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Publicado em 14 de fevereiro de 2021 às 19:34
- Atualizado há 4 anos
Desde o surgimento da pandemia da Covid-19, há quase um ano, o mundo esperou ansioso pelo surgimento de uma vacina que pudesse ser usada como arma contra a doença. Agora, com a imunização já em curso, a preocupação da comunidade científica é com a mutação do coronavírus e suas possíveis implicações nas campanhas de vacinação. >
Variantes do vírus já foram identificadas no Reino Unido, na África do Sul e também no Brasil. Essa mutação, inclusive, foi a responsável pelo aumento de casos e pela crise assistencial do sistema de saúde do Amazonas. >
A pós-doutora em Epidemiologia Ethel Maciel explica que as mutações são características comuns dos coronavírus, por isso é importante vacinar a população o quanto antes, para reduzir a circulação do Sars-CoV-2 e, consequentemente, barrar mudanças na sua estrutura. >
"O Sars-CoV-2 é um novo coronavírus e, quando começou a circular, a gente não conhecia a velocidade de mutação. Agora sabemos que já fez mais de 4 mil mutações, mas, até então, essas mutações não tinham sido importantes para dar a ele uma vantagem significativa. Temos que pensar como se estivéssemos em uma corrida, a gente em uma pista e o vírus na outra. Temos que vacinar rápido e diminuir a circulação do vírus, controlar a transmissão, para que a gente consiga ganhar essa corrida. Por enquanto, ele está na nossa frente", disse. >
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Ethel detalhou que a mais importante mudança na estrutura viral aconteceu na proteína espícula, os componentes semelhantes a espinhos, que dão a forma de coroa ao coronavírus. De acordo com a epidemiologista, isso afeta o desempenho de vacinas que se baseiam na mutação do RNA viral, podendo diminuir a eficácia do imunizante. É como se a mutação fizesse o vírus se disfarçar e, de certa forma, enganar o sistema imunológico, o que permite a infecção. >
"Essa mutação específica, que aconteceu na variante da África do Sul e do Brasil, atua despistando nosso sistema imunológico. É como se fosse um outro vírus, nosso organismo não percebe que é o mesmo vírus. A gente chama de escape, porque ele escapa do nosso sistema imunológico. Essa é a preocupação em relação às vacinas, principalmente as que usaram essa parte do vírus", explicou. >
Ainda assim, Ethel destacou que as vacinas que se baseiam no RNA, como os imunizantes da Pfizer e da Moderna, permitem uma modificação mais rápida em sua estrutura, o que mantém as esperanças de sucesso na imunização. >
Ethel Maciel
Pós-doutora em EpidemiologiaA epidemiologista ressaltou que os estudos em relação à eficácia de vacinas contra as variações do coronavírus são preliminares e, por isso, ainda não é possível tirar conclusões exatas sobre o desempenho dos imunizantes e nem quais seriam os mais recomendados. Ela aponta, porém, que as vacinas que trabalham com o vírus inativado, ou seja, que introduzem o vírus inteiro dentro do sistema imunológico para induzir a produção de anticorpos, podem ser mais vantajosas.>
Segundo a pesquisadora, a comunidade científica analisa, inclusive, se haverá necessidade da aplicação de uma terceira dose de vacina para garantir a proteção contra as novas cepas. "A vacina de vírus inativado, por usar o vírus inteiro e não só uma parte, parece ser mais estável, é o caso da Coronavac. Mas ainda é tudo incerto, estamos aprendendo enquanto o processo vai acontecendo. Alguns pesquisadores da Europa já estão falando que, talvez, a gente precise de uma terceira dose da vacina renovada para essas variantes", comentou. >
Ethel ressalta que o avanço da Covid-19 no mundo preocupa. O aumento no número de casos, de hospitalizações e de mortes são indicativos de que o vírus circula de forma acelerada entre a população. E essa circulação desenfreada é uma consequência das mutações.>
"Estamos vendo o aumento de infecção, de hospitalizações e de óbitos, isso é um sinal de alerta, de que a transmissão do vírus está muito acelerada. Toda vez que o vírus está circulando muito, estamos dando a ele a chance de fazer mutações, porque ele vai se multiplicando no nosso organismo, nós transmitimos para outra pessoa, ele mais uma vez se multiplica. Nessas multiplicações é que podem ocorrem mudanças que dão vantagem ao vírus", afirmou Ethel.>
Outra consequência do surgimento de novas variantes que enganam o sistema imunológico é o aumento no número de reinfecções, ou seja, há uma redução da memória imunológica das pessoas infectadas.>
Além de amplia ampliam a transmissão do vírus, as mutações também provocam casos mais graves da doença. Segundo Ethel, já houve um perceptível aumento na taxa de mortalidade da Covid-19 e foi constatada uma evolução mais séria da doença entre pessoas jovens, algo que não era comum nos primeiros meses de pandemia. >
"À medida que a doença se espalha mais, cresce também a chance de atingir alguém que tenha comorbidade ou outro fator de risco. O que estamos aprendendo com a variante e com os estudos do Reino Unido é que, antes dessa mutação, a cada 1.000 infectados, 10 pessoas morriam. Agora, a cada 1.000 contaminados, 13 pessoas morrem. Então tem uma mudança no patamar de gravidade da doença", aponta Ethel. >
"Outra aspecto observado, inclusive em Manaus, é o aumento de internação de jovens, que estão adquirindo a forma mais grave da doença. Esses sinais de alerta já seriam suficientes para estarmos muito preocupados aqui no Brasil", acrescenta a epidemiologista. >
Por fim, Ethel disse acreditar que a população terá que se acostumar a conviver com o vírus ainda por muito tempo. "Acho que esse vírus veio pra ficar, semelhante ao da gripe, o H1N1. Provavelmente, teremos que nos vacinar de tempos em tempos", avalia. >
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