Um documento oficial do Comando Geral da Polícia Militar, obtido com exclusividade pela TV Gazeta, e ao qual A Gazeta também, teve acesso, traz detalhes sobre o inquérito que apura a morte do jovem Danilo Lipaus Matos, de 20 anos, durante uma ação policial em Colatina, no Noroeste do Espírito Santo, em fevereiro deste ano. Ao todo, o nome de sete militares são citados, mas, conforme a corporação investigou, foram encontrados indícios de crime militar e de transgressão da disciplina militar na conduta de quatro deles: sargento Renan Pessimilio, cabo Rodrigo de Jesus Oliveira, soldado Eduardo Nardi Ferrari e soldado Guilherme Martins Silva.
No Inquérito Policial Militar (IPM), o soldado Ramon Lucas Rodrigues Souza é também apontado pela prática de crime militar, mas a investigação entendeu que há indícios de que ele agiu sob amparo de excludente de ilicitude: quando o policial age em legítima defesa ou cumprindo ordem legal. Os cabos Roberth Willian Meirelles e Bill Guidoni Ferrari foram inocentados. O soldado Guilherme foi identificado como responsável por lançar informações falsas ao boletim de ocorrência registrado.
Conforme documentos obtidos pela reportagem, o sargento Renan teria efetuado 15 disparos, a mesma quantidade que o soldado Eduardo. Já o cabo Rodrigo teria disparado 12 tiros. Outros policiais também atiraram: o cabo Roberth Willian Meirelles, uma vez; o soldado Ramon Lucas Rodrigues Souza, duas; e o cabo Bill Guidoni Ferrari, quatro. Foram, ao todo, 49 disparos, e cinco deles acertaram Danilo.
A Corregedoria da Polícia Militar confirmou à repórter Carolina Silveira, da TV Gazeta Noroeste, que o relatório foi homologado e vai ser enviado para a Justiça Militar Estadual. O inquérito também segue para a análise de abertura de processo disciplinar na PM.
O relatório ainda sugere a liberação das armas utilizadas na ação policial para o uso operacional, assim como o fim do afastamento cautelar dos militares.
Em nota, o Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), por meio da Promotoria de Justiça junto à Auditoria Militar e da Promotoria de Justiça de Colatina, informou que segue acompanhando o caso e aguarda o recebimento do inquérito policial para análise de toda a documentação e, posteriormente, adoção das providências necessárias.
Para Josenildo Monteiro Matos, pai de Danilo, o avanço das investigações nas esferas militar e criminal representa um alento.
"Isso dá um alívio na gente. O meu filho morreu inocente. Meu filho não era bandido. Eles não deram chance nenhuma para o meu filho. Eles assassinaram meu filho. Sem dar um pingo de chance para ele. Eu quero que eles sejam presos e paguem por isso. Porque se fosse um cidadão comum que tivesse dado 49 tiros neles, com certeza hoje estaria preso. Eu espero que eles paguem pelo que fizeram. A luta apenas começou. A gente vai correr atrás, a gente quer justiça, a gente quer eles presos. Ninguém merecia ser executado dessa forma. Isso acabou com a minha vida. Meu filho nunca foi bandido, e meu filho foi tratado como um bandido", disse.
Danilo Lipaus dirigia uma Fiat Strada e foi morto durante uma abordagem policial ocorrida no bairro Aeroporto, no dia 1º de fevereiro deste ano. Um vídeo, obtido pelo repórter Enzo Teixeira, da TV Gazeta Noroeste, flagrou o momento dos disparos. É possível ver o carro em que ele estava passa em alta velocidade e logo atrás uma viatura da PM. Um disparo é feito com os veículos ainda em movimento.
Depois, a picape de Danilo é cercada, os policiais descem da viatura e outros tiros são disparados. Outras viaturas chegaram ao local e houve uma grande movimentação de agentes.
Em entrevista ao Bom Dia ES, da TV Gazeta, no dia 3 fevereiro, o secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social, Leonardo Damasceno, disse que o Estado precisava dar uma resposta rápida para a população.
“Não se atira em pessoa em fuga, nem em veículo em fuga, salvo se o veículo ou a pessoa estiver colocando em risco a vida dos policiais, ou de terceiros. Então isso precisa ser apurado. Realmente essa ocorrência chamou atenção, porque o Danilo não estava armado, estava sozinho dentro do veículo, o veículo já tinha parado, e nós tivemos essa quantidade de disparos que aconteceu”, disse Damasceno.
A reportagem de A Gazeta procurou a Associação de Praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiro Militar do Estado do Espírito Santo (Aspra-ES) para se posicionar sobre o caso, e deixa este espaço aberto para manifestação da defesa dos policiais militares citados nesta matéria.
Em nota, a Aspra-ES informou que acompanha de perto o caso em questão desde o início, prestando todo o suporte necessário aos associados envolvidos. "Ressaltamos que, apesar da formalização da denúncia, o devido processo legal segue em curso, e estamos atentos a cada etapa, assegurando a ampla defesa e o contraditório. Reiteramos a importância de aguardar a conclusão dos trâmites legais, evitando quaisquer julgamentos precipitados que possam comprometer a imparcialidade e a legalidade do processo".
"Aspra-ES A reafirma seu compromisso com a defesa dos direitos dos nossos associados e acreditamos na legalidade da ação dos policiais militares", complementou a Associação.
Já o advogado Pedro Lozer Pacheco, que representa o cabo Rodrigo de Jesus Oliveira e o soldado Ramon Lucas Rodrigues Souza, afirmou que "está acompanhando atentamente cada fase" do processo.
Segundo a defesa, a etapa atual de colheita de provas é "unilateral", não contemplando o "contraditório e a ampla defesa", princípios que o advogado classificou como "basilares" na busca do que chamou "verdade real". Ele declarou ainda acreditar que, "durante uma possível instrução processual, a lógica e a verdade dos fatos virão à tona", momento em que, segundo ele, ficará demonstrado que os militares agiram "com amparo das excludentes de ilicitude". A defesa, no entanto, não esclareceu que "verdade real" seria essa, nem especificou qual seria a "verdade dos fatos" mencionada na nota. Leia a nota na íntegra:
A Defesa está acompanhando atentamente esta fase, que é a de colheita de prova, em caráter exclusivamente unilateral, na qual não vigora o contraditório e nem a ampla defesa, princípios basilares para busca da verdade real. Acredito que durante uma possível instrução processual, a lógica e a verdade dos fatos, (sem sensacionalismo)virão à tona e ficará demonstrado que os policiais Cabo PM Oliveira e Soldado Ramon agiram com amparo das excludentes de ilicitude. Numa conduta que justifica-se com a sequência de fatos que culminou com o desfecho daquele fatídico dia.
Pedro Lozer Pacheco
Já o advogado Rodrigo Vidal de Freitas, que atua na defesa do sargento Renan Pessimilio, do cabo Roberth Willian Meirelles, do cabo Bill Guidoni Ferrari e do soldado Eduardo Nardi Ferrari, afirmou, em nota enviada na manhã desta terça-feira (8), que aguarda o relatório rinal do inquérito, conduzido pela Delegacia de Repressão às Ações Criminosas (Draco), para se manifestar publicamente. Veja abaixo, na íntegra:
Em que pese ter havido a finalização do inquérito militar pela Corregedoria da PM/ES apontando haver indícios de crime militar, a Defesa aguarda o Relatório Final do inquérito conduzido pela DRACO para somente então se manifestar publicamente quanto aos respectivos conteúdos. Isso porque, nesta fase a colheita de provas/indícios e realizada de forma unilateral.
De outro lado, nota-se que a divulgação veiculada na mídia é seletiva, não revelando a totalidade da ação, pois não foi apenas uma tentativa de abordagem à vítima. Todavia, foi “selecionado” apenas uma parte, ao que parece, no afã de tentar provocar um “clamor público” contrário aos militares.
Acredito que a ação dos militares não só foi legítima com lícita, o que restará comprovado.
Rodrigo Vidal de Freitas
A advogada Naianne Lara Gonçalves Lima, que acompanha o caso pela família do Danilo, diz que lamenta profundamente a tentativa da defesa dos militares em justificar a morte brutal de Danilo Lipaus. "A fase de apuração preliminar deve servir a elucidação imparcial dos fatos e não a construção de narrativas que busca, desde já, conferir legalidade a uma conduta visivelmente desproporcional e letal", argumentou a advogada, que acrescentou que a família de Danilo aguarda a prisão dos PMs e a expulsão deles das fileiras da corporação. Leia a nota na íntegra:
Como advogada da família da vítima, lamento profundamente a tentativa da defesa em justificar a morte brutal de Danilo Lipaus.
A fase de apuração preliminar deve servir a elucidação imparcial dos fatos e não a construção de narrativas que busca, desde já, conferir legalidade a uma conduta visivelmente desproporcional e letal.
A alegação de excludente de ilicitude não pode servir de escudo para a violência policial, sobretudo quando há evidência em abundância de excesso e abuso de poder.
A família confia no devido processo legal que não só revelará a verdade, como também culminará na prisão e a expulsão dos acusados dos quadros da Polícia Militar do Espírito Santo.
Naianne Lara Gonçalves Lima
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