Repórter / anunes@redegazeta.com.br
Publicado em 13 de maio de 2025 às 18:12
O tempo de brincar e estudar para muitos meninos e meninas tem sido encoberto pelo medo. No Espírito Santo, todos os dias pelo menos uma criança é vítima de agressão. Uma violência que, em situações mais extremas, também mata.
Um levantamento da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) revela que, no primeiro trimestre de 2025, 117 episódios de lesão corporal foram registrados contra menores de 12 anos. Ao longo de todo o ano passado, foram 368. Nos dois períodos, a média é de um caso por dia. Em 2024, o órgão confirmou que uma morte de criança foi decorrente de agressão.
O psicólogo Felipe Rafael Kosloski, que atua na área assistencial com o atendimento de crianças e adolescentes, afirma que a legislação brasileira de proteção aos menores é uma das melhores do mundo, mas observa que, no país, há necessidade de mudança cultural, particularmente a respeito do castigo físico. "Muitas pessoas entendem que pode bater em criança. Bater só demonstra a força de um adulto sobre alguém mais fraco. Não é uma maneira efetiva de educar", sustenta.
Titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), Thaís Silva da Cruz reforça que há uma ideia equivocada entre pais e tutores de que bater é uma forma de correção porque, em sua infância, foram agredidos e não deu em nada. "Hoje, a realidade é outra. A sociedade evoluiu bastante. E é importante denunciar para tirar a vítima do ciclo de violência."
Nesse contexto, o ambiente domiciliar acaba sendo o lugar onde mais frequentemente são registrados os casos de violência. "Pode-se dizer que quase a totalidade ocorre nesse espaço. Em geral, a violência é praticada por alguém que tem vínculo com a criança", reforça Felipe Kosloski, que também é membro do Conselho Regional de Psicologia (CRP-ES).
O problema não é novo, mas não deixa de surpreender, seja pela idade da vítima, seja pelas circunstâncias em que o crime é praticado. No último fim de semana, caso ainda fora do balanço da Sesp, mais uma criança morreu com sinais de agressão. A mãe e o padrasto da menina, de apenas um ano e seis meses, foram presos.
Com pouco mais de um ano à frente da DPCA, Thaís Cruz diz que ainda se choca com a violência praticada e com a gravidade dos casos, atualmente com uma frequência significativa de bebês como vítimas. "Crianças de menos de um ano, com meses, que acabam morrendo em razão das agressões", pontua a delegada.
O levantamento da secretaria mostra também os homicídios praticados contra menores. No ano passado, 12 crianças e 57 adolescentes foram assassinados, como no episódio em que um bebê foi jogado em uma lixeira ou o garoto que foi baleado após sair da escola. Até abril deste ano, já foram outros 13.
Ao analisar os dados abertos da Sesp, que reúnem outros indicadores já consolidados, é possível observar uma redução na violência contra crianças e adolescentes de 2023 para 2024. Ainda assim, no ano passado foram mais de sete casos todos os dias no Espírito Santo.
Nesse levantamento, não constam as ocorrências de homicídios, mas, por outro lado, há dados sobre estupro, ameaça e maus-tratos.
A violência sexual, por exemplo, afeta meninos e meninas, mas são elas as principais vítimas. Dos 1.908 casos de estupro de vulnerável em 2023 e 2024, em mais de 84% o abuso foi praticado contra garotas. Já as ameaças representaram 1.664 nos dois últimos anos, considerando subcategorias associadas, como perseguição e violência psicológica.
Felipe Kosloski ressalta que é preciso discutir estratégias de prevenção de toda a forma de violência. "Antes da morte, essa criança ou adolescente já sofreu ameaças, violência psicológica, física. E isso ocorre por questões multicausais, nunca é uma coisa só."
Para o psicólogo, os profissionais de escolas e unidades de saúde precisam estar capacitados para conseguir identificar os primeiros sinais de violência e, desse modo, contribuir para que meninos e meninas saiam desse ciclo que pode se fechar na morte. Thaís Cruz acrescenta que, nos casos em que a criança procura alguém para relatar a violência, é fundamental que o adulto acredite nela e busque ajuda no conselho tutelar, que ficará responsável para dar o encaminhamento ao caso. "Confiar na palavra da criança é o caminho para ajudá-la", conclui.
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