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Assembleia quer multa para fake news, mas projeto é controverso

Assembleia quer multa para fake news, mas projeto é controverso

Texto foi aprovado na sessão virtual desta segunda-feira e será avaliado pelo governador. Entretanto, especialistas avaliam que Casas legislativas estaduais não têm competência para criar atribuições para outros Poderes

Publicado em 12 de maio de 2020 às 17:51

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Fake News: notícias falsas tornaram-se frequentes na sociedade
Fake News: conteúdos falsos tornaram-se frequentes na sociedade e são compartilhados pelas redes sociais. (Divulgação)
Assembleia quer multa para fake news, mas projeto é controverso

Assembleia Legislativa do Espírito Santo quer aplicação de multa de até R$ 700 para quem espalhar desinformação sobre o novo coronavírus ou sobre qualquer eventual epidemia. Um projeto que prevê a punição foi aprovado na segunda-feira (11) pela Casa, mas ainda não está valendo, tem que passar pelo crivo do governador Renato Casagrande (PSB). Há dúvidas, no entanto, quanto à constitucionalidade da medida e até mesmo quanto à forma como ela seria colocada em prática. Quem decidiria o que é fake news? Quem aplicaria a multa? E, voltando à questão da legalidade, a Assembleia pode fazer isso?

Para o autor da proposta, o deputado estadual Hércules Silveira (MDB), a resposta é sim. Para especialistas consultados por A Gazeta, não. 

De acordo com o texto do Projeto de Lei 195/2020, a punição é para "quem dolosamente divulgar por meio eletrônico ou similar, notícia falsa sobre epidemias, endemias e pandemias no Estado". O dinheiro recolhido será destinado para o Fundo Estadual de Saúde, de acordo com a proposta.

Na justificativa da matéria, o parlamentar aponta: "O problema da divulgação de informações falsas ou distorcidas tem provocado grande inquietude e sentimento de desespero na sociedade. Em tempos de grave crise de saúde pública não podemos permitir tamanho absurdo e crueldade".

Um dos pontos levantados pelos especialistas é que a proposta não deixa claro quem faria a fiscalização e a aplicação das multas. Questionado, Hércules afirmou que o plano é que, após denúncias, as atribuições de fiscalizar e punir sejam do Ministério Público e do Judiciário. "Nossa ideia é que a própria Justiça, tendo alguma denúncia, possa fiscalizar. O Ministério Público, por exemplo, e outros órgãos competentes."

ESPECIALISTAS OBSERVAM INCONSTITUCIONALIDADE

Neste ponto, para o especialista em Direito constitucional Cláudio Colnago, está a inconstitucionalidade: ao criar uma lei que atribui novas funções para outros órgãos, que seriam os fiscalizadores e responsáveis pela aplicação da multa, a proposta fere a Constituição. "A legislação estabelece que a criação de novas funções públicas é de iniciativa do presidente da República. Pelo princípio da simetria, isso se aplicaria ao governador, cargo máximo do Executivo", disse.

Para a especialista em Direito Digital Patrícia Peck, projetos como este, proposto em Casas legislativas estaduais, deveriam ser contemplados em uma legislação federal "para ter uma uniformidade de tratamento".

Essa legislação no âmbito nacional, para Colnago, já está prevista na lei de contravenções penais. "No artigo 41 são estabelecidas punições, que incluem prisão e multa, para quem 'provocar alarma, anunciando desastre ou perigo inexistente, ou praticar qualquer ato capaz de produzir pânico ou tumulto'. Se temos essa matéria regulada em lei federal ela não poderia ser tratada por legislação estadual", apontou.

O professor da Faculdade de Direito de Vitória Paulo Neves Soto, também especialista em Direito Digital, explica que a possibilidade de se criar uma legislação similar passa pelo Congresso Nacional. Mesmo se fosse criado e aprovado, no entanto, a aplicabilidade de legislações que visam tipificar criminalmente as fake news passaria pela dificuldade de definição do órgão fiscalizador. "O problema é que o órgão que seria cabível para fiscalizar está previsto na Lei Geral de Proteção a Dados Pessoais, que entraria em vigor neste ano, mas a vigência foi prorrogada para o ano que vem", afirmou.

Patrícia Peck ressalta que ao menos seis projetos do tipo foram apresentados à Câmara dos Deputados desde o dia 18 de março.  Dentre estes, está o projeto de autoria do deputado capixaba Felipe Rigoni (PSB) e da deputada Tabata Amaral (PDT).

Soto elucida que, embora a prática de divulgação de desinformação, em si, não esteja tipificada criminalmente, o conteúdo das postagens e a consequência delas podem ser enquadradas em outras tipificações, com punições mais severas. "Se há uma fake news que fala sobre tratamento de saúde pública falso, por exemplo, pode ser punido como estelionato ou curanderismo. Consequências podem caber em outros tipos criminais", assinalou.

Para o constitucionalista Colnago, o projeto é uma "situação clara de legislação simbólica, quando o legislador procura dar uma resposta pela atuação mais do que pelo conteúdo. Uma lei que seria muito mais um símbolo, porque não tem base constitucional".

O deputado estadual Hércules Silveira
O deputado estadual Hércules Silveira acredita que o projeto será sancionado pelo governador. (Ellen Campanharo/Ales)

DEPUTADO ACREDITA QUE GOVERNADOR VAI SANCIONAR

Uma comissão especial da própria Assembleia Legislativa do Estado chegou a emitir um parecer pela inconstitucionalidade da proposta, mas o parecer foi derrubado no plenário e o projeto foi aprovado em todas as comissões, inclusive na Comissão de Constituição e Justiça.

O deputado Hércules Silveira defende o projeto, ao afirmar que estamos vivendo um momento trágico em que as notícias falsas vêm das próprias autoridades. "Um capitão, presidente da República, está receitando." O deputado comemorou a aprovação do texto, que segue agora para análise do governador, e acredita que o projeto será sancionado. "Pessoas do governo viram o projeto com simpatia, o próprio governador tem sofrido bastante com notícias falsas, por isso acredito que será sancionado. Acredito que o próprio governo mande projetos sobre notícias falsas como um todo", completou.

O projeto foi aprovado nesta segunda-feira (11) e pelos registros de tramitação do site da Assembleia Legislativa ainda não seguiu para ser avaliado pelo governador.

O termo fake news e a complexidade da desinformação

O projeto aprovado na Assembleia Legislativa do Estado usa o termo notícia falsa (ou fake news, em inglês). A expressão é amplamente usada para definir conteúdos falsos ou enganosos compartilhados via redes sociais e aplicativos de mensagens. No entanto, a utilização dela é criticada por estudiosos da área, que preferem usar a palavra desinformação. O termo, de acordo com a pesquisadora britânica Claire Wardle, líder da iniciativa First Draft, não explica a complexidade de todas as formas de mentira que existem hoje. "Muitas das informações mais poderosas têm a forma visual. Não são sites que parecem notícias. Além disso, muito conteúdo problemático não é falso. É genuíno, mas usado fora de contexto, explicou para A Gazeta em 2018. Outro problema é que o termo fake news já serviu ao discurso de líderes autoritários de todo o mundo como arma, afirmou a pesquisadora. O objetivo é desacreditar o trabalho da imprensa quando não gostam de alguma notícia (tipo de texto jornalístico).

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