Publicado em 29 de maio de 2020 às 09:22
A operação da Polícia Federal que cumpriu, na quarta-feira (27), mandados de busca e apreensão no âmbito do chamado inquérito das fake news e teve como alvos apoiadores do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), despertou críticas, principalmente, entre os bolsonaristas. Segundo eles, a ação atingiria o direito à liberdade de expressão. >
A investigação, no entanto, não apura a emissão de opiniões e sim um esquema de criação e distribuição de informações falsas e postagens com ofensas, calúnia e ameaças aos membros do Supremo Tribunal Federal (STF). Especialistas analisam que a apuração não desrespeita a livre expressão, mas a suspensão de contas em redes sociais, antes da conclusão do caso, sim. >
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou o bloqueio de 17 contas em redes como Twitter, Instagram e Facebook. Até a tarde desta quinta-feira (28), mais de 24 horas após a ordem judicial, no entanto, os perfis seguiam ativos.>
O inquérito não é novo, foi aberto em março de 2019 pelo presidente da STF, Dias Toffoli. A ação, que é um desdobramento desse inquérito que corre em sigilo, cumpriu 29 mandados de busca apreensão envolvendo bolsonaristas, entre eles o ex-deputado federal Roberto Jefferson, ativistas, como Sara Winter e empresários, como Luciano Hang, dono da Havan, e Edgard Corona, dono da rede de academias SmartFit, acusados de financiar a propagação de desinformação.>
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Moraes, relator do inquérito, chegou a postar no Twitter um exemplo que circulava nas redes: a publicação de um falso diálogo em que o próprio Moraes combinava um ataque armado a manifestações bolsonaristas. Em postagens seguintes o magistrado escreveu: "Lamentável que milícias digitais, criminosamente, inventem mensagens e perfis falsos e mentirosos, como esse anexo, para desgastar a Democracia e o Estado de Direito. O Poder Judiciário atuará com firmeza para responsabilizar esses marginais.">
Ameaças de incendiar o plenário do STF e de matar ministros também já foram apuradas. O Jornal Nacional mostrou que 72 investigações foram enviadas pelo Supremo à primeira instância do Judiciário e tornaram-se inquéritos policiais.>
Especialistas ponderam que o fato de investigar essas postagens e os mandados de busca e apreensão, em si, não configuram uma violação à liberdade de expressão. Para eles, o direito, um dos mais importantes da Constituição, é garantido, porém não absoluto. >
A liberdade de expressão tem a função de permitir que as pessoas manifestem suas ideias e também que a sociedade receba essas manifestações, ressalta o advogado constitucionalista Cláudio Colnago. Essa proteção, no entanto, não se aplica à divulgação de mentiras, ameaças e incitação à violência. Quando ultrapassa a linha tênue e chega na incitação de violência, ou mesmo passa a ser uma violência, está fora do que é liberdade, explica.>
Apesar de frisar que é importante entender a diferença entre uma opinião e uma ofensa ou ameaça, quanto à propagação de mentiras Colnago é categórico: Não existe liberdade para produzir e espalhar desinformação. Se a opinião desagrada, mas não contém acusações ou ameaças, no entanto, fica protegida pela Constituição.>
"É o caso, por exemplo, de dizer que sente vergonha do STF ou que não gosta de alguém. A pessoa tem o direito de tirar suas conclusões, mas não pode incitar a violência ou atentar contra as instituições democráticas", exemplifica.>
Adriano SantAna Pedra, professor de direito constitucional da FDV, aponta que a investigação em curso é para apurar crimes nas postagens, como calúnia, injúria ou difamação, ilegalidades que são ligadas à publicação de mentiras. Existe, também, o discurso do ódio. Quando você tenta incitar as pessoas a atentarem contra direitos fundamentais ou contra a democracia, por exemplo, postando mensagens que apoiam um regime autoritário ou defendem o fechamento de instituições democráticas, isso é enquadrado como discurso de ódio, assinala.>
Apesar de não considerarem que o inquérito seja uma forma de tolher a liberdade de expressão, os especialistas possuem algumas ressalvas. Colnago destaca que o fato de correr em sigilo e ter como suposta vítima o próprio juiz do caso preocupa.>
Para Adriano Pedra, determinar o bloqueio de contas em redes sociais antes do fim da investigação, pode ser considerado uma forma de censura e deveria ser usado em último caso. >
Anteriormente, nesse mesmo inquérito, o STF havia determinado que a revista "Crusoé" tirasse do ar uma reportagem que informava que o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo, havia sido citado em delação premiada. Dias depois, a Corte voltou atrás e liberou a publicação, que era baseada em documentos verdadeiros.>
Para o jornalista Sergio Lüdtke, editor do Comprova, grupo que atua na verificação de informações que circulam na internet, a tensão política existente faz deste momento o pior para se discutir sobre a produção e divulgação de notícias falsas e suas consequências. >
Para ele, o debate deveria ter sido feito antes, visto que jornalistas já denunciavam o financiamento de empresas que replicavam conteúdos falsos durante as eleições de 2018. "Estamos atrasados e o tema está sendo discutido em um momento muito delicado em que as decisões podem ser tomadas no calor da hora', disse.>
Lüdtke também acredita que investigar as publicações já feitas não configura uma quebra da liberdade de expressão, mas se diz preocupado com a forma como o tema está sendo lidado. "A grande preocupação que tenho agora é que o tema começa a ser tratado com uma expectativa de que a solução venha pela regulamentação de conteúdos de rede sociais e acho que esse é o pior caminho", afirma. >
O ideal, de acordo com o jornalista, seria criar meios para reagir quando alguma publicação se enquadrar em crimes já previstos pela lei e não regulamentar o que pode ou não ser postado nas redes. "As redes sociais são importantes para a democracia, mas ainda muito novas. Temos que ter cuidado para não criar um problema muito maior ao entregar ao governo ou às plataformas o poder de decidir o que deve ou não deve ser publicado", finaliza.>
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