Morte de idosa em ambulância acende alerta sobre gestão de leitos

Com interiorização da pandemia, cada vez mais serão necessárias remoções de pacientes. Falhas nesse processo não podem ser toleradas. É inadmissível que a burocracia estatal seja a responsável pela morte de doentes

Publicado em 23/06/2020 às 06h00
Atualizado em 23/06/2020 às 16h18
Novos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) com respirador no Hospital Jayme Santos Neves, na Serra.
Novos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) com respirador no Hospital Jayme Santos Neves, na Serra. . Crédito: Reprodução/TV

Desde o início da pandemia, especialistas e autoridades alertam para o risco de colapso do sistema de saúde, que produziria a tragédia de pacientes, vítimas do novo coronavírus ou não, morrendo à espera de atendimento médico. No Espírito Santo, não foi preciso que os leitos de UTI se esgotassem para que esse pesadelo se concretizasse. A morte de uma mulher de 74 anos na última terça-feira (16), após passar quase três horas dentro de uma ambulância, é fruto de erro imperdoável do poder público, que amplia os efeitos já tenebrosos da crise.

A idosa estava sendo transferida do Hospital São Marcos, em Nova Venécia, na Região Norte do Estado, para o Hospital Roberto Silvares, na vizinha São Mateus, referência no tratamento de Covid-19, devido ao agravamento de seu quadro. Até o momento, não há comprovação A vaga, no entanto, nunca foi aberta. A vítima passou seus últimos momentos à espera da liberação, até ter uma parada cardiorrespiratória.

A filha da idosa, Cristiane Cruz, conta que durante todo o período em que a mãe agonizava, implorou por atendimento. “Acionei a polícia falando que a minha mãe tinha vindo a óbito. Foi nesse momento que apareceu um médico, quando a polícia já estava no local”, disse à TV Gazeta. Em nota, a PM afirmou que o motorista da ambulância e a técnica de enfermagem que acompanharam a remoção corroboram a alegação de Cristiane, de que houve negligência e omissão de socorro.

Na semana em que a idosa morreu, a taxa de ocupação de UTIs no Estado girava em torno de 84%. O índice é alto, mas havia vagas. Também naquela semana, para evitar a falta de estrutura de atendimento, o governador Renato Casagrande abriu mais leitos de enfermaria e de UTI no Estado. O reforço do Executivo na rede de assistência tem sido intenso desde o começo da pandemia, mas a morte da idosa prova que há outros elos nessa corrente que precisam de atenção dos gestores públicos. De nada adianta ter leitos se o sistema que os gerencia falhar.

As respostas dos hospitais envolvidos no episódio de São Mateus, além de protocolares, promovem um jogo de empurra. De acordo com a direção do Roberto Silvares, o quadro clínico apresentado pela paciente “era diferente do perfil que estava descrito na regulação”, e que por isso seria necessário readequar o leito. Já a unidade de Nova Venécia, de onde a vítima partiu, afirma desconhecer o motivo pelo qual a internação foi recusada. Nenhum dos hospitais fala em abertura de sindicância para apurar eventuais falhas.

O episódio exige ampla investigação, para averiguar se houve negligência e punir os responsáveis. Mais do que isso, a morte da mãe de Cristiane precisa servir de alerta a secretarias municipais de saúde, Sesa e unidades hospitalares do Estado, para que eventos trágicos como esse não se repitam.

O novo coronavírus avança com velocidade por municípios do interior e, em algumas cidades, houve um salto de sete vezes no número de infectados em um intervalo de apenas um mês. No momento, 38 cidades capixabas estão com risco alto de transmissão. Com a interiorização da doença, cada vez mais serão necessárias remoções de pacientes. Falhas nesse processo não podem ser toleradas. É inadmissível que a burocracia estatal seja a responsável pela morte de doentes, aprofundando ainda mais os duros impactos da pandemia.

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