O presidente da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, Marcelo Santos (Podemos), comandou a sessão realizada no dia 19 de abril, em que os deputados aprovaram, à unanimidade, o pagamento de auxílio-alimentação de R$ 1,8 mil mensais aos próprios parlamentares. A proposta não partiu da Mesa Diretora e sim de uma emenda oral apresentada por Tyago Hoffmann (PSB) em um projeto que tratava, entre outros pontos, da criação da Comissão Permanente de Proteção e Bem-Estar dos Animais.
A aprovação se deu em oito minutos, sem qualquer discussão ou menção direta ao benefício. A imprensa e o público levaram dias para descobrir que os parlamentares haviam estendido a si mesmos o auxílio pago aos servidores da Casa. Com o detalhe de que os deputados recebem salários de R$ 31,2 mil brutos.
O episódio foi abordado mais de uma vez por esta colunista e comparado a uma espécie de "jabuti", uma votação nada transparente e uma coisa difícil de se defender publicamente. Tanto que nenhum deputado se dispôs a fazê-lo. Até recentemente.
Marcelo Santos concedeu entrevista à coluna na sexta-feira (19). E respondeu sobre o assunto. Para ele, a aprovação do auxílio foi transparente e o benefício é um direito.
Questionado sobre a justificativa para o pagamento de tal direito, sem ser a comparação com autoridades de outros Poderes, elencou algumas razões, mas admitiu que a medida é impopular: "Pago pelo ônus de administrar uma Casa como esta".
Marcelo ainda fez revelações sobre as conversas de bastidores. Confirmou o que a coluna já havia avaliado, que o auxílio não seria proposto e aprovado sem o aval do presidente da Casa, e garantiu que todos os deputados estaduais sabiam o que estava em votação.
Marcelo Santos (Podemos)
Presidente da Assembleia Legislativa do Espírito Santo
"Claro que eu sabia (...) Todos os deputados tinham conhecimento de que a emenda seria proposta"
Camila Valadão (PSOL) e Lucas Polese (PL) alegaram, nas redes sociais, que aprovaram o auxílio-alimentação de R$ 1,8 mil ignorando o teor da emenda apresentada. Mas também não perguntaram nada em meio à sessão.
Confira parte da entrevista com Marcelo Santos:
Por que o pagamento do auxílio-alimentação para os deputados (que somente é efetivado se o parlamentar pedir) foi aprovado daquela maneira, junto com outras questões, sem discussão em plenário? Foi combinado? O senhor sabia, certamente, já que ninguém iria apresentar uma emenda assim sem falar com o ordenador de despesa ...
Essa era uma demanda que tramitava aqui, nos bastidores da Assembleia, não apenas nesta legislatura. Isso foi ganhando corpo aqui dentro. Claro que eu sabia que seria apresentada a emenda. E ela foi votada e aprovada por maioria.
Diferentemente do que a imprensa interpretou, foi transparente. Não seria se fosse uma emenda protocolada (e não oral), o relator faria a leitura apenas assim: "emenda 01". O relator fez a emenda oralmente justamente para ler na íntegra.
Outro equívoco da imprensa: a votação é simbólica no plenário. Nas comissões, não. É nominal.
Sim. Eu vi a votação nas comissões (minutos antes da votação em plenário) e registrei parte dos votos nominais. Ninguém votou contra, assim como no plenário. A emenda foi lida na íntegra pelo relator (Tyago Hoffmann), mas o texto não tinha nenhuma palavra que revelasse do que se tratava, "auxílio-alimentação", "tíquete", nem "benefício". Falava de estender um "direito", previsto na resolução número tal.
Todos os deputados sabiam, tinham conhecimento de que a emenda seria proposta por um parlamentar.
E que era aquela emenda?
Sim. Aquela emenda.
Ao menos dois parlamentares alegaram que votaram a favor sem saber do que se tratava...
A lógica das sessões é você estar na sessão linkado ao que está acontecendo. Já vi parlamentar votar em uma matéria, aprovar, e uma semana depois discursar contra a matéria. E ele votou. Isso é aqui, no Congresso Nacional, em todo lugar.
Nos bastidores, alguns deputados defendem o auxílio-alimentação de R$ 1,8 mil argumentando que os conselheiros do Tribunal de Contas recebem, os promotores de Justiça recebem, os juízes também, e em valores maiores. Mas, esqueçamos os outros.
Qual a justificativa para um deputado estadual, que tem salário de R$ 31,2 mil, receber um auxílio desse para se alimentar?
Como chefe de Poder, pagarei o ônus de liderar uma Casa política como esta. Pagarei pelo sentimento da maioria (dos deputados) pela inclusão do tíquete. Eu recebi a pauta e conduzi a votação.
Se você olhar na esteira de um cidadão comum, naturalmente, há uma disparidade muito grande. Mas, aqui, o tíquete dos deputados é igual ao dos servidores.
Mas o salário dos servidores não é igual ao salário dos deputados.
O salário dos servidores do Judiciário também não é igual ao salário dos desembargadores (os magistrados recebem auxílio-alimentação de R$ 2,2 mil. Os servidores, de R$ 1,5 mil).
Sem comparar com outros Poderes...
Nossa atividade não é igual a de um servidor, que sai para trabalhar e volta. Quarta-feira eu recebi a presidente da Unale (União Nacional dos Legisladores e Legislativos Estaduais). Eu a levei para almoçar. Estávamos eu, ela, o assessor dela, o subchefe da Casa Civil e meu diretor de relações institucionais.
Eu paguei o almoço para todos.
O senhor poderia pegar a nota do restaurante e pedir reembolso à Assembleia (se fosse essa a norma). Não precisaria de um auxílio de R$ 1,8 mil mensais, afinal, foi algo pontual. Mas o senhor pediu para receber o tíquete.
Solicitei, já que foi um comprometimento com os colegas deputados. Seria incoerente da minha parte não aderir, dizendo "agora, vocês estão na cova dos leões".
É o ônus que se paga para ser chefe de Poder, de uma Casa então plural. Grande parte da sociedade não vai entender isso, como não entende a lógica do parlamento.
Marcelo Santos (Podemos)
Presidente da Assembleia Legislativa
"Não vou conseguir mostrar para as pessoas que o tíquete é um direito do deputado, que tem uma atividade totalmente diferenciada da de um servidor comum, mas é um ônus que eu assumi"
Por falar em mostrar para as pessoas, por que o Portal da Transparência da Assembleia não vai exibir os deputados que recebem e os que não recebem auxílio-alimentação?
A Assembleia me informou os nomes, mas, mais tarde, esses (sete) que não pediram podem pedir para receber. Ou, mais improvável, alguém que pediu pode "despedir". Como vamos saber?
Não é de agora. O servidor que não recebe (o auxílio) por pecúnia (o dinheiro diretamente na conta) e sim por cartão, não aparece no portal o valor. Porque é direto com a empresa (do cartão).
Mas está em estudo para mudar (no Portal da Transparência), fazer uma reformulação.
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