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Coronavírus: 6 vezes em que Bolsonaro e Mandetta não falaram a mesma língua

Coronavírus: 6 vezes em que Bolsonaro e Mandetta não falaram a mesma língua

Isolamento social, carreatas, passeio pelo comércio, cloroquina. Presidente disse que "falta humildade" ao ministro da Saúde

Publicado em 3 de abril de 2020 às 18:35

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22/03/2020 - Brasília - Ministro de Estado da Saúde, Luiz Henrique Mandetta participando de videoconferência com a Frente Nacional de Prefeitos - FNP
Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta já tiveram divergências em vários temas sobre o coronavírus. (Isac Nóbrega/PR/Flickr)

Após dias contrariando publicamente as orientações do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sobre a melhor forma de evitar a propagação do coronavírus, nesta quinta-feira (2) o presidente Jair Bolsonaro disse que falta "humildade" ao ministro e, embora tenha afirmado que não pretende dispensá-lo "no meio da guerra", ressaltou que ninguém é "indemissível" em seu governo.

O protagonismo de Mandetta diante da crise envolvendo a pandemia do coronavírus já vinha incomodando o presidente há algum tempo, o que fica demonstrado também na falta de sintonia dos discursos dos dois, desde 17 de março, semana em que foram tomadas as primeiras medidas. O próprio Bolsonaro resumiu: "A gente está se bicando há algum tempo".

A principal divergência entre Bolsonaro e Mandetta é sobre a questão do isolamento social. Enquanto o presidente defende flexibilizar medidas como fechamento de escolas e do comércio para mitigar os efeitos na economia, permitindo que jovens voltem ao trabalho, Mandetta tem mantido a orientação para as pessoas ficarem em casa. A recomendação do ministro segue o que dizem especialistas e a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Veja alguns episódios que mostraram as divergências entre o Ministro da Saúde e o presidente da República.

MANIFESTAÇÕES DE 15 DE MARÇO

Após ter recomendado em sua transmissão semanal do dia 12 de março, ao lado do ministro da Saúde, que protestos fossem adiados para frear o vírus, no dia da manifestação, 15 de março, o presidente desceu a rampa do Palácio do Planalto e tocou nas mãos de dezenas de militantes, pegou os celulares deles para tirar selfies, balançou bandeiras e faixas dadas pelos seus apoiadores. Tudo isso sem nenhuma proteção individual, como máscara ou luvas.

O presidente Jair Bolsonaro cumprimenta apoiadores na frente do Palácio do Planalto, ao final da manifestação em favor do seu governo feita na manhã de hoje.
O presidente Jair Bolsonaro cumprimentou apoiadores na frente do Palácio do Planalto ao final da manifestação em favor do seu governo, mesmo em meio à pandemia de coronavírus. (Pedro Ladeira/Folhapress)

Após a aparição pública do presidente, quando ele já era fortemente criticado, Mandetta declarou que as aglomerações eram um "equívoco" diante do avanço da doença no país.

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Eu acho que o presidente, vocês estão todos focados e apontando ali. Eu acho que o presidente teve a sua passagem ali (no ato) que vocês podem questionar. Agora, ontem a praia estava superlotada no Rio de Janeiro, os bares no Leblon, amigos meus mandaram fotos brindando

Luiz Henrique Mandetta
em entrevista no dia 16 de março
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MEDIDAS  DE RESTRIÇÃO TOMADAS PELOS ESTADOS

No pronunciamento em rede nacional  de 24 de março, Bolsonaro criticou as medidas para conter o coronavírus que vêm sendo tomadas por governadores e prefeitos em todo o país. O presidente tem afirmado que a economia vai sofrer com fechamento de comércio e que trabalhadores informais ficarão sem comida, tornando o isolamento social impossível.

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O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos, sim, voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, como proibição de transporte, fechamento de comércio e confinamento em massa

Jair Bolsonaro
durante pronunciamento oficial de rádio e TV
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No dia 30 Mandetta voltou a pedir que sejam mantidas as recomendações feitas pelos estados para conter o avanço da epidemia do novo coronavírus.

"Por enquanto mantenham as recomendações dos estados, porque nesse momento é a medida mais recomendável, porque temos muitas fragilidades ainda no sistema de saúde"

CARREATAS

No dia 28, em entrevista coletiva após a reunião com o presidente, o ministro da Saúde criticou as carreatas pela reabertura do comércio. Esses atos defendidos por Bolsonaro, que chegou a inclusive compartilhar vídeos nas redes sociais.

Coronavírus: carreata na Praia de Camburi, em Vitória, pela reabertura do comércio
Coronavírus: carreata na Praia de Camburi, em Vitória, pela reabertura do comércio, no dia 28 de março. (Reprodução/vídeo de internauta)

"Pedimos à sociedade que comporte-se. Prevaleça, primeiro, a lei do bom senso. As carreatas, não é hora agora. Fazer movimento assimétrico de efeito manada...Daqui a duas semanas, três semanas, os que falam 'vamos fazer carreata', vão ser os mesmos que ficarão em casa. Não é hora", disse Mandetta.

HIDROXICLOROQUINA

Enquanto o presidente defende a aplicação do medicamento em pacientes da covid-19, Mandetta pede cautela até que haja comprovação científica da eficácia desse fármaco, normalmente usado para malária.

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O FDA americano e o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, buscam a comprovação da eficácia da cloroquina no tratamento do covid-19. Nosso governo tem recebido notícias positivas sobre este remédio fabricado no Brasil e largamente utilizado no combate à malária, lúpus e artrite

Jair Bolsonaro
no pronunciamento da TV, no dia 24 de março. 
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Mandetta tem afirmado que considera os estudos sobre a eficácia do tratamento com a substância ainda muito incipientes. "[Uso de cloroquina] Não é panacéia, não veio para salvar a humanidade. É um estudo incipiente que está sendo feito mundo afora. Por que não abre para o cara que está no primeiro dia? Se tomada [cloroquina], pode dar arritmia cardíaca e paralisar a função do fígado. Poderíamos ter mais mortes por mal uso do medicamento do que pela virose", afirmou o ministro, que também é médico.

ISOLAMENTO VERTICAL

No pronunciamento do dia 24 de março, Bolsonaro saiu em defesa do isolamento vertical, pela primeira vez, deixando apenas idosos e pessoas com doenças pré-existentes fora do convívio social. "O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Então, por que fechar escolas? Raros são os casos fatais de pessoas sãs, com menos de 40 anos de idade. 90% de nós não teremos qualquer manifestação caso se contamine".

Casal de idosos em Vitória
No isolamento vertical, defendido por Bolsonaro, apenas idosos e pessoas com doenças pré-existentes ficam fora do convívio social. Os mais jovens, ao voltar para casa, no entanto, podem contaminar justamente os integrantes do grupo de risco. (Vitor Jubini | A Gazeta)

No dia seguinte, em entrevista, Bolsonaro disse ia conversar com o ministro da Saúde para que a orientação do governo federal mude.

"O que precisa ser feito: botar esse povo para trabalhar, preservar os idosos, preservar aqueles que têm problemas de saúde, mais nada além disso. Caso contrário, o que aconteceu no Chile vai ser fichinha perto do que pode acontecer no Brasil", afirmou o presidente.

Em diversas declarações, Mandetta não se colocou favoravelmente a esta estratégia.

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É só pegar as pessoas com mais de 60 anos e cuidar? Como se essas pessoas estivessem dentro de uma cápsula. Essas pessoas moram com vocês, têm netos, têm filhos, trabalham, pegam ônibus, são ambulantes

Luiz Henrique Mandetta
em entrevista coletiva.
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RECADO DA OMS

No dia 31 Bolsonaro usou trecho de pronunciamento do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, para alegar que, agora, até a entidade internacional estaria defendendo o retorno ao trabalho. 

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Senhor Tedros, diretor da OMS, disse saber que muitas pessoas de fato têm que trabalhar todos os dias para ganhar o pão e os governos têm que levar a população em conta. Se fecharmos as movimentações, o que acontecerá com essas pessoas que precisam trabalhar todos os dias? Então cada país, baseado na situação, deveria responder a essa questão. Com relação a cada medida, temos que ver o que significa para os indivíduos nas ruas. Eu venho de família pobre e sei o que significa se preocupar com o pão diário

Jair Bolsonaro
em pronunciamento na TV, no dia 31 de março.
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Depois desta declaração, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, negou que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tenha defendido o retorno imediato das pessoas ao trabalho, conforme fez crer o presidente. Mais do que isso, Mandetta defendeu ainda “o máximo de distanciamento social” e a manutenção das quarentenas definidas pelos estados no combate ao novo coronavírus. 

A afirmação atribuída ao diretor da OMS foi distorcida por Bolsonaro.  O que a organização pede é que gestores públicos, como Bolsonaro, deem condições para que as pessoas pobres possam cumprir as recomendações das autoridades em saúde pública, como o isolamento social.

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