> >
Amigo de Jobim, Maysa e Menescal, Cariê era músico entusiasta da bossa no ES

Amigo de Jobim, Maysa e Menescal, Cariê era músico entusiasta da bossa no ES

Fundador da TV Gazeta, afiliada da Globo no Espírito Santo, não só compôs “Devaneio” e outras canções, como virou um dos nomes por trás da evolução da bossa nova no Brasil e no mundo

Publicado em 6 de abril de 2021 às 15:58- Atualizado há 3 anos

Ícone - Tempo de Leitura min de leitura
O empresário, escritor e músico Carlos Fernando Monteiro Lindenberg Filho, o Cariê Lindenberg, posa na sala de música de sua casa, na Ilha do Frade, em Vitória
O empresário, escritor e músico Carlos Fernando Monteiro Lindenberg Filho, o Cariê Lindenberg, posa na sala de música de sua casa, na Ilha do Frade, em Vitória. (Mônica Zorzanelli)
Autor - Pedro Permuy
Pedro Permuy
Repórter do Divirta-se / [email protected]

Além de ser “o mini Rio de Janeiro”, como brincava Bibi Ferreira, Vitória tem forte ligação com a bossa nova. De fato, não só as paisagens das duas cidades são parecidas, senão ambas as capitais também criaram ícones da música e verdadeiros entusiastas dessa arte, como Roberto Menescal e o amigo Carlos Fernando Monteiro Lindenberg Filho, o Cariê, que morreu na madrugada desta terça-feira (6) vítima de complicações de uma pneumonia aos 85 anos de idade.

Para tanto, seu lado musical ficou bastante conhecido por ter sido ele o criador de uma das canções mais emblemáticas da história da comunicação do Espírito Santo, “Devaneio”, que por mais de uma década foi o som da abertura e encerramento dos jornalísticos da TV Gazeta. Só que muito mais que isso, o músico, empresário e escritor também penetrou em um círculo que, à era de ouro do Brasil, era bastante restrito aos bon vivant da época.

A fossa típica de Maysa Monjardim; o “Desafinado” de Newton Mendonça; e “O Barquinho” de Roberto Menescal foram alguns dos tons que envolveram o artista, que também teve grande relação com o maior deles – o Tom Jobim. O ciclo de amizades com a nata da Bossa Nova, como Silvinha Telles, o compositor Sérgio Ricardo e o pianista Bené Nunes fez com que Cariê fosse, junto com Nara Leão, Maysa e Roberto Menescal, os responsáveis pela vinda do ritmo para o Espírito Santo.

"Se há uma figura central na ligação entre Vitória e a bossa nova, esta figura, certamente, é o empresário, músico e escritor Cariê Lindenberg. Compadre de Newton Mendonça e amigo de Silvinha Telles, Luiz Carlos Miéle, Roberto Menescal, Sérgio Ricardo e Tom Jobim, ele protagonizou momentos importantes daquela história e foi, apesar de sua reconhecida modéstia, o principal responsável pela divulgação inicial da “invenção” de João Gilberto entre os capixabas", detalha a jornalista Ana Laura Nahas, em seu texto "Vitória: uma Ilha Bossa Nova", publicado originalmente na Revista do Festival Vitória Bossa Nova, em 2008.

Cariê vivia numa ponte Vitória-Rio e suas amizades musicais ilustres acabavam também por visitar o Espírito Santo. Em 2019, numa entrevista ao jornal A Gazeta, Cariê falou da relação que tinha com João Gilberto. Na ocasião, relembrou da passagem que o “pai da bossa” fez ao Espírito Santo durante sua lua de mel com a primeira esposa, Astrud Evangelina Weinert.

À época, o pai de Bebel Gilberto ficou hospedado na casa de sua irmã, na Praia do Suá, e um grupo de simpatizantes de sua música fez morada em frente à residência. Um deles, é claro, foi Cariê. "Ele ficou direto na casa da irmã e, depois disso, nós nos encontramos algumas outras vezes no Rio", finalizou.

Das amizades, ele lembrava bastante da vivida com Sylvinha Telles e sempre lamentava a morte tão precoce.

“Houve um momento, mais tarde, na vida, em que convivi com assiduidade com Sylvinha Telles, de quem fui amigo próximo até ela precocemente morrer em um grave acidente – foi a primeira musa idolatrada ao alvorecer da bossa nova. Eu a conheci por intermédio de Candinho, seu primeiro marido, quando mantinham, juntos, um programa de sucesso na TV Rio. Ele a acompanhava com extrema competência ao violão. Tiveram ali grandes sucessos, já nos primórdios da televisão”, escreveu Cariê, em uma das passagens de “Vou Te Contar”, seu oitavo e último livro lançado, de 2019.

Só que muito antes de colocar na praça esse seu último compilado de casos, em que detalhou toda sua trajetória pessoal e profissional que culminou em seus mais de 80 anos de história, à época, Cariê também lembrava a composição de outros versos que vieram bem antes do famoso tema da afiliada da TV Globo no Espírito Santo, em 1976.

“Comecei a compor aos 12 anos de idade, ao tempo em que aprendi os primeiros acordes no violão com Paulo Fundão, violonista amador, amigo e compadre do meu pai. Com ele, aprendi o essencial, necessário para evoluir sozinho”, contava.

Já nessa ocasião, por volta de 1947, compôs a primeira música, “Choupana de Sapê”, em que cantava: “Sempre desejei uma choupana de sapê/, Balançar-me numa rede com você/, Ah, o amor, com a paz, pro meu lar/, E as estrelas, no céu, a brilhar”.

A paixão, então, já havia aflorado há mais tempo ainda: “Minha carreira como artista, por exemplo, foi iniciada bem precocemente. Ainda criança, eu já sonhava com as luzes do palco e a vontade era tanta que eu me agarraria a qualquer papel”.

SÓ COM OS FIGURÕES

Em outubro de 2019, quando fez a noite de autógrafos de “Vou Te Contar”, Cariê contou com um time de peso na lista de convidados. Claudia Telles, filha de Sylvinha, o próprio Roberto Menescal e as cantoras Márcia Chagas, Eliane Gonzaga e Andrea Ramos participaram da noite que celebrou a vida do empresário e arista e fizeram um show à parte. Mas, de novo: essa foi só uma amostra do que o filho do ex-governador Carlos Lindenberg, do Espírito Santo, já viveu.

A noite de autógrafos do livro
A noite de autógrafos do livro "Vou Te Contar", de Cariê Lindenberg, em outubro de 2019. (Mônica Zorzanelli)
A noite de autógrafos do livro
A noite de autógrafos do livro "Vou Te Contar", de Cariê Lindenberg, em outubro de 2019: com Marcia Chagas e Roberto Menescal e músicos. (Mônica Zorzanelli)

Antes, até para Maysa (que já era ex-Matarazzo naquele episódio) ele já havia dado conselhos. E lembrava: “A última vez que nos falamos, ela me ligou com um sotaque já meu conhecido e inconfundível, solicitando-me um help de minha companhia para libertá-la de uma fossa que há muito a incomodava... Ela ressaltou que precisava de uma ajuda confiável para enxotar sua enorme solidão”.

No livro, Cariê lembra que deu uma ou duas desculpas à cantora porque estava em companhia da então esposa, Maria Alice Lindenberg, e dos três filhos, o que era raro. E não quis abrir mão daquele momento. “Poucos dias depois, talvez uma semana, soube do acidente que a vitimou em altíssima velocidade [...] Teria suicidado? Sim ou não? Será que a nossa última conversa responderia a qualquer das duas hipóteses suscitadas?”, indagava.

Cariê Lindenberg no lançamento do livro
Cariê Lindenberg no lançamento do livro "Vou Te Contar" para funcionários da Rede Gazeta, no CET da matriz da empresa, em Vitória. (Vitor Jubini)

E o que mais intrigava era que os encontros e amizades quase sempre surgiam ao acaso, como quando conheceu Newton Mendonça. No meio musical, o músico tinha a fama de ser bastante fechado do ponto de vista social, mas bastou uma apresentação de Cariê para que o papo entre os dois começasse a rolar solto.

Cariê lembrava: “[...] quando terminei a minha participação, ele perguntou se eu sabia de quem era a música. Pelo menos essa resposta eu tinha de cor: ‘Newton Mendonça e Fernando Lobo’. ‘Muito prazer, eu sou Newton Mendonça. Você nasceu para mim’, me devolveu o pianista, fazendo um gracejo e estendendo a mão para compartilhar. Foi dessa forma simplória que ganhei um amigo e mais tarde compadre, cuja morte prematura aos 32 anos foi duramente sentida”.

Na mesma ocasião do lançamento deste livro de memórias, “Vou Te Contar”, Cariê lançou o CD "Esperei Por Você", com 16 faixas autorais e interpretações de amigos, incluindo Claudia Telles - que morreu em fevereiro de 2020, vítima de uma parada cardíaca - e Tito Madi.

A noite de autógrafos do livro
A noite de autógrafos do livro "Vou Te Contar", de Cariê Lindenberg, em outubro de 2019: com Roberto Menescal e Pedro Âlcantara e músicos. (Mônica Zorzanelli)

Este vídeo pode te interessar

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais