Repórter / [email protected]
Publicado em 15 de outubro de 2021 às 12:57
Enquanto a vacinação contra a Covid-19 domina os recursos dos governos e a atenção da população, outro problema tem aumentado: a cobertura das outras vacinas, aquelas do calendário oficial, está em queda e pode fazer ressurgir doenças que são consideradas controladas ou até erradicadas. >
A quantidade de pessoas vacinadas contra a Hepatite B (aplicada em crianças), por exemplo, caiu 26% desde 2015 no Espírito Santo. A redução foi de 16% somente entre 2019 e 2020, segundo dados do DataSUS coletados por A Gazeta.>
Já a cobertura da vacina BCG, que deixa a marquinha característica nos braços dos brasileiros, passou de praticamente 100% para 78,42% nos últimos cinco anos no Estado. É o pior índice desde 1994, quando o dado passou a ser acompanhado.
>
Segundo especialistas, a tendência é nacional e é influenciada por muitos fatores. Entre eles, está uma hesitação em se vacinar por conta do impacto das fake news relacionadas a imunizantes e até o próprio sucesso dessas vacinas que reduziram tanto a incidência de doenças graves a ponto de a população deixar de se preocupar com elas. >
>
“A gente costuma dizer que as vacinas são vítimas do seu sucesso. Por causa delas, algumas doenças saíram do foco, porque não se vê mais tétano, pólio e coqueluche com tanta frequência", explica o infectologista Lauro Ferreira Pinto. >
Ele diz ainda que os postos de vacinação, públicos e privados, muitas vezes funcionam em horário comercial, e a população está cada vez mais ocupada e acaba postergando a aplicação dos imunizantes nos seus filhos e até em si mesma.>
Outra questão é a redução na comunicação governamental relacionada às vacinas, como aponta a coordenadora do Programa Estadual de Imunizações da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), Danielle Grillo Pachego Lyra. >
“Sem dúvida a comunicação interfere muito na questão da adesão da população. A gente percebe certa fragilidade na comunicação do Programa Nacional de Imunização com a sociedade hoje. Foram reduzidas as campanhas publicitárias. Não é mais aquela grande festa como era no passado”, pondera. >
As consequências da queda na cobertura vacinal brasileira já são notadas. O sarampo encontrou brecha na falta de vacinação da população e retornou em 2018 após ter sido erradicado no país. Segundo Danielle Grillo, desde então o Espírito Santo registra alguns casos. >
“A gente recebeu o certificado de eliminação do sarampo em 2016. Em 2018, ele foi reintroduzido e continuamos ainda com casos. Os Estados estão correndo atrás para eliminar novamente. O sarampo foi o primeiro (que voltou) porque é uma doença com alta transmissividade. Mas se a gente mantiver a queda na cobertura, pode ter retorno de outras doenças como difteria e coqueluche”, avalia. >
O sarampo é prevenido com a vacina tríplice viral, que precisa ser tomada em duas doses. Ela também protege contra caxumba e rubéola, doenças altamente contagiosas e que surgem preferencialmente em crianças.>
A cobertura com a primeira dose teve queda de 13% entre 2015 e 2020 no Espírito Santo. Já a segunda dose reduziu 20,3% no período. >
Outra doença perigosa que segue matando, apesar de ter uma vacina com quase 100% de eficácia, é o tétano. O problema, nesse caso, é que é necessário fazer um reforço do imunizante a cada 10 anos. E há uma falta de preocupação da população com a atualização do cartão de vacina, principalmente quando adultos.>
“Com o tempo, diminuem os anticorpos e a pessoa não fica mais protegida. Mas as pessoas não ficam a cada 10 anos se preocupando com isso. Apesar de o tétano estar controlado, todos os anos no Espírito Santo e em outros Estados temos mortes de pessoas por tétano. Doença que é totalmente evitável graças à vacinação”, ressalta Danielle Grillo, apontando que seis em cada 10 pessoas que pegam a doença acabam morrendo. >
Por cerca de dois anos, praticamente todos os recursos humanos, materiais e financeiros de governos foram voltados para a contenção do coronavírus ou os mais diversos impactos provocados pela Covid-19. Com isso, a atenção às demais vacinas acabou prejudicada.>
Como boa parte da população passou meses isolada, várias doenças infecciosas tiveram um momento de baixa. Contudo, o infectologista Lauro Ferreira lembra que, à medida que as pessoas voltam à vida normal e retomam as interações, elas também voltam a ficar expostas a estes vírus e bactérias. >
“Sem dúvida, o distanciamento de uma forma ou de outra fez com que algumas doenças reduzissem. Mas elas vão voltar. E com o retorno das interações tem o risco de várias doenças aparecerem. Outras doenças vão surgir e vão criar problemas”, explica, ressaltando a necessidade em estar com o cartão de vacinação em dia.>
Os conteúdos de desinformação relacionados à saúde existiam antes da pandemia, mas foram potencializados pela crise causada pela Covid-19. Segundo a epidemiologista Ethel Maciel, as fake news sobre a vacina contra o coronavírus podem ter “respingado” sobre outros imunizantes.>
“Houve muita fake news em relação à Covid, mas acaba também tendo reflexos na vacinação de outras doenças. É preciso um esforço de campanha de vacinação, numa tentativa de informar as famílias para colocar o calendário vacinal em dia com todas as vacinas. Mas a gente está vendo pouca propaganda. A comunicação do governo é muito ruim em torno das vacinas”, aponta.>
O calendário oficial de vacinação no Brasil conta hoje com 25 vacinas e é considerado um dos mais completos do mundo. Embora a maior parte delas seja aplicada em crianças, há vacinas previstas para todas as faixas etárias. >
Um exemplo são as vacinas contra HPV e contra alguns tipos de meningite que são exclusivas dos adolescentes. Esta última foi incluída no calendário oficial de vacinação em março de 2020. Elas também têm hoje baixa cobertura. >
Para tentar avançar na imunização, até o fim de outubro acontece a campanha nacional de multivacinação para crianças e adolescentes. No Espírito Santo, o Dia D acontece neste sábado (16). >
Os serviços de vacinação estarão de portas abertas para vacinar menores de 15 anos com todas as vacinas do calendário oficial, inclusive a da Covid e a da Influenza, que ainda não estão oficialmente no calendário para esta faixa etária. >
A campanha segue até o fim do mês. A coordenadora do Programa Estadual de Imunização lembra que há vacina para todos à disposição nos postos de saúde.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta