Repórter / vlodi@redegazeta.com.br
Publicado em 5 de maio de 2025 às 14:56
O inquérito que investiga a morte do vistoriador Danilo Matos Lipaus, de 20 anos, atingido por cinco disparos durante uma abordagem em que agentes da Polícia Militar deram 49 tiros, foi concluído pela Polícia Civil. A corporação divulgou nesta segunda-feira (5) que quatro policiais vão responder pelo caso: dois deles foram indiciados por tentativa de homicídio e o caso segue para o Ministério Público do Espírito Santo (MPES), que pode oferecer denúncia à Justiça comum. Já em relação aos outros dois militares não caberia o indiciamento, porque, segundo a PC, eles teriam cometido homicídio culposo — se tratando de crime militar, cabendo julgamento na Justiça Militar.
Os nomes dos militares na investigação da Polícia Civil não foram divulgados. O jovem morreu em ocorrência no bairro Aeroporto, em Colatina, no Noroeste do Espírito Santo, na madrugada do dia 1º de fevereiro deste ano.
Segundo a Polícia Civil, as investigações apontaram que policiais militares, naquela data, estavam atrás de indivíduos vistos em uma caminhonete Chevrolet S10 branca, suspeitos de participarem de um assalto a mão armada em Águia Branca três dias antes. Durante a perseguição, o veículo foi abandonado no bairro São Braz. Na mesma região, Danilo frequentava uma distribuidora de bebidas com amigos.
Danilo saiu do local com amigos na carroceria da Fiat Strada branca e foi abordado pela primeira vez pelos policiais devido à irregularidade de transportar pessoas no bagageiro do veículo. Os jovens desceram da picape, mas o vistoriador fugiu, inclusive de outras três abordagens, segundo apontaram as investigações da Polícia Civil (veja vídeo acima).
Na segunda fuga, um policial relatou ter visto algo semelhante a uma arma no colo de uma pessoa que estava no banco do carona da Fiat Strada. Esse objeto, segundo as investigações, teria sido jogado fora e não foi localizado. Não foi confirmado se era de fato uma arma de fogo. Na terceira vez, policiais atiraram contra a picape dirigida por Danilo. Outra equipe próxima ouviu os disparos e acreditou que houve uma troca de tiros. O amigo do jovem, sentado no carona, deixou o veículo mesmo em movimento. Na quarta e última abordagem, Danilo foi morto.
Conforme o delegado responsável pelo caso, o titular da Divisão Especializada de Repressão às Ações Criminosas (Draco), delegado Tarik Souki, os policiais indiciados por tentativa de homicídio atiraram contra o carro de Danilo, alegando que poderiam ser atropelados. No entanto, com as imagens utilizadas nas investigações, foi verificado que houve disparos após o jovem passar com o veículo.
“As argumentações deles não se sustentaram, porque alegaram que para repelir a injusta agressão, pelo risco de atropelamento, efetuaram disparos, porém as imagens mostram que mesmo após a passagem do veículo, há disparo na parte de trás do carro”, comentou o delegado.
Quanto aos outros dois policiais, que podem responder por homicídio culposo, o delegado explicou que têm o crime configurado como militar e não cabe à Polícia Civil indiciá-los. No entanto, o caso será encaminhado para o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) analisar e decidir pela denúncia ou não.
“Nós temos que levar em consideração alguns fatores. Os policiais tinham muitas informações na cabeça. A S10 foi abandonada, os indivíduos fogem a pé. O Fiat Strada fugiu das abordagens, um policial pede prioridade. Na terceira abordagem aconteceram disparos de arma de fogo e policiais, equivocadamente falam ‘troca de tiros, troca de tiros’. Por isso, quando os policiais encontraram Danilo, eles acreditavam que estavam agindo em legítima defesa, que era ilusória", disse o delegado Tarik Souki.
Delegado Tarik Souki
Titular da Divisão Especializada de Repressão às Ações Criminosas (Draco)Conforme o delegado, o amigo de Danilo foi ouvido durante as investigações e relatou à Polícia Civil que estava embriagado naquele dia e não sabia descrever o que era aquele objeto que tinha em mãos. Disse ainda que acredita que Danilo fugiu porque tinha medo de perder a carteira de motorista.
A reportagem de A Gazeta tenta contato com a defesa dos policiais militares envolvidos no caso, e com a Associação das Praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiro Militar do Estado do Espírito Santo (ASPRA-ES), que representa a categoria. Alguns posicionamentos já foram feitos (leia mais abaixo no texto).
Durante os trabalhos, segundo o delegado-geral da Polícia Civil, José Darcy Arruda, relatou que a investigação foi conduzida com o uso de imagens e áudios. “A Polícia Civil procurou remontar todos os momentos desse evento crítico. Uma investigação técnica, sem juízo de valor. O delegado se dedicou a buscar todas as imagens e áudio para entender todas as dinâmicas e chegar a uma decisão. Ele concluiu o inquérito policial. Infelizmente nós sentimos muito pela morte”, disse.
Para Arruda, o erro serve para estudos, com o objetivo de evitar casos como esse no futuro. “Nós aprendemos com os nossos erros, nós estudamos os nossos erros. Acredito que tudo isso vai servir para os nossos estudos para que eventos críticos sejam evitados futuramente”.
Um documento oficial do Comando Geral da Polícia Militar, obtido com exclusividade pela TV Gazeta, e ao qual A Gazeta também, teve acesso, divulgado em 7 de abril, traz detalhes sobre o inquérito que apura a morte do jovem Danilo Lipaus Matos, de 20 anos, durante uma ação policial em Colatina, no Noroeste do Espírito Santo, em fevereiro deste ano.
Ao todo, o nome de sete militares são citados, mas, conforme a corporação investigou, foram encontrados indícios de crime militar e de transgressão da disciplina militar na conduta de quatro deles: sargento Renan Pessimílio, cabo Rodrigo de Jesus Oliveira, soldado Eduardo Nardi Ferrari e soldado Guilherme Martins Silva.
No Inquérito Policial Militar (IPM), o soldado Ramon Lucas Rodrigues Souza é também apontado pela prática de crime militar, mas a investigação entendeu que há indícios de que ele agiu sob amparo de excludente de ilicitude: quando o policial age em legítima defesa ou cumprindo ordem legal. Os cabos Roberth Willian Meirelles e Bill Guidoni Ferrari foram inocentados. O soldado Guilherme foi identificado como responsável por lançar informações falsas ao boletim de ocorrência registrado.
Conforme documentos obtidos pela reportagem, o sargento Renan teria efetuado 15 disparos, a mesma quantidade que o soldado Eduardo. Já o cabo Rodrigo teria disparado 12 tiros. Outros policiais também atiraram: o cabo Roberth Willian Meirelles, uma vez; o soldado Ramon Lucas Rodrigues Souza, duas; e o cabo Bill Guidoni Ferrari, quatro. Foram, ao todo, 49 disparos, e cinco deles acertaram Danilo.
A Corregedoria da Polícia Militar confirmou à TV Gazeta, que o relatório foi homologado e foi enviado para a Justiça Militar Estadual. O inquérito também seguiu para a análise de abertura de processo disciplinar na PM.
A Gazeta apurou que, em decisão proferida em 23 de abril, o juiz Roney Guerra Duque acolheu o pedido do Ministério Público Militar e remeteu os autos ao Tribunal do Júri de Colatina, consolidando o entendimento de que o homicídio é um crime comum e, portanto, deve ser julgado pelo júri popular.
Segundo o delegado Tarik Souki, dois policiais militares foram indiciados pela Polícia Civil por tentativa de homicídio, enquanto outros dois foram enquadrados por homicídio culposo. Como esse último se configura como crime militar, caberia à Justiça Militar avaliar o caso, já que a Polícia Civil não teria atribuição para realizar o indiciamento. Já os policiais indiciados por tentativa de homicídio devem responder na Justiça Comum.
Sobre o processo aberto após a investigação da Corregedoria da PM, que foi encaminhado à Justiça Comum por decisão da Justiça Militar com aval do MP Militar, no dia 26 de abril, já com os autos em mãos, a juíza Roberta Holanda de Almeida, da 1ª Vara Criminal de Colatina, abriu prazo para que o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) se manifeste se vê ou não crime passível de acusação, que viabilize à apresentação, ou não, de denúncia contra os policiais militares. Caso o MP denuncie e a Justiça acolha a denúncia, os PMs se tornarão réus no processo.
O advogado Pedro Lozer Pacheco, que faz a defesa dos policiais militares Ramon e Rodrigo, afirmou que aguardará o acesso à íntegra do relatório conclusivo do inquérito. Acrescentou ainda que assim que tiver acesso ao documento, se manifestará sobre o caso.
O advogado Rodrigo Vidal, que representa o sargento Renan Pessimílio, o cabo Roberth Willian Meirelles, o cabo Bill Guidoni Ferrari e o soldado Eduardo Nardi Ferrari, afirmou que ainda não teve acesso ao relatório final do inquérito conduzido pela Polícia Civil. Segundo ele, a defesa tomou conhecimento da conclusão por meio da imprensa e aguarda o acesso oficial ao documento para se manifestar.
A advogada que representa a família da vítima, Naianne Lara Gonçalves Lima, informou que continua tentando obter acesso ao documento conclusivo da Polícia Civil e que se manifestará posteriormente.
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