> >
Êxodo urbano: famílias trocam a cidade pela fazenda no ES

Êxodo urbano: famílias trocam a cidade pela fazenda no ES

Busca por mais segurança e fuga da agitação do dia a dia dos municípios maiores estão entre os fatores que promovem a migração

Publicado em 12 de agosto de 2023 às 17:42

Ícone - Tempo de Leitura 4min de leitura
Fábio e Valquíria saíram de São Paulo para morar com as filhas em Jaguaré Foto: Arquivo Pessoal
Fábio e Valquíria saíram de São Paulo para morar com as filhas em Jaguaré Foto: Arquivo Pessoal. (Arquivo Pessoal)

Fábio Nicolau, 37 anos, e a esposa, Valquíria Pagung, de 35 anos, decidiram, em 2014, mudar de vida. O casal saiu de São Paulo, a maior capital do país, para morar no campo. Hoje, vive com as filhas, Lydia e Priscila, de 11 e 17 anos, respectivamente, no Sítio Nova Esperança, na comunidade São Domingos, em Jaguaré, na Região Noroeste do Espírito Santo.

Valquíria conta que a decisão foi tomada para que toda a família tivesse mais qualidade de vida. “Eu trabalhava com telemarketing durante o dia, e meu esposo também. Ele ainda tinha outro emprego à noite. O que a gente ganhava não sobrava. Lá, praticamente, a gente não vivia. Trânsito, caos. Na época, as meninas eram pequenas e a gente não queria criá-las nessa loucura. Pouco antes de nos mudarmos, eu fui a Jaguaré visitar umas tias e gostei. Daí viemos de vez”, lembra a produtora.

Quando se mudou para a zona rural, apesar do sonho de investir no campo e viver da agricultura, o casal não tinha experiência. “No começo, colar um cano de irrigação era complicado. A gente ia em dois para tentar colar uma barra na outra. Aí os vizinhos vinham e falavam: ‘Não precisa de dois, é só passar a cola e passar o cano’. A gente não entendia. Eles ficavam rindo da gente e deviam pensar: ‘O que esses paulistas estão fazendo por aqui?’”, recorda-se Valquíria.

Outro exemplo de apuros pela falta de experiência foi na plantação de 7 mil pés de pimenta. O casal fez o plantio da especiaria usando o nim indiano, que substitui a estaca de eucalipto. “A pimenta nasceu e cresceu rapidamente e o nim, por se tratar de uma árvore, não acompanhou. Ficamos muito preocupados na época, achando que perderíamos todo o investimento”, lembra.

Mas desistir nunca passou pela cabeça do casal. Orientados por um técnico agrícola, Fábio e Valquíria colocaram estacas de um metro e meio até que o nim crescesse, mas não adiantou. A pimenta tomou conta das estacas e, sem ter para onde subir, os pés começaram a cair.

Socorro técnico

A salvação da lavoura, segundo o produtor, veio pelas mãos de Josember Lima Passos, técnico de campo, no programa de Assistência Técnica e Gerencial (Ateg), do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-ES), que atende à região.

“A plantação parecia um jogo de varetas. Tombou tudo, pimenta para um lado, estaca para o outro, tudo embolado. O desespero foi levantar a pimenta toda. Com muita paciência e cuidado, fomos fazendo as escoras. Foi preciso passar arame em toda a plantação para fazer o ajuste no tutoramento da pimenta. Doloroso mesmo”, explica Josemberg.

Fábio e Valquíria saíram de São Paulo para morar com as filhas em Jaguaré
Fábio e Valquíria receberam assistência técnica do Senar na plantação. (Arquivo Pessoal)

O técnico chegou até a propriedade quando Fábio, para suprir a demanda da falta de conhecimento e informação, procurou o Sindicato Rural de Jaguaré em busca de aprendizado e conheceu a Ateg. Além do curso de Administração Rural, exigência para fazer parte do programa, o agricultor participou de diversos treinamentos.“No curso de poda e desbrota, por exemplo, aprendi a poda programada e tivemos resultados muito bons na lavoura”, cita Fábio.

Ele acrescenta que o curso de Identificação de Pragas e Doenças de Pimenta-do-Reino abriu os olhos para problemas desconhecidos. “E através do curso de Classificação e Degustação de Café, conseguimos fazer alguns ajustes e produzir um café melhor para participar do concurso de qualidade de Jaguaré”, conta.

Em 2020, Fábio e Valquíria finalmente começaram a estudar Agronomia depois de enfrentarem dificuldades de acesso e a ausência de internet no campo. “Durante o dia, trabalhamos e, à noite, estudamos. Aprendemos muitas coisas na prática e ainda estamos aprendendo, mas tínhamos esse desejo de aprender e saber mais sobre o que fazemos, por isso resolvemos enfrentar mais esse desafio”, conta Valquíria, que está no 6º período do curso.

Hoje, a propriedade que o casal cuida, de cinco hectares e meio, tem 6 mil pés de café e 7 mil de pimenta-do-reino. A produção atual é de 100 sacas de café conilon por hectare e 18 toneladas de pimenta-do-reino por ano.

Em 2022, o café produzido pelo casal conquistou o quarto lugar no 1º Concurso de Café Conilon de Jaguaré. Com o valor recebido, os produtores Valquíria e Fábio estão investindo na desidratação de frutas. “Estamos tentando aproveitar a fartura de frutas que existe na região e trazer uma renda extra. Adquirimos uma máquina para fazer a desidratação de frutas. Fizemos um investimento, não muito alto. No momento, estamos focados em expandir esse negócio”, enfatiza Fábio.

A história do casal retrata um fenômeno chamado êxodo urbano, que é quando as famílias voltam para o campo em busca de melhor qualidade de vida. De acordo com o diretor-presidente do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), Pablo Lira, esses movimentos populacionais já foram registrados em outros momentos da história, como na Revolução Industrial, no século XIX, quando houve um crescimento rápido das cidades na Europa, o que causou um ambiente urbano degradante e o surgimento de epidemias ligadas à insalubridade. Ainda de acordo com o diretor-presidente do instituto, atualmente os motivos que provocam esse êxodo urbano são outros nas cidades brasileiras.

Pablo Lira, diretor-presidente do IJSN
Pablo Lira, diretor-presidente do IJSN, explica o chamado êxodo urbano. (Divulgação)

“Quais são os fatores que expulsam uma população da cidade? O inchaço populacional, problemas no trânsito, na mobilidade urbana, problemas de insegurança, um dia a dia muito estressante. Tudo isso faz com que parte da população mais privilegiada estabeleça esses fluxos de migração”, aponta.

Este vídeo pode te interessar

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

Tags:

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais