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Desmatamento em Santa Teresa pode afetar abastecimento de água em 11 cidades

Desmatamento em Santa Teresa pode afetar abastecimento de água em 11 cidades

Em dois anos, prefeitura já recebeu mais de 100 denúncias de construções e exploração de áreas na zona rural de forma clandestina e irregular, que afetam nascentes, córregos e rios

Publicado em 14 de dezembro de 2020 às 06:01

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Áreas desmatadas em Santa Teresa por construções clandestinas e irregulares. O problema acontece em mais de 100 propriedades, em diversas comunidades da zona rural de Santa teresa. Na foto: Imagem do Parque Natural Municipal Waldyr Loureiro – ano de 2014.  Imagem de intervenção na área do Parque no ano de 2019.
Em Santa Teresa, imagem do Parque Natural Municipal Waldyr Loureiro, em 2014, e, ao lado direito, a região marcada em vermelho, no ano de 2019 . (Relatórios da Prefeitura de Santa Teresa)

Grandes manchas de desmatamento em comunidades na zona rural de Santa Teresa estão ameaçando os recursos hídricos não só do município, mas ainda de pelo menos 11 cidades vizinhas. Entre os anos de 2019 e 2020, mais de 100 denúncias foram feitas e pelo menos 21 estão sendo investigadas pela prefeitura local. São situações de loteamentos clandestinos e irregulares, que contrariam  legislações municipais a federais.

O secretário de Agricultura local, que responde ainda pela pasta de Meio Ambiente, Jorge Natali, destaca que em Santa Teresa nascem duas bacias hidrográficas, a dos Reis Magos e a do Piraqueaçu, que abastecem parte da população da Serra, além dos moradores de FundãoJoão NeivaIbiraçu, Santa Leopoldina, Santa Teresa e Aracruz.

Além da sub-bacia do Rio Santa Maria do Doce, que garante os recursos hídricos também de comunidades de Santa Teresa, além de São Roque do CanaãItaguaçu, Itarana e Linhares, desaguando no Rio Doce, em Colatina.

A cidade faz parte do corredor Central da Mata Atlântica, com 25 mil hectares de mata nativa, o equivalente a 25 mil campos de futebol. E é esta área verde que vem sofrendo com o desmatamento, afetando, por consequência, nascentes, córregos e rios. “As matas são como esponjas, absorvendo a água e alimentando os lençóis freáticos. Sem elas, os problemas de falta de água vão se acentuar”, pondera Natali.

Áreas desmatadas em Santa Teresa por construções clandestinas e irregulares. O problema acontece em mais de 100 propriedades, em diversas comunidades da zona rural de Santa Teresa
Áreas desmatadas em Santa Teresa e preparadas para receberem construções. (Relatórios da Prefeitura de Santa Teresa)

Outra dificuldade é que, além do desmatamento, as áreas sofrem obras de terraplanagem para garantir espaço para as construções clandestinas e as irregulares. “O problema é que o volume de terra deslocada, sem um processo bem conduzido, vai sendo carreado para as nascentes, córregos e rios, causando assoreamento. Lembrando que Santa Teresa já enfrentou muitas dificuldades nas fases de seca”, lembra o secretário.

E pode gerar problemas também no momento oposto, quando ocorrem as enchentes. “Com o desmatamento e com rios e córregos assoreados, dependendo do volume de chuvas nestas regiões, o estrago pode ser grande. As águas vão passar pelo Centro de Santa Teresa, o que é preocupante”, assinala.

DIFICULDADES COM A FISCALIZAÇÃO

Relatórios municipais sobre o problema, aos quais a reportagem teve acesso, revelam que mais de 100 denúncias já chegaram à gestão municipal sobre a exploração imobiliária na área rural do município, feita de forma irregular ou clandestina. Pelo menos 21 delas já estavam sendo investigadas até o último mês de outubro.

Uma das situações citadas no documento municipal ocorre no Parque Natural Municipal Waldyr Loureiro. No ano de 2014 é possível verificar, na marcação em vermelho,  a cobertura florestal. Cinco anos depois, em 2019,  na foto ao lado, já é possível observar as intervenções e o desmatamento. 

O prefeito da cidade, Gilson Amaro, relata que há pelo menos quatro anos vem lutando contra o avanço deste tipo de especulação imobiliária. “Destroem matas, fazem terraplanagem de áreas e constroem sem autorização da prefeitura. Já denunciamos a situação para todos os órgãos ambientais, sejam estaduais ou federais. A fiscalização municipal tem atuado, mas não tem pernas para conter o avanço dessa especulação”, relata.

Natali diz que, além da fiscalização feita pela Secretaria de Meio Ambiente, os problemas já foram denunciados ao Ministério Público Estadual (MPES), já ocorreram embargos de construções em algumas áreas e que há até ações tramitando na Justiça estadual.

“É preciso destacar que não somos contra o desenvolvimento do município, mas isso precisa ser feito respeitando a legislação, com loteamentos regulares, para não sofrermos amanhã as consequências. Temos que pensar no futuro da cidade, no legado que vamos deixar para as próximas gerações”, destaca.

Áreas desmatadas em Santa Teresa por construções clandestinas e irregulares. O problema acontece em mais de 100 propriedades, em diversas comunidades da zona rural de Santa Teresa
Áreas desmatadas em Santa Teresa e sendo demarcada para construções, conforme relatório da prefeitura municipal. (Relatórios da Prefeitura de Santa Teresa)

Pelo menos 13 regiões na zona rural de Santa Teresa se destacam entre as que mais estão sendo afetadas pelo desmatamento causado pela especulação imobiliária, que ocorre em todo o município, segundo relatório encaminhado ao MPES.

REGIÕES AFETADAS PELO DESMATAMENTO:

  • Caravaggio
  • Santa Lúcia
  • Lombardia
  • Valsugana Velha
  • Valão de São Lourenço
  • Sagradinho
  • Tabocas
  • Alto Caldeirão
  • Aparecidinha
  • Alto de Santo Antonio
  • Vale das Bençãos
  • Recanto do Vale
  • Recreio

O relatório da prefeitura, aponta que são comunidades na zona rural onde grandes áreas, “que antes eram destinadas a atividades exclusivamente agrícolas, mas que hoje estão com grande parte da mata nativa suprimida, dando lugar a condomínios de luxo, com demarcação visível da área de cada condômino”, destaca o documento.

AS IRREGULARIDADES

Segundo informações levantadas pela reportagem e constante em documentos municipais  aos quais tivemos acesso, os proprietários das áreas que estão sendo alvo de desmatamento se aproveitam de brechas na legislação para viabilizar os documentos de compra e venda e até as obras. A maioria delas, segundo a gestão municipal, não conta com projetos aprovados pelo município.

Pela legislação de Santa Teresa, o menor tamanho para uma propriedade na zona rural é de 3 hectares, o que equivale a 30 mil m². Nas situações de especulação imobiliária, são adquiridas propriedades em tamanhos maiores e que são, posteriormente, negociadas em porções menores do que as estabelecidas em lei (3 hectares).

Na tentativa de regularizar a transação, essas frações de terra (menores do que 3 hectares) são transferidas através de escritura pública, sob a alegação de que permanecerão em um “condomínio de lotes” fechado, junto com os demais compradores.

Cada um destes proprietários passa a ter uma fração da propriedade como um todo, sem descrever na escritura qual é a delimitação exata de cada área, individualmente. É o que a cidade aponta como uma forma de “burlar a legislação”, para garantir a venda e o registro da propriedade.

Na prática, vão construindo casas em porções menores do que as estabelecidas em lei (3 hectares). Há situações em que propriedades foram vendidas, de forma parcelada, para mais de 30 pessoas, onde foram feitas construções em cada uma destas frações.

Ocorre, segundo o município, é que o projeto deste “condomínio de lotes” não passa pela análise e aprovação municipal, o que os torna, clandestinos. “Loteamento tem que ser aprovado pela prefeitura para ser totalmente legalizado”, assinala o secretário Natali.

Áreas desmatadas em Santa Teresa por construções clandestinas e irregulares. O problema acontece em mais de 100 propriedades, em diversas comunidades da zona rural de Santa Teresa
Áreas desmatadas em Santa Teresa e sendo preparadas para construções. (Relatórios da Prefeitura de Santa Teresa)

Em documento do município, encaminhado ao Ministério Público do Estado (MPES),  é destacado que a ocupação irregular vem acontecendo num ritmo muito acelerado e que, para coibir o seu avanço, é imprescindível a atuação do Ministério Público do Estado e do Poder Judiciário em parceria com o Poder Executivo. “Do contrário, os danos serão irreversíveis, como a supressão de espécies nativas, já em vias de extinção, além da escassez dos recursos hídricos”, destaca o documento.

SEM SANEAMENTO E PAGAMENTO DE IMPOSTOS

Outros problemas decorrentes destas construções irregulares é que elas não fazem parte do planejamento municipal para diversos tipos de serviços. “Há problemas com saneamento, lixo, abastecimento de água e de energia”, destaca o secretário de Agricultura e Meio Ambiente.

São ainda propriedades que não pagam IPTU local. “Em geral, a prefeitura presta o serviço e não tem o retorno do imposto, que precisa ser pago para que o serviço seja oferecido”, assinala Natali.

E como são condomínios que estão sendo construídos na zona rural, isso significa que os espaços destinados à produção agrícola estão diminuindo. “É um outro problema, afeta a produção agrícola, diminuindo áreas de produção. E há ainda uma preocupação com o lançamento de esgoto, se ocorre nos pontos em que o agricultor faz a captação das águas para a produção”, pondera o secretário, destacando que ano a ano os mapas mostram um grande avanço das áreas irregulares.

Áreas desmatadas em Santa Teresa por construções clandestinas e irregulares(Relatórios da Prefeitura de Santa Teresa)

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