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Covid: quase meio milhão de reais está parado há um ano em Ecoporanga

Covid: quase meio milhão de reais está parado há um ano em Ecoporanga

Ministério da Saúde liberou R$ 495 mil para hospital da cidade em maio de 2020, mas dinheiro entregue à prefeitura não chegou à entidade por questões burocráticas. Para especialista, houve excesso de zelo

Publicado em 25 de maio de 2021 às 20:40

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Hospital Fumatre, em Ecoporanga: repasse de R$ 495 mil para a Covid-19 está
Hospital Fumatre, em Ecoporanga: repasse de R$ 495 mil para a Covid-19 está no caixa da prefeitura desde junho de 2020. (Reprodução/Facebook)
Rafael Silva
Repórter de Política / [email protected]

Único hospital de Ecoporanga, a Fundação Médico Assistencial do Trabalhador Rural de Ecoporanga (Fumatre) aguarda há quase um ano para receber R$ 495 mil destinados pelo governo federal para despesas com a pandemia na instituição. O recurso, que foi liberado por uma portaria do Ministério da Saúde em maio do ano passado, está desde o mês seguinte nos cofres da prefeitura. Até esta terça-feira (25), não havia sido transferido para o hospital para ser utilizado no combate à Covid-19.

A demora em receber o repasse, que completa um ano no próximo sábado (29), gerou uma denúncia de dois vereadores de Ecoporanga – Eduardo Muquy (PSB) e João Batista (PDT) – ao Ministério Público do Espírito Santo (MPES). O órgão ministerial instaurou notícia de fato (um procedimento para apurar indícios de irregularidade) e notificou no último dia 30 de abril a prefeitura para que tomasse medidas para sanar o problema.

Ecoporanga é, atualmente, a única cidade do Noroeste do Estado que ainda está em risco alto de transmissão de Covid-19, segundo o Mapa de Risco do governo do Estado. Desde o início da pandemia, acumula 57 mortes e 2.770 casos. O Hospital Fumatre, apesar de não ser um dos hospitais contratados para leitos exclusivos de Covid-19, atende e interna pacientes com a doença.

Um dos critérios para a instituição recebesse o repasse do governo federal no ano passado foi porque, na época, Ecoporanga estava em uma situação mais delicada do que as demais cidades capixabas. O município foi o primeiro a decretar quarentena no Espírito Santo, poucos dias antes da portaria do Ministério da Saúde. Como o Fumatre é o único hospital da cidade, acabou contemplado pela União.

Os R$ 495 mil disponibilizados pelo governo federal são exclusivos para o combate à Covid. Vale para compra de medicamentos utilizados nas internações de pacientes acometidos pela doença, máscaras e outros equipamentos de proteção. Também pode ser usado para pagar funcionários extras, contratados por conta da pandemia.

A reportagem de A Gazeta conversou com um dos diretores da entidade, que pediu para ser não ser identificado. Segundo ele, o hospital enfrenta dificuldades financeiras e o recurso, que representa cerca de dois meses de despesas totais do hospital, teria grande utilidade.

"Mesmo que os recursos sejam exclusivos para a pandemia, a demora no repasse acabou impactando também outros atendimentos. Nós não podemos deixar de atender. Então, se falta recursos para tratar pacientes com Covid, tiramos de outro lugar. Com um cobertor curto, se puxamos de um lado, deixamos outro descoberto", desabafa o diretor.

Sede da Prefeitura de Ecoporanga
Sede da Prefeitura de Ecoporanga: norma interna bloqueou o recurso. (Google Street View)

BUROCRACIA IMPEDIU REPASSE

De acordo com o secretário de Saúde de Ecoporanga, Ricardo Maia, uma norma do Conselho Municipal de Saúde, que é vinculado à pasta, determina que as compras que utilizam o fundo da secretaria só podem ser realizadas caso o Hospital Fumatre apresente  três orçamentos. Assim, se quisesse comprar uma caixa de máscaras, por exemplo, seria necessário entregar pesquisa de preços para o produto com três empresas diferentes.

No entanto, devido à corrida por materiais durante a pandemia, muitos fornecedores não conseguiram garantir por mais de 30 dias os mesmos preços para as compras. Desse modo, o hospital teve dificuldades e não entregou a documentação necessária.

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A meu ver, não é culpa nem do hospital, nem do município. É um problema que muitas prefeituras estão enfrentando também. É claro que queremos ver o recurso sendo utilizado, mas precisamos ter cuidado para não sofrermos punições depois. O importante é que o dinheiro está em caixa.

Ricardo Maia
Secretário de Saúde de Ecoporanga
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Segundo ele, a secretaria já adotou um novo entendimento para permitir o repasse ao hospital, mesmo sem os orçamentos de três empresas diferentes. No entanto, a Câmara Municipal precisa aprovar uma nova lei que permita a mudança.

"Vamos solicitar ao Fumatre a atualização do plano de trabalho estabelecido na parceria entre a prefeitura e o hospital. Assim que terminarem, vamos encaminhar para a Câmara de Vereadores aprovar. Outro fator que também atrasou foi a impossibilidade que havia em usar o recurso de 2020 em 2021. Em maio deste ano o governo federal prorrogou a validade do repasse", afirma.

Funcionários do Hospital Fumatre, em mensagem publicada nas redes sociais para os moradores de Ecoporanga
Funcionários do Hospital Fumatre, em mensagem publicada nas redes sociais para os moradores de Ecoporanga. (Reprodução/Facebook)

"INVERSÃO DE VALORES", AFIRMA ESPECIALISTA

Para o advogado e especialista em Direito Público, Sandro Câmara, não há nenhuma irregularidade na regra adotada pelo Conselho Municipal de Saúde de Ecoporanga, ao exigir três orçamentos para a liberação dos recursos. No entanto, ele avalia que, em tempos de pandemia, o município tinha autonomia para flexibilizar a regra.

Ele lembra que, em situações emergenciais, entes acima do município, como o Estado e a União, permitiram a suavização de regras de licitação para garantir a manutenção dos serviços. Para ele, houve excesso de zelo da Prefeitura de Ecoporanga.

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É evidente que esse tempo de um ano para liberar o recurso para o hospital não se justifica. Esse excesso de zelo cria um efeito contrário, que é a não utilização do dinheiro público. Um decreto, por exemplo, poderia resolver. A prefeitura tem instrumentos jurídicos para isso. É uma inversão de valores, esse zelo pode ter causado mortes e até o agravamento de doenças.

Sandro Câmara
Advogado e especialista em Direito Público
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