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Entenda as diferenças entre as mutações do coronavírus encontradas no ES

Entenda as diferenças entre as mutações do coronavírus encontradas no ES

Mudanças na estrutura viral são comuns, mas variantes encontradas no Estado são mais transmissíveis e possuem maior potencial de infecção

Publicado em 21 de fevereiro de 2021 às 20:30- Atualizado há 3 anos

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Hospital Jayme Santos Neves, na Serra, recebe trinta e seis pacientes com Covid-19 vindos de Manaus
Segundo a Sesa, cinco mutações do vírus foram identificadas no Estado desde o início da pandemia. (Fernando Madeira)

Desde o primeiro caso identificado no mundo, o novo coronavírus já teve mais de 4 mil mudanças. Essas mutações são esperadas e consideradas um comportamento normal da doença pela comunidade científica, já que, na maioria dos casos, não apresentam alterações virais que possibilitem uma vantagem ao sistema imunológico do ser humano.

Em algumas dessas mutações, porém, o vírus pode desenvolver uma característica que permita que a doença "despiste" o organismo e diminua a defesa imunológica. Nesses casos, a nova mutação é considerada uma variante da Covid-19.

Até o momento, três principais variantes foram identificadas ao redor do mundo: a N501Y, no Reino Unido, que tem maior potencial de transmissão; a E484K, da África do Sul, que desenvolveu a capacidade de enganar o sistema de defesa imunológica do corpo humano e, por isso, é mais infecciosa; e a brasileira P1, de Manaus, que possui as duas propriedades, tornando o vírus muito mais perigoso.

No último sábado (13), a Secretaria do Estado de Saúde (Sesa) divulgou que cinco mutações do vírus foram identificadas no Espírito Santo. Dentre elas, está a P1, que foi detectada nos pacientes transferidos de Manaus para tratar a Covid-19 no Hospital Dr. Jayme Santos Neves, na Serra, em decorrência do colapso do sistema de saúde do estado do Amazonas.

As outras são a B.40, identificada entre os primeiros casos do estado e configura uma amostra de caso importado, em período que não havia transmissão comunitária; a B.1.1.33, encontrada ao longo do ano de 2020, em pacientes de transmissão comunitária; e a B.1.1.28, constatada em janeiro de 2021 e que se trata de uma linhagem não documentada anteriormente, em paciente de transmissão comunitária, mas que não está relacionada com pacientes vindos de Manaus.

Mas a presença dessas mutações do coronavírus no Espírito Santo deve ser motivo de preocupação? O que pode ser feito para combater o avanço da doença e tentar impedir a infecção da população pelas variantes?

 A reportagem de A Gazeta ouviu especialistas em infectologia para entender o que significa cada mutação da Covid-19 encontrada no Estado.

DIFERENÇA ENTRE LINHAGEM E VARIANTE

Primeiro, é necessário explicar a diferença entre linhagem e variante do coronavírus. Segundo o infectologista e professor do curso de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Crispim Cerutti, as linhagens se caraterizam por pequenas mudanças na estrutura viral, mas que não configuram um padrão. Segundo o professor, a partir do momento que a mesma mudança é observada várias vezes no vírus, é considerada uma nova variante.

"Linhagem a gente aplica mais a um conjunto de micro-organismos que têm características diferentes. Variantes é um termo mais genérico, que representa uma mudança estrutural no vírus. As linhagens seriam as mesmas cepas com pequenas diferenças. Eles estão observando principalmente a proteína spike, que é a que faz a ligação do vírus com a célula, e quando há um determinado acúmulo de mudanças nessas linhagens, é considerada uma nova cepa ou variante", explicou.

Cerutti completou afirmando que essa mudança observada na proteína do vírus é um processo de seleção natural, ou seja, uma adaptação do vírus para se tornar mais transmissível. O infectologista destacou ainda que a maior facilidade de transmissão do vírus não é uma surpresa para a comunidade científica.

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Quando você tem alteração, principalmente na proteína de ligação, isso mostra um processo de seleção natural. A expectativa é que os vírus estejam mais adaptados aos hospedeiros, então podem ser transmitidos mais facilmente. Já é esperado que haja uma facilidade maior na transmissão conforme o vírus se modifica

Crispim Cerutti
Infectologista 
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"A P1 TEM AS DUAS MUTAÇÕES"

O principal desafio que é criado com o surgimento das variantes do coronavírus, segundo a pós-doutora em infectologia Ethel Maciel, é o desenvolvimento de vantagens da doença sob o sistema imunológico humano. Ethel detalhou que as mutações na estrutura viral acontecem dentro do organismo humano ao passo que o vírus se multiplica e que, nesse processo, o vírus pode apresentar uma maior capacidade de infecção.

"O vírus sobrevive fazendo cópias dele mesmo, se multiplicando no nosso organismo. Toda vez que ele vai fazendo cópias, tem uma chance de mudar aleatoriamente. Essas mudanças são comuns nesses tipos de vírus, como o coronavírus, o H1N1, o vírus da gripe, que são os vírus chamados RNA (ácido ribonucleico). A preocupação, quando tem as mutações, é que elas possam dar alguma vantagem ao vírus, podem tornar o vírus mais transmissível, podem deixá-lo com uma capacidade de evoluir para a doença mais grave… É isso que a gente não quer que aconteça. Toda vez que deixamos o vírus circular livremente, estamos dando a chance de ele ter essas mutações", disse a infectologista.

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Quando a mutação começa a aparecer muitas vezes, quer dizer, muitas pessoas contaminadas com o vírus com aquela mutação, a gente chama de variante. A variante é como se o vírus tivesse mudado durante a replicação e essa mudança começa a aparecer muitas vezes e se diferencia do vírus original

Ethel Maciel
Pós-doutora em infectologia
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Antes do surgimento das novas cepas, Ethel contou que não havia muita preocupação com as mutações do coronavírus, justamente por não apresentarem vantagens em relação ao sistema de defesa do corpo humano. 

Isso começou a mudar com a identificação da variante do Reino Unido que, conforme dito pela infectologista, aumentou o potencial de transmissão da doença. O cenário ficou pior com a variante da África do Sul, que, segundo Ethel, deu ao vírus a capacidade de "driblar" a defesa do organismo humano.

"Recentemente, a gente começou a se preocupar bastante com duas mutações específicas: uma delas foi a que surgiu no Reino Unido, que é a N501Y, que fez com que ficasse mais transmissível e começa a ser dominante. Depois, vimos a outra mutação, que aconteceu na África do Sul, que é a E484K, que deu uma vantagem grande ao vírus, porque ele conseguiu despistar nosso sistema imunológico. Então, pessoas que teriam uma proteção anterior por já ter contraído o vírus, começaram a ter a doença novamente. É como se nosso organismo não conseguisse reconhecer o Sars-CoV-2 por conta dessa mutação", narrou.

A maior preocupação no momento, porém, é com a variante que se desenvolveu em Manaus e que foi identificada entre os pacientes transferidos do estado do Norte para o Hospital Dr. Jayme Santos Neves, mas que ainda não teve registros de infecção entre moradores do Espírito Santo, segundo a Sesa. Ethel afirmou que a P1 possui as duas propriedades detectadas nas variantes anteriores, o que a torna mais perigosa que as demais.

"A variante de Manaus, a P1, tem essas duas mutações. Tem a mutação que tornou a doença mais transmissível e também tem a mutação que permitiu que a doença despistasse nosso sistema imunológico. A P1 tem duas mutações que deram mais vantagem ao vírus. O fato de ela ser mais transmissível, provoca mais doenças ao mesmo tempo e, com isso, acaba tendo pessoas mais graves ao mesmo tempo. Não que ela tenha se tornado mais grave, mas o fato de ela adoecer mais pessoas ao mesmo tempo faz com que o sistema de saúde colapse mais rápido", disse.

P2 PREOCUPA MENOS

A Sesa destacou a P2 como uma das mutações identificadas no Espírito Santo. De acordo com a pasta, a variante foi encontrada em um paciente transferido de Manaus e em um funcionário do Hospital Dr. Jayme Santos Neves, que estava assintomático. A secretaria ainda afirmou que ainda não foi comprovada a relação entre o caso do paciente manauara e do profissional do hospital, já que, ainda segundo a pasta, o resultado positivo foi constatado em um período inferior a 48 horas do contato.

Para Ethel, a variante P2 é apenas mais transmissível e, por isso, não é tão agressiva quanto a P1. Ela reiterou, porém, que isso não significa que não haja preocupação com a presença da nova cepa no Estado, apesar de esta não ser tão danosa ao ser humano.

OUTRAS LINHAGENS NO ES

Ethel pontuou também que as outras mutações divulgadas pela Sesa que circularam entre os capixabas, B.40, B.1.1.33 - estas identificadas ainda em 2020 - e a B.1.1.28 - identificada em janeiro de 2021, mas sem relação com os pacientes vindos de Manaus -, não apresentaram mudanças significativas na estrutura viral que possam acarretar em vantagens da doença sobre o ser humano e, por isso, não são preocupantes.

"Nenhuma mutação anterior identificada aqui no Estado deu vantagem ao vírus. Elas fizeram mutações, mas nada que nos preocupe", resumiu.

COMO SE PROTEGER DAS VARIANTES?

Ethel Maciel defendeu que, independente da presença de variantes, o ideal é que a vacinação não seja interrompida, pois é necessária para conter a circulação do vírus. Enquanto ainda não há grande disponibilidade dos imunizantes, a infectologista destacou que a orientação para se proteger das novas cepas do coronavírus é a utilização de duas máscaras de proteção. 

Segundo Ethel, um estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês), indica que as máscaras de pano não são tão eficazes contra as variantes da Covid-19 e, por isso, a recomendação é que, principalmente em locais fechados e com pouca circulação de ar, sejam utilizadas duas máscaras. A infectologista apontou que na Europa e nos EUA essa prática já foi adotada.

"Na Europa, você já não pode entrar no supermercado ou no transporte coletivo sem estar usando uma máscara N95 ou PFF2, que são essas máscaras filtrantes. Se você vai estar em um lugar público, fechado, é obrigatório a utilização dessas máscaras. As máscaras de pano são menos eficazes contra as variantes do vírus. O estudo do CDC indicou que, quando você usa duas máscaras, você aumenta a filtragem em torno de 90%. então você se protege muito mais. A orientação agora é a utilização de duas máscaras", explicou.

Ethel ainda reiterou que a utilização de duas máscaras não é prejudicial à respiração e que análises realizadas inclusive com pessoas que realizam atividades físicas rotineiramente detalharam que é uma prática segura. Ela recomendou, porém, que seja feita a troca das máscaras de três em três horas, visto que as proteções ficam úmidas com o passar do tempo, por conta das gotículas de saliva presentes na fala e na respiração.

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