Felipe Storch Damasceno é economista com mestrado e doutorado em Administração e Contabilidade. É professor de Economia e pesquisador dos impactos sociais e econômicos de políticas públicas. Também é consultor, palestrante e comentarista na CBN Vitória

Reformas travadas: até quando o Congresso vai adiar a produtividade?

Enquanto a pauta não-econômica domina o calendário legislativo, as medidas que poderiam modernizar a economia, reduzir a inflação e destravar investimentos avançam a passos lentos

Publicado em 20/08/2025 às 08h54

Nos últimos doze meses, o Congresso votou nove projetos de peso na seara econômica. Desses, cinco têm potencial de mexer positivamente na produtividade: a regulamentação da reforma tributária do consumo (PLP 108/24 e PLP 68/24), o Marco Legal dos Seguros e a atualização da lei de concessões e PPPs, além de ajustes que trazem segurança jurídica a contratos. Uma única votação teve foco claramente arrecadatório, a MP 1.291/25, que amplia a destinação do Fundo Social e cria receitas extraordinárias.

Outras três, a PEC dos Precatórios, a suspensão do aumento do IOF e a ampliação da faixa de isenção do IRPF até R$ 5 mil, lidam mais com caixa e impacto distributivo de curto prazo do que com ganhos de competitividade. Já a chamada Lei da Reciprocidade, embora de apelo político, não abre espaço para ganhos de produtividade, funcionando mais como resposta protecionista a medidas externas.

No mesmo período em que apenas nove projetos econômicos relevantes chegaram ao plenário, o Congresso votou mais de 150 proposições em áreas diversas — de alterações no Código Penal a homenagens, datas comemorativas e ajustes administrativos. Embora muitos desses temas tenham legitimidade social e política, o contraste é evidente: enquanto a pauta não-econômica domina o calendário legislativo, as medidas capazes de modernizar a economia e destravar ganhos de produtividade avançam a passos lentos.

Essa assimetria mostra que o país gasta energia em debates periféricos, mas posterga reformas que poderiam gerar crescimento sustentável, redução da inflação e juros estruturalmente menores.

Sessão no Congresso Nacional
Sessão no Congresso Nacional. Crédito: Jefferson Rudy/Agência Senado

O diagnóstico é claro: Brasília ainda dedica energia excessiva a medidas que rearranjam receitas ou acomodam interesses de curto prazo, enquanto deixa em segundo plano as reformas estruturantes capazes de destravar investimentos e elevar o potencial de crescimento do país. O problema é que sem produtividade não há mágica: a inflação se mantém resiliente e o Banco Central é obrigado a sustentar juros elevados para ancorar expectativas. Produzir mais e melhor com os mesmos insumos é a maneira mais eficiente de reduzir pressões inflacionárias de forma duradoura e, consequentemente, abrir espaço para uma Selic estruturalmente mais baixa.

Nesse ponto, é fundamental compreender a relação entre produtividade, inflação e juros. Quando a economia se torna mais eficiente, o custo por unidade cai, a competição aumenta e os preços se estabilizam. Esse movimento não depende de choques fiscais ou monetários, mas de um ambiente de negócios saudável, que premie a inovação e a eficiência. Assim, o ciclo virtuoso se estabelece: ganhos de produtividade reduzem a inflação, permitindo que o país conviva com juros menores e crie condições para investimentos de longo prazo.

O Brasil tem exemplos claros de como a ausência de reformas cobra um preço. A demora em regulamentar integralmente a reforma tributária prolonga a incerteza sobre regras de transição, inibindo investimentos e estimulando disputas judiciais. A falta de atualização em setores estratégicos, como energia, logística e crédito, mantém gargalos que comprimem margens, repassam custos ao consumidor e limitam a competitividade do país no comércio internacional.

Daí a urgência em aprovar novos marcos regulatórios. Eles não significam apenas “leis novas”, mas a criação de um terreno previsível para empresas e investidores. O Marco do Saneamento e o Marco da Cabotagem mostraram, nos últimos anos, como segurança regulatória pode destravar bilhões em investimentos privados. O mesmo vale para concessões e parcerias público-privadas, capazes de modernizar a infraestrutura sem sobrecarregar as contas públicas. Ao atualizar regras, reduzir incertezas e repartir riscos de forma equilibrada, esses marcos tornam projetos mais viáveis e atraentes para o capital.

Outro passo essencial é avançar na abertura econômica. O Brasil segue entre as economias mais fechadas do mundo, com barreiras tarifárias e não tarifárias que limitam a competição e a inovação. Abrir o mercado de forma gradual, negociada e inteligente não significa fragilizar a indústria nacional, mas expô-la a incentivos para ganhar escala, eficiência e inserção em cadeias globais. Países que apostaram nessa estratégia colhem ganhos de produtividade e atraem tecnologia. Permanecer atrás de muros alfandegários significa condenar-se a baixo crescimento, inflação mais resistente e juros sempre elevados.

O balanço legislativo do último ano mostra que, embora haja avanços, eles são insuficientes diante da necessidade. Não basta evitar novos impostos ou remanejar despesas. É preciso que governo e Congresso priorizem uma pauta que modernize a economia, reduza custos sistêmicos e integre o Brasil ao comércio internacional. Sem essa guinada, seguiremos reféns de um ciclo vicioso: baixo crescimento, inflação resistente e juros altos. A alternativa está posta e depende apenas de compromisso político.

O desafio, portanto, é estruturar uma agenda econômica de longo prazo, capaz de superar o imediatismo fiscal e o oportunismo político. Isso passa pela modernização legislativa, pela criação de um ambiente que incentive o investimento privado e pela priorização de reformas que tragam ganhos de produtividade. Só assim o Brasil poderá combinar crescimento sustentado, inflação baixa e juros em patamares compatíveis com o desenvolvimento que a sociedade almeja.

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