Triplicar Fundo Eleitoral seria insensato na bonança, mas é imoral na crise

Os R$ 3,7 bilhões de aumento da verba pública para financiar campanhas políticas em 2022 correspondem a cinco vezes mais do que foi destinado pelo governo ao saneamento básico neste ano

Publicado em 17/07/2021 às 02h00
Congresso Nacional aprovou Fundo Eleitoral de R$ 5,7 bilhões para 2022
Congresso Nacional aprovou Fundo Eleitoral de R$ 5,7 bilhões para 2022. Crédito: Agência Senado

Cortes, contingenciamento, veto, congelamento, bloqueio. O Brasil da pandemia acostumou-se com essas duras palavras ao se referir às verbas públicas, modestas para suprir os desafios do país. Diante da crise inédita, cujo fim ainda está no campo da especulação, o Congresso Nacional deu mostras de que caminha na contramão das urgências dos cidadãos que representa, ao praticamente triplicar o montante previsto para o Fundo Eleitoral em 2022, de R$ 2 bilhões para 5,7 bilhões.

Apenas à guisa de exemplo, os R$ 3,7 bilhões a mais para irrigar as legendas e financiar as campanhas eleitorais corresponde a 11% do Bolsa Família e a um valor superior a cinco vezes à verba destinada ao saneamento básico em 2021. Também está acima dos bilhões, somados, que foram cortados das pastas da Educação e da Saúde neste ano. Reforce-se: em plena pandemia.

“Absurdo”, “acinte” e “manobra” foram alguns dos termos usados por congressistas que se opuseram à aprovação do Fundo Eleitoral turbinado, mas a tentativa de barrar o aumento teve o apoio de apenas cinco partidos. Com isso, a boiada passou. Dos 12 congressistas do Espírito Santo com direito a voto, cinco votaram contra a Lei de Diretrizes Orçamentárias: os deputados Felipe Rigoni (PSB), Helder Salomão (PT) e Neucimar Fraga (PSD) e os senadores Fabiano Contarato (Rede) e Marcos do Val (Podemos). A LDO segue agora para sanção do presidente Jair Bolsonaro, que tem o poder de veto, mas políticos do Centrão já articulam conversas com o mandatário para garantir o aumento.

Outro caminho para derrubar a imoralidade foi aberto na última sexta-feira (16), com recurso ao STF empenhado por sete parlamentares, entre eles Felipe Rigoni (PSB-ES), que pedem a derrubada da votação. Uma terceira via, menos provável, é que os próprios parlamentares que aprovaram o aumento mudem de ideia na votação da Lei Orçamentária.

A justificativa do deputado Juscelino Filho (DEM-MA), relator da LDO, é que o fundo público “tem papel no exercício da democracia dos partidos”. De fato, o fundo tem origem em uma certa noção de justiça. Foi elaborado após o STF ter proibido doações de empresas a candidatos, para evitar o aluguel de mandatos, quando o dinheiro repassado, muitas vezes por caixa 2, era depois cobrado com juros em tenebrosas transações, como contratos superfaturados.

O Fundo Eleitoral é, portanto, defendido por especialistas e políticos dos mais diversos matizes ideológicos como forma de dar mais transparência ao financiamento de campanhas eleitorais. Mas mais dinheiro não é sinônimo de mais democracia. Para isso, o fundão precisa de uma revisão de regras, que corrija distorções. Caso os R$ 5,7 bilhões sejam sancionados, apenas PT e PSL, com as maiores bancadas na Câmara, abocanhariam R$ 1,2 bilhão para gastar nas Eleições 2022.

Desvios de propósito à parte, a insensatez da decisão do Congresso mora mesmo na inversão de prioridades da LDO. Com Censo adiado, Enem quase cancelado, serviços de fiscalização ambiental suspensos, auxílio emergencial minguado, enxugamento de programas sociais e de bolsas de pesquisa por falta de verba, é indecente a alocação de R$ 3,7 bilhões extras para financiar campanhas políticas.

Ainda mais grave diante do fato de que, devido às necessárias medidas restritivas, as corridas eleitorais têm consumido menos recursos. As disputas municipais de 2020 tiveram despesa 20% inferior ao pleito de 2016. A imoralidade do aumento é flagrante, sobretudo pela forma como foi tocado, sem qualquer debate. Mesmo que o Brasil estivesse com o caixa no azul, e não com uma previsão de déficit de R$ 170 bilhões nas contas públicas, a decisão é uma afronta aos milhões de brasileiros que lutam para sobreviver às crises sanitária e econômica, sobretudo aos mais pobres, que mais dependem dos serviços públicos.

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