Felipe Storch Damasceno é economista com mestrado e doutorado em Administração e Contabilidade. É professor de Economia e pesquisador dos impactos sociais e econômicos de políticas públicas. Também é consultor, palestrante e comentarista na CBN Vitória

Os riscos de se perder a razão e deixar a ideologia contaminar a economia

Pensar a economia com pragmatismo não é abrir mão de valores ou ignorar a importância do debate democrático. Ao contrário: é reconhecer que políticas públicas devem ser formuladas a partir de dados, diagnósticos consistentes e evidências

Publicado em 23/07/2025 às 09h48

A construção de uma nação economicamente sólida, socialmente inclusiva e institucionalmente estável depende, em grande medida, da capacidade dos governos de planejar, executar e avaliar políticas públicas com racionalidade técnica e pragmatismo. No entanto, o que se observa com frequência, em diversos países — inclusive no Brasil —, é a prevalência de decisões baseadas em convicções ideológicas (tanto à direita quanto à esquerda), que desconsideram a realidade fiscal, as evidências empíricas e os instrumentos de avaliação de impacto. Essa contaminação das escolhas econômicas por visões dogmáticas e interesses político-eleitorais pode comprometer seriamente a eficiência dos gastos públicos, a previsibilidade dos mercados e a confiança dos investidores.

Pensar a economia com pragmatismo não é abrir mão de valores ou ignorar a importância do debate democrático. Ao contrário: é reconhecer que políticas públicas devem ser formuladas a partir de dados, diagnósticos consistentes e evidências. É entender que cada realidade exige soluções específicas, muitas vezes híbridas, que combinam elementos de distintas correntes econômicas, desde que focadas em resultados objetivos e mensuráveis.

Discursos ideológicos custam caro para a economia do Brasil. Crédito: Imagem gerada pelo ChatGPT
Discursos ideológicos custam caro para a economia do Brasil. Crédito: Imagem gerada pelo ChatGPT

Economistas de diferentes escolas podem divergir sobre a melhor alocação de recursos ou o grau de intervenção estatal, mas há um consenso técnico mínimo sobre a importância do equilíbrio fiscal, da eficiência na gestão pública, da previsibilidade jurídica e da estabilidade macroeconômica como pré-requisitos para o crescimento sustentável. Quando essas premissas são ignoradas em nome de promessas de curto prazo ou agendas ideológicas, os resultados tendem a ser desastrosos, seja em forma de inflação, desemprego, desorganização produtiva, seja em perda de competitividade.

Uma das distorções mais prejudiciais à economia é a alternância de prioridades a cada ciclo eleitoral, como se a política pública fosse um instrumento de vitrine partidária. Em vez de dar continuidade a projetos estratégicos, os governos muitas vezes ignoram políticas bem-sucedidas anteriores apenas por terem sido implementadas por gestões adversárias. O resultado é a fragmentação institucional, a descontinuidade administrativa e o desperdício de recursos públicos.

Países que conseguiram alcançar elevados níveis de desenvolvimento, como Coreia do Sul, Irlanda, Alemanha e Chile, investiram em planejamento de Estado, com metas de longo prazo, articulação federativa, envolvimento da sociedade civil e monitoramento contínuo de resultados. No Brasil, em contrapartida, ainda se observa uma cultura de “refundação permanente”, onde cada novo governo tenta redesenhar o país a partir do zero, desconsiderando diagnósticos, capacidades instaladas e pactos anteriores.

O Plano Real, um exemplo de política econômica bem-sucedida, só foi possível porque superou barreiras ideológicas, agregando economistas de diferentes linhas de pensamento, unificados por um objetivo comum: estabilizar a economia. Essa experiência mostra que o pragmatismo técnico pode (e deve) prevalecer quando há compromisso real com o país.

No Brasil, tivemos exemplos recentes de interferências políticas em empresas estatais, especialmente no setor de petróleo, que resultaram em perda de valor de mercado, desconfiança de investidores e prejuízo para os acionistas, incluindo o próprio Estado. A busca por “soluções” fáceis, que apenas empurram os problemas para frente, fragiliza a capacidade institucional do país e afeta diretamente a percepção de risco por parte do mercado.

Economias crescem quando há previsibilidade e estabilidade. Investidores (estrangeiros ou locais) avaliam não apenas indicadores macroeconômicos, mas também o grau de institucionalidade de um país: respeito a contratos, independência dos órgãos reguladores, continuidade de políticas públicas e maturidade das instituições.

Quando decisões técnicas são sistematicamente alteradas por razões políticas, o ambiente de negócios se torna volátil. A incerteza afasta investimentos de longo prazo, penaliza setores produtivos e encarece o crédito. Essa instabilidade prejudica não apenas grandes projetos, mas também o cotidiano de milhões de trabalhadores e pequenos empresários que precisam de segurança para planejar. A confiança é um ativo invisível, mas central para o funcionamento da economia. E ela não se constrói com discursos, mas com coerência, responsabilidade e compromisso com o interesse público acima de ideologias partidárias.

Outro ponto fundamental é desenhar políticas públicas com base em indicadores, metas claras e avaliações periódicas. É inaceitável que programas com bilhões de reais de orçamento continuem sendo executados ano após ano sem avaliação de impacto, simplesmente por atenderem a grupos de interesse ou alinhamentos ideológicos.

Políticas sociais, por exemplo, devem ser avaliadas não apenas pela quantidade de recursos distribuídos, mas por sua eficácia em gerar autonomia, inclusão produtiva e melhoria das condições de vida. Sem isso, o risco é manter programas que apenas perpetuam a dependência, sem atacar as causas estruturais da pobreza. Avaliar políticas públicas com rigor técnico é um antídoto poderoso contra o uso político da máquina pública. É também uma forma de proteger o cidadão-contribuinte, garantindo que cada real gasto pelo Estado gere retorno social mensurável.

Importante destacar que defender decisões econômicas com base técnica não significa despolitizar o debate público. O que se critica é a substituição da racionalidade por dogmas. Políticas públicas sempre terão implicações políticas e distributivas e isso é legítimo. No entanto, suas premissas, métodos e objetivos precisam ser claros, baseados em dados e avaliáveis. Ser pragmático é ter responsabilidade intergeracional. É entender que políticas ruins de hoje serão pagas pelas próximas gerações e que o improviso é o maior inimigo da estabilidade. É, também, reconhecer que nenhum governo, seja ele de esquerda, centro, seja de direita, tem o monopólio da verdade e que bons resultados surgem da escuta, da cooperação e da humildade institucional.

O Brasil tem enormes desafios sociais, regionais e econômicos. Superá-los exige mais do que vontade política: requer capacidade de planejamento, estabilidade institucional e compromisso com o pragmatismo. O país precisa de uma agenda de Estado focada em bem-estar social, crescimento sustentável e equidade, que vá além dos ciclos eleitorais e sobreviva às disputas partidárias.

Esse processo passa por fortalecer instituições técnicas, como os órgãos de planejamento e controle; investir na formação de quadros públicos qualificados; promover a cultura da avaliação de políticas e garantir mecanismos de coordenação federativa. E, acima de tudo, por entender que decisões econômicas não podem ser reféns de discursos, mas devem ser ferramentas de transformação com base em evidências, metas e resultados. Planejar o futuro do país exige mais razão do que paixão. E o Brasil, com sua diversidade e complexidade, precisa urgentemente fazer essa escolha.

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