Publicado em 8 de junho de 2020 às 11:19
Imagine chegar para trabalhar todos os dias e ter a sua temperatura medida, conversar com médicos sobre seu estado de saúde e, se houver sintoma de coronavírus, já ter material coletado para fazer o teste. Ou pense no seu ambiente de trabalho sem o tradicional ar condicionado mas sim com janelas e portas sempre abertas. >
Começar o expediente limpando sua própria estação de trabalho com álcool e cumprimentar colegas de trabalho apenas com acenos, mantendo a distância. E nos intervalos, nada de se alimentar em locais comuns da empresa como refeitórios, cantinas ou mesmo dar aquela paradinha para conversar no cantinho do café. >
Essas são apenas algumas de uma lista de mudanças profundas que empresas começam a aplicar, aos poucos, para retomar o trabalho presencial, ainda que parcialmente, de forma a garantir a segurança mínima. Esse deve ser o "novo normal" na rotina dos ambientes corporativos que, na visão de especialistas, já chegou e veio para ficar por um bom tempo.>
São mesmo mudanças profundas e para uma retomada gradual, conforme for possível, como recomendam pesquisadores e instituições como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC). >
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Elas vão além do uso de máscara, da higienização constante ou mesmo da adoção de escalas de trabalho em turnos. O CDC, por exemplo, aponta a necessidade de adaptações de engenharia, de forma a criar espaços mais isolados, como barreiras físicas e escudos entre mesas, mudar o sistema de climatização, e interditar pontos de aglomeração. >
Já a OIT, que criou uma lista com 10 medidas práticas para orientar empregadores, trabalhadores e seus representantes, fala na necessidade de criação de comitês de acompanhamento de saúde dos funcionários pelas empresas, incluindo médicos infectologistas, para auxiliar na elaboração das medidas de prevenção necessárias.>
"É preciso cuidar do seu funcionário. É o momento da medicina do trabalho e das empresas buscarem de fato infectologistas para dar suporte justamente para que as decisões tomadas sejam as mais seguras", avalia a médica infectologista Rúbia Miossi.>
Essas orientações quanto a medidas em cada empresa, sobretudo nos negócios de menor porte, podem ser feitas, inclusive, com auxílio de entidades de representação de cada setor da economia, como recomenda o Ministério Público do Trabalho no Espírito Santo (MPT-ES).>
No Estado, o Serviço Social da Indústria (Sesi), entidade do Sistema Findes, tem criado protocolos setoriais, a partir de orientações do Ministério da Economia, para 13 segmentos industriais de grande representatividade no Espírito Santo. Além de já ter atendido cerca de 50 empresas do setor.>
"O Sesi converteu 41 itens recomendados pelo governo em protocolos setoriais de acordo com a realidade de cada segmento. Mas não adianta ter um bom documento, o que precisa é de trabalhar na mudança de hábitos. Por isso, criamos esse serviço de implantação desse protocolo nas empresas, indo até elas, observando as condições, fazendo um checklist de medidas e monitorando isso", explica o superintendente do Sesi-ES, Mateus Simões de Freitas.>
Rúbia Miossi cita uma boa medida que já vem sendo adotada: "Algumas empresas tomaram a decisão de medir a temperatura na entrada e na saída. É uma ideia bacana partindo do pressuposto que as pessoas não costumam medir a temperatura. Se você já pega esse funcionário com temperatura acima de 37,8°, que é o que a gente fala que já é febre, já coloca esse funcionário afastado por causa desse sintoma".>
Mateus Simões Freitas, do Sesi, destaca que há também deveres do trabalhador nesse processo. "São medidas que vieram para ficar e que é preciso criar essa cultura. O trabalhador precisa entender que isso é para garantir a saúde dele e das pessoas envolvidas e ter uma rotina segura".>
Já o médico Ricardo Ramos, presidente da Aliança para a Saúde Populacional (Asap), reforça: Cuidar da pessoa no ambiente de trabalho agora já não é mais só responsabilidade da empresa. Recomendações sanitárias pessoais básicas são obrigatórias independente do local que você estiver. Ele ainda fala sobre uma forte responsabilidade social nisso tudo.>
Ricardo Ramos
Presidente da Aliança para a Saúde Populacional (Asap)Para a infectologista Rúbia Miossi, essas questões que devem ser levadas a sério inclusive pelo bem da saúde financeira das companhias. "Todas as empresas que forem retomar o trabalho de agora para a frente devem ficar atentas aos funcionários, sobretudo os sintomáticos. Se apresentou sintomas respiratórios, afaste o funcionário. É melhor manter ele de atestado por 15 dias em casa do que ele ficar trabalhando e transmitir para os colegas e ter que fechar a empresa porque está todo mundo doente".>
Para o médico Ricardo Ramos, da Asap, essa retomada, inclusive de pessoas em home office que não pertencem a grupos de risco, deve ser feita com calma e cercada de cuidados que variam de acordo com cada tipo de atividade.>
"Nossa recomendação é de uma volta gradual, com controle de entrada, com metade dos funcionários presenciais de manhã e a outra metade à tarde sem se encontrarem, continuando essa jornada de casa no outro turno, e atuando presencialmente com um espaçamento maior entre postos de trabalho e com limpeza reforçada dos ambientes nessa troca de turno", diz.>
O procurador-chefe do MPT-ES, Valério Soares Heringer, lembra que o retorno geral ao trabalho presencial deve ser implementado apenas quando os indicadores registrarem queda consistente nas taxas de contaminação e sob criteriosa orientação das autoridades sanitárias competentes.>
A retomada integral da atividade econômica pressupõe que os trabalhadores se sintam seguros e não estejam expostos a riscos desnecessários de contaminação pelo Covid-19. Por isso, é necessário que os riscos sejam antecipados e eliminados, ou pelo menos reduzidos consideravelmente.>
Ele exemplifica: Devem ser estabelecidas medidas específicas de prevenção relacionadas com o transporte de pessoal, utilização de refeitórios, distanciamento mínimo em áreas comerciais, industriais ou administrativas, escalonamento de jornadas de trabalho, possibilidade de utilização de trabalho remoto e teletrabalho, manutenção dos trabalhadores vulneráveis afastados da operação presencial até que entre em declínio a curva de contaminação do novo coronavírus.>
Já Ricardo Ramos faz um alerta para a necessidade de uma retomada em ondas, a partir de avaliações feitas semanalmente. "A gente não tem certeza do comportamento do vírus ainda. Então a redução do isolamento precisa ser feita com bastante critério para evitar um efeito sanfona em que se volta tudo, os índices aumentam, e depois para tudo de novo".>
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