheres são eleitas, elas são distanciadas de espaços que possam dar mais visibilidade", destaca a professora.>
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