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Publicado em 6 de abril de 2021 às 15:58
- Atualizado há 5 anos
Além de ser “o mini Rio de Janeiro”, como brincava Bibi Ferreira, Vitória tem forte ligação com a bossa nova. De fato, não só as paisagens das duas cidades são parecidas, senão ambas as capitais também criaram ícones da música e verdadeiros entusiastas dessa arte, como Roberto Menescal e o amigo Carlos Fernando Monteiro Lindenberg Filho, o Cariê, que morreu na madrugada desta terça-feira (6) vítima de complicações de uma pneumonia aos 85 anos de idade. >
Para tanto, seu lado musical ficou bastante conhecido por ter sido ele o criador de uma das canções mais emblemáticas da história da comunicação do Espírito Santo, “Devaneio”, que por mais de uma década foi o som da abertura e encerramento dos jornalísticos da TV Gazeta. Só que muito mais que isso, o músico, empresário e escritor também penetrou em um círculo que, à era de ouro do Brasil, era bastante restrito aos bon vivant da época. >
A fossa típica de Maysa Monjardim; o “Desafinado” de Newton Mendonça; e “O Barquinho” de Roberto Menescal foram alguns dos tons que envolveram o artista, que também teve grande relação com o maior deles – o Tom Jobim. O ciclo de amizades com a nata da Bossa Nova, como Silvinha Telles, o compositor Sérgio Ricardo e o pianista Bené Nunes fez com que Cariê fosse, junto com Nara Leão, Maysa e Roberto Menescal, os responsáveis pela vinda do ritmo para o Espírito Santo.>
"Se há uma figura central na ligação entre Vitória e a bossa nova, esta figura, certamente, é o empresário, músico e escritor Cariê Lindenberg. Compadre de Newton Mendonça e amigo de Silvinha Telles, Luiz Carlos Miéle, Roberto Menescal, Sérgio Ricardo e Tom Jobim, ele protagonizou momentos importantes daquela história e foi, apesar de sua reconhecida modéstia, o principal responsável pela divulgação inicial da “invenção” de João Gilberto entre os capixabas", detalha a jornalista Ana Laura Nahas, em seu texto "Vitória: uma Ilha Bossa Nova", publicado originalmente na Revista do Festival Vitória Bossa Nova, em 2008.>
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Cariê vivia numa ponte Vitória-Rio e suas amizades musicais ilustres acabavam também por visitar o Espírito Santo. Em 2019, numa entrevista ao jornal A Gazeta, Cariê falou da relação que tinha com João Gilberto. Na ocasião, relembrou da passagem que o “pai da bossa” fez ao Espírito Santo durante sua lua de mel com a primeira esposa, Astrud Evangelina Weinert. >
À época, o pai de Bebel Gilberto ficou hospedado na casa de sua irmã, na Praia do Suá, e um grupo de simpatizantes de sua música fez morada em frente à residência. Um deles, é claro, foi Cariê. "Ele ficou direto na casa da irmã e, depois disso, nós nos encontramos algumas outras vezes no Rio", finalizou.>
Das amizades, ele lembrava bastante da vivida com Sylvinha Telles e sempre lamentava a morte tão precoce.>
“Houve um momento, mais tarde, na vida, em que convivi com assiduidade com Sylvinha Telles, de quem fui amigo próximo até ela precocemente morrer em um grave acidente – foi a primeira musa idolatrada ao alvorecer da bossa nova. Eu a conheci por intermédio de Candinho, seu primeiro marido, quando mantinham, juntos, um programa de sucesso na TV Rio. Ele a acompanhava com extrema competência ao violão. Tiveram ali grandes sucessos, já nos primórdios da televisão”, escreveu Cariê, em uma das passagens de “Vou Te Contar”, seu oitavo e último livro lançado, de 2019. >
Só que muito antes de colocar na praça esse seu último compilado de casos, em que detalhou toda sua trajetória pessoal e profissional que culminou em seus mais de 80 anos de história, à época, Cariê também lembrava a composição de outros versos que vieram bem antes do famoso tema da afiliada da TV Globo no Espírito Santo, em 1976. >
“Comecei a compor aos 12 anos de idade, ao tempo em que aprendi os primeiros acordes no violão com Paulo Fundão, violonista amador, amigo e compadre do meu pai. Com ele, aprendi o essencial, necessário para evoluir sozinho”, contava. >
Já nessa ocasião, por volta de 1947, compôs a primeira música, “Choupana de Sapê”, em que cantava: “Sempre desejei uma choupana de sapê/, Balançar-me numa rede com você/, Ah, o amor, com a paz, pro meu lar/, E as estrelas, no céu, a brilhar”. >
A paixão, então, já havia aflorado há mais tempo ainda: “Minha carreira como artista, por exemplo, foi iniciada bem precocemente. Ainda criança, eu já sonhava com as luzes do palco e a vontade era tanta que eu me agarraria a qualquer papel”. >
Em outubro de 2019, quando fez a noite de autógrafos de “Vou Te Contar”, Cariê contou com um time de peso na lista de convidados. Claudia Telles, filha de Sylvinha, o próprio Roberto Menescal e as cantoras Márcia Chagas, Eliane Gonzaga e Andrea Ramos participaram da noite que celebrou a vida do empresário e arista e fizeram um show à parte. Mas, de novo: essa foi só uma amostra do que o filho do ex-governador Carlos Lindenberg, do Espírito Santo, já viveu. >
Antes, até para Maysa (que já era ex-Matarazzo naquele episódio) ele já havia dado conselhos. E lembrava: “A última vez que nos falamos, ela me ligou com um sotaque já meu conhecido e inconfundível, solicitando-me um help de minha companhia para libertá-la de uma fossa que há muito a incomodava... Ela ressaltou que precisava de uma ajuda confiável para enxotar sua enorme solidão”. >
No livro, Cariê lembra que deu uma ou duas desculpas à cantora porque estava em companhia da então esposa, Maria Alice Lindenberg, e dos três filhos, o que era raro. E não quis abrir mão daquele momento. “Poucos dias depois, talvez uma semana, soube do acidente que a vitimou em altíssima velocidade [...] Teria suicidado? Sim ou não? Será que a nossa última conversa responderia a qualquer das duas hipóteses suscitadas?”, indagava. >
E o que mais intrigava era que os encontros e amizades quase sempre surgiam ao acaso, como quando conheceu Newton Mendonça. No meio musical, o músico tinha a fama de ser bastante fechado do ponto de vista social, mas bastou uma apresentação de Cariê para que o papo entre os dois começasse a rolar solto. >
Cariê lembrava: “[...] quando terminei a minha participação, ele perguntou se eu sabia de quem era a música. Pelo menos essa resposta eu tinha de cor: ‘Newton Mendonça e Fernando Lobo’. ‘Muito prazer, eu sou Newton Mendonça. Você nasceu para mim’, me devolveu o pianista, fazendo um gracejo e estendendo a mão para compartilhar. Foi dessa forma simplória que ganhei um amigo e mais tarde compadre, cuja morte prematura aos 32 anos foi duramente sentida”. >
Na mesma ocasião do lançamento deste livro de memórias, “Vou Te Contar”, Cariê lançou o CD "Esperei Por Você", com 16 faixas autorais e interpretações de amigos, incluindo Claudia Telles - que morreu em fevereiro de 2020, vítima de uma parada cardíaca - e Tito Madi. >
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