Felipe Storch Damasceno é economista com mestrado e doutorado em Administração e Contabilidade. É professor de Economia e pesquisador dos impactos sociais e econômicos de políticas públicas. Também é consultor, palestrante e comentarista na CBN Vitória

É hora de planejar: o ES diante de um novo ciclo migratório urbano

Se o Estado não agir agora, corre o risco de perder o controle sobre a própria transformação que ajuda a impulsionar

Publicado em 09/07/2025 às 09h00
Vista área de Vitória, cidade que não poderá homenagear gente que não merece
Sem uma atuação firme do poder público, crescimento do ES pode trazer mais desigualdade, mais pressão sobre os serviços e maior dificuldade de gestão futura. Crédito: Luciney Araújo

O Espírito Santo vive um momento singular de expectativas econômicas. A conjunção de investimentos expressivos em infraestrutura logística e industrial — incluindo terminais portuários, expansão ferroviária, galpões logísticos e novos polos fabris — deve nos reposicionar no cenário nacional como um importante eixo produtivo e de escoamento para o comércio exterior. Mas, junto com as oportunidades, surge um desafio que ainda não ocupa o centro do debate público como deveria: a pressão migratória e seus efeitos sobre o território capixaba. Se o Estado não agir agora, corre o risco de perder o controle sobre a própria transformação que ajuda a impulsionar.

Este novo ciclo de desenvolvimento exigirá uma quantidade significativa de mão de obra, especialmente, qualificada, para sustentar o ritmo de operação dos empreendimentos que estão sendo estruturados. A realidade, no entanto, é que o Espírito Santo não dispõe, hoje, de contingente suficiente com esse perfil técnico e profissional, o que, inevitavelmente, levará à atração de trabalhadores de outros Estados. Esse fluxo de pessoas, ainda incipiente, tende a se intensificar com a consolidação dos investimentos. Tal movimento poderá configurar, na prática, um novo êxodo urbano, com milhares de pessoas se deslocando para cá em busca de oportunidades.

Diferentemente de grandes Estados da federação que dispõem de vastas áreas urbanizáveis, o Espírito Santo tem um território pequeno e já bastante adensado, especialmente nas regiões costeiras. Essa limitação impõe um risco adicional: o de expansão urbana desordenada, com ocupações precárias em áreas de proteção ambiental, zonas de risco e regiões sem infraestrutura adequada. Sem uma atuação firme do poder público, o crescimento pode se dar nos moldes do passado e isso significa mais desigualdade, mais pressão sobre os serviços e maior dificuldade de gestão futura.

A resposta para esse desafio está no planejamento habitacional e urbano, que precisa ser articulado entre os entes municipais e o governo estadual. A antecipação é o ponto-chave: é preciso mapear os territórios que mais vão atrair investimentos e, consequentemente, receber fluxos migratórios (como os entornos dos grandes portos, trechos estratégicos das ferrovias projetadas e regiões com novas instalações industriais) e direcionar para essas áreas ações prioritárias de ordenamento territorial.

É nesse ponto que políticas públicas bem estruturadas ganham protagonismo. Primeiro, para garantir a oferta de moradia adequada e acessível, com estímulo à habitação popular nos locais corretos, evitando a proliferação de assentamentos irregulares. Segundo, para assegurar que esses novos bairros se desenvolvam com infraestrutura urbana básica (saneamento, energia, mobilidade e conectividade) e não se transformem em bolsões de vulnerabilidade ao redor da pujança econômica.

Outro aspecto crucial é o fortalecimento dos serviços públicos essenciais. O atendimento de saúde, já pressionado em muitas cidades capixabas, precisa ser expandido de forma estratégica para acompanhar o crescimento populacional. A estrutura educacional, da creche ao ensino técnico, tem de ser dimensionada com foco no desenvolvimento de capital humano. Já na segurança pública, o planejamento preventivo de efetivo, equipamentos e presença territorial será determinante para evitar o aumento da criminalidade associado ao adensamento urbano desordenado.

Além disso, a mobilidade urbana deve ser pensada de forma sistêmica, integrada e antecipatória. A tendência é que o adensamento econômico leve a uma intensificação da lógica pendular, com trabalhadores residindo em um município e se deslocando diariamente para outro em busca de emprego, estudo ou acesso a serviços.

Esse fenômeno, já observado nas regiões metropolitanas de Vitória e Linhares, tende a se expandir com a consolidação dos investimentos logísticos e industriais ao longo do litoral e do interior do Estado. Por isso, será fundamental repensar o modelo atual de deslocamento, que ainda depende fortemente do transporte individual e de estruturas viárias sobrecarregadas.

Para que esse crescimento seja sustentável, o Espírito Santo precisa investir em uma integração eficiente entre modais (rodoviário, ferroviário e aquaviário) e ampliar a oferta de transporte coletivo com qualidade, pontualidade e segurança. É necessário modernizar a malha viária intermunicipal, criar corredores de transporte rápido e estimular a adoção de soluções inteligentes de mobilidade, como ônibus elétricos, bilhetagem digital e centros de integração modal.

Municípios hoje considerados periféricos poderão se tornar polos estratégicos da economia capixaba e precisam estar conectados de forma fluida à malha estadual e aos grandes centros urbanos. Ignorar esse movimento seria perpetuar gargalos logísticos urbanos e comprometer não apenas a qualidade de vida, mas também a competitividade do próprio modelo de desenvolvimento que se pretende consolidar.

A janela de oportunidade está aberta. O momento exige que a política pública ande no mesmo ritmo do investimento privado, sob risco de o desenvolvimento econômico gerar efeitos colaterais perversos. O Espírito Santo tem a chance de crescer com equilíbrio territorial e inclusão social, mas isso dependerá de um planejamento estruturado, coordenado e com capacidade de antecipação. Trata-se, em última instância, de uma escolha coletiva: permitir que o futuro aconteça por inércia, ou construí-lo com base na inteligência pública, no uso racional do território e no compromisso com uma urbanização mais justa e sustentável.

O ano de 2026 marcará uma escolha decisiva para os rumos do Espírito Santo. Em meio a esse cenário de transformações econômicas e demográficas, eleger um novo governo não pode ser apenas uma disputa por nomes ou slogans, mas uma oportunidade concreta para amadurecer o debate sobre o futuro territorial do Estado. O planejamento urbano e habitacional precisa estar no centro das agendas eleitorais não como promessa genérica, mas como eixo estruturante de programas de governo com metas claras, recursos definidos e integração entre as políticas setoriais.

Mais do que acompanhar o crescimento, o ordenamento territorial é o que garantirá que os frutos desse ciclo de investimentos sejam distribuídos de forma duradoura e equilibrada entre os capixabas. Sem ele, corremos o risco de ver regiões superlotadas e outras abandonadas, com bolsões de pobreza crescendo às margens dos avanços produtivos.

Com ele, podemos transformar oportunidades econômicas em ganhos reais de qualidade de vida, com mobilidade mais eficiente, acesso a serviços públicos, segurança, moradia digna e pertencimento. Que o processo eleitoral seja o espaço para essa discussão madura e estratégica, que vá além do imediato e projete um Espírito Santo mais coeso, resiliente e preparado para o futuro.

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