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Solidariedade: pequenos gestos podem ter grandes resultados

Solidariedade: pequenos gestos podem ter grandes resultados

O isolamento por causa da pandemia de coronavírus desencadeou uma série de problemas. Mas no distanciamento as pessoas se uniram. Conheça histórias de quem está fazendo a diferença

Publicado em 25 de abril de 2020 às 10:57

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Zina Leal, artista plástica  e designer de moda: curso de costura pelas redes sociais
Zina Leal, artista plástica e designer de moda: curso de costura pelas redes sociais . (Arquivo pessoal)

Tudo começou com uma doença misteriosa numa exótica região da China. Parecia algo muito distante daqui. Logo um vírus desconhecido estava infectando milhares de pessoas de uma só vez, matando outras tantas e batendo à nossa porta.

Um pânico geral se instalou, claro. E a primeira reação que se viu, em larga escala, foi um “salve-se quem puder”. O egoísmo, algo demasiadamente humano, veio à tona com o novo coronavírus. Cenas de gente lotando carrinhos de supermercado de comida e saindo no tapa pelo último rolo de papel higiênico da prateleira rodaram o mundo no noticiário, expondo a mentalidade do “eu em primeiro lugar e o resto que se dane”.

Até que praticamente todo o comércio fechou as portas. As escolas suspenderam as aulas. As ruas se esvaziaram. Viagens, baladas, casamentos, batizados, velórios… Tudo foi cancelado. As famílias se recolherem em suas casas.

A pandemia colocou aproximadamente 4,5 bilhões de pessoas de 110 países em confinamento, segundo o último levantamento da agência de notícias AFP. Isso significa essa medida de restrição afetou seis em cada dez indivíduos no planeta.O isolamento social desencadeou uma série de problemas. Mas fez despertar outra característica bem humana também: a generosidade.

No distanciamento, as pessoas se uniram. Mesmo quem estava com medo se sensibilizou com o sofrimento do outro e descobriu como ajudar, na forma de pequenos gestos ou grandiosas iniciativas. Um movimento que não para de crescer e que levou muita gente a pensar se a solidariedade pode ser mais contagiosa que um vírus.

Quem não se emocionou ao ver os italianos cantando nas janelas de suas casas - algo que inspirou uma cantoria no mundo todo? Ou com histórias de gente que pendurou bilhetes nos elevadores se oferecendo para fazer compras para vizinhos mais idosos? Ou ainda com os aplausos coletivos nas varandas e nos cartazes de apoio às equipes médicas que estão na linha de frente na batalha contra a Covid-19?

Vizinhos unidos

Solidariedade: Helena da Silva Mota ajuda a fazer a limpeza do próprio prédio. A moça da limpeza foi afastada, mas os moradores continuaram pagando o salário dele
Solidariedade: Helena da Silva Mota ajuda a fazer a limpeza do próprio prédio. A moça da limpeza foi afastada, mas os moradores continuaram pagando o salário dele. (Arquivo pessoal)

“Juntos somos mais fortes e faremos a diferença”, acredita Helena da Silva Mota, 38 anos.

No prédio onde ela mora, em Jardim da Penha, em Vitória, e no qual é subsíndica, a moça da limpeza foi dispensada, mas continua recebendo o salário integralmente. Os moradores, entre eles Helena, se revezam na tarefa da funcionária.

“Ela é hipertensa, portanto, do grupo de risco. Resolvemos nos revezar na limpeza, manutenção e conservação do prédio. São 12 apartamentos. Houve aprovação de todos. Todos colaboram. Mesmo a maioria sendo do grupo de risco, não podendo entrar no revezamento da limpeza. Metade é idoso. Tem gente alérgica, gente que infartou… Mas cada um limpa seu andar. Estamos levando esse isolamento social muito bem!”, conta Helena, que é casada e parou de trabalhar para se dedicar ao filho Arthur, de 3 anos, que é autista.

A designer Isabela Castello também dispensou a faxineira, mas continuou pagando como se ela estivesse indo para o serviço, o que fazia uma vez por semana. Pena que os outros patrões não tiveram a mesma atitude altruísta.

“Minha faxineira me contou que algumas casas onde ela trabalhava a dispensaram durante a pandemia e não assumiram o compromisso de pagar as diárias. Fico tão triste com posturas assim! Sei que legalmente não há essa exigência, mas num momento como esse, o mínimo que podemos fazer por essas pessoas é continuar remunerando até que as coisas se normalizem, para que eles consigam sobreviver nesse período”, lamentou Isabela.

Apesar disso, ela disse que viu muita gente preocupada em fazer algo. “É tanta notícia ruim, tanta gente doente, tanta morte. Meu olhar foi muito para ver as coisas boas. E neste momento de dificuldade, muita gente pensou no próximo e não só em si mesmo. Muita gente está tentando compensar esse período tão complicado fazendo o bem, cada um com seu tempo para dispor, cada um com suas habilidades, sua condição financeira”.

Não foi o coronavírus que despertou o lado solidário dela. Isabela sempre se sentiu comprometida socialmente. “Já tinha feito uma ação em presídios. No ano passado, participei de seis oficinas com moradores de rua. Isso é muito bom, dá uma satisfação muito grande. A neurociência comprova que a solidariedade faz bem. A generosidade cria um sentimento de bem-estar, felicidade. E não é um guru falando. Os cientistas é que estão mostrando”.

A designer Isabela Castello doou esculturas para uma ação solidária durante a pandemia de coronavírus
A designer Isabela Castello doou esculturas para uma ação solidária durante a pandemia de coronavírus. (Arquivo pessoal)

Aprendizado coletivo

Agora, porém, ela sente que é diferente, que há uma onda muito maior. “A gente vê que acontecem situações esporádicas, em algumas tragédias, como enchentes, as pessoas se juntam e doam cestas básicas, roupas… Mas agora é todo mundo na mesma situação. Espero que haja um aprendizado coletivo com isso. O momento é para refletir, a sociedade como um todo. Há questões pessoais, questões políticas… Se não perceber isso, o que vai acontecer é que vai morrer um monte de gente, vai quebrar um monte de empresa, e a gente não vai aprender nada”, comenta a designer.

Por isso, Isabela vai fazendo o que o coração e a consciência mandam. “Eu continuo comprando frutas e legumes com os feirantes de quem eu sempre comprei. Se eu passar a comprar nos supermercados, eles não terão fonte de renda”, conta ela, que também resolveu doar algumas de suas esculturas para uma ação local, envolvendo arquitetos e designers, para a realização de um leilão que vai captar recursos a serem doados a instituições carentes.

Assim como Helena, a universitária Julia Maria Viero, 19 anos, também conseguiu mobilizar todos os vizinhos do prédio dela, na Praia da Costa, em Vila Velha, durante a pandemia. Ela pegou um carrinho de compras e foi passando de andar em andar, batendo de porta em porta, para recolher doações de alimentos. E se surpreendeu com a bondade das pessoas.

“Minha intenção era mesmo criar uma corrente do bem e arrecadar alimentos para ajudar aqueles que mais precisam. Não sabia se isso iria funcionar. Mas todo mundo doou. Só uma pessoa que não quis. Teve uma moradora que me deu até dinheiro para comprar os mantimentos!”, relatou a jovem, que veio do Paraná para estudar no Estado e mora na casa dos tios.

Julia juntou 139 quilos de alimentos, que foram doados à paróquia do bairro onde ela mora e da qual é membro. Empolgada, quis ampliar a iniciativa, fazer crescer esse movimento. “Eu fiz uma foto bonitinha, criei um projeto, fiz um perfil no Instagram e joguei nos grupos de WhatsApp dos quais participo. A ideia era que as pessoas fizessem nos seus prédios também”.

Nem sempre a ideia cola. “Alguns amigos adoraram a proposta, mas no final das contas não fizeram nada. Outros me disseram que achavam que estariam incomodando os moradores. Mas expliquei que era o contrário, que no meu prédio os vizinhos ficaram superfelizes com a ação, em poder ajudar sem sair de casa”, comentou Julia, sem desanimar de seu projeto.

Julia Maria Viero, 19 anos, criou um projeto buscando a solidariedade durante da pandemia de coronavírus: ela recolheu alimentos no prédio onde mora para doar
Julia Maria Viero, 19 anos, criou um projeto buscando a solidariedade durante da pandemia de coronavírus: ela recolheu alimentos no prédio onde mora para doar. (Arquivo pessoal)
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Eu continuo comprando frutas e legumes com os feirantes de quem eu sempre comprei. Se eu passar a comprar nos supermercados, eles não terão fonte de renda

Isabela Castello
Designer
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Pedalaço solidário

Motivar gente, aliás, é algo que o professor Nei Robson, 32 anos, sempre fez muito bem. Suas aulas de bike sempre foram lotadas! Agora, com as academias impedidas de funcionar, ele resolveu juntar sua turma e aliar o exercício com a vontade de ajudar o próximo.

Foram duas lives solidárias que ele comandou com a esposa, a arquiteta Larissa Zanotelli Villaschi, 27 anos, e mais dezenas de pessoas pedalando ao mesmo tempo, todas em suas casas, unidas por meio de um aplicativo de videochamada.

Na primeira live, a meta era atingir 50 cestas básicas. Conseguiram 66 unidades. Na segunda, a meta era de 100 cestas. “Arrecadamos 110 cestas básicas e 50 máscaras. Vamos doar para o Projeto 23 de Maio, em Terra Vermelha”, diz, agradecido, o profissional de Educação Física.

O  professor Nei Robson e a esposa, a arquiteta Larissa Villaschi: aulas de bike coletivas , via aplicativo, em nome da solidariedade
O professor Nei Robson e a esposa, a arquiteta Larissa Villaschi: aulas de bike coletivas , via aplicativo, em nome da solidariedade. (Arquivo pessoal)

Nessa onda de solidariedade, o apoio surge em muitos formatos. As redes sociais, por exemplo, viraram um grande canal de ajuda, onde pessoas oferecem aquilo que têm de melhor, de graça.

Zina Leal também está lá na Internet. Sem sair de casa, ela tem feito a diferença. Em seu perfil no Instagram, tem publicado vídeos, como o que ensina a fazer uma capa para tábua de passar roupa.

“Nesse tempo, em que a vida entra num momento de pausa, fiquei pensando o que fazer, nesse ‘intervalo de tempo’. Há anos, sou professora de modelagem e costura. Já dei aula em faculdade de moda. E nos últimos dois anos dava aula em ateliê de costura e trabalhava como oficineira. Todo o meu trabalho de costura surge da motivação através dos tecidos e linhas, poder contar histórias, por meio desses materiais. Então, eu que sempre valorizei os encontros presenciais, resolvi começar a fazer os vídeos sobre costura”, contou Zina, que é artista plástica e designer de moda.

E assim Zina vai levando um pouquinho de conhecimento aos outros em um momento de tanto aprendizado até para ela mesma.

“Vim de São Paulo. Fazia mais de 16 anos que não morava em Vitória. Me mudei no dia 18 de março, de forma relâmpaga, com a certeza de que estar perto dos meus pais e da minha família seria o melhor nesta fase! Estou passando a quarentena com meus dois filhos, sendo que um deles não morava comigo havia quatro anos; com meu pai, que está com 96 anos; com minha mãe, de 86, e com meu irmão. Isso tem sido um aprendizado: manter a calma, viver cada dia e buscar em pequenas coisinhas a alegria. Como num céu azul ou num passeio pelo jardim, vendo as flores e ou colhendo acerolas, cajá, rúcula e algumas outras coisinhas deliciosas, plantadas carinhosamente pela minha mãe”.

Os vídeos, diz ela, são para ajudar pessoas que estejam em casa e que por meio da costura, possam quebrar a monotonia.

“Sobretudo nesse momento acredito que são as redes de afeto que nos manterão fortalecidos, para reinventar a vida! Acredito que o isolamento ocasionado pela pandemia pode ser uma grande oportunidade para as pessoas repensarem o modo de vida, diminuir o consumo e a corrida contra o tempo. Nesta pausa, acredito que temos uma oportunidade de nos reconectar com a nossa essência, com o que temos de mais genuíno. Muitas pessoas, ao se sentirem presas em casa e privadas de encontros afetivos importantes, vão se perguntar sobre o sentido da vida. Essa reflexão favorece ao desejo de práticas voltadas para o coletivo, impulsionando e favorecendo a busca da valorização do afeto e das redes de apoio”.

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Muitas pessoas, ao se sentirem presas em casa e privadas de encontros afetivos importantes, vão se perguntar sobre o sentido da vida. Essa reflexão favorece ao desejo de práticas voltadas para o coletivo, impulsionando e favorecendo a busca da valorização do afeto e das redes de apoio

Zina Leal
Artista plástica e designer de moda.
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Dando rasteira no sedentarismo

Também é pela Internet que o Marcos dos Santos Martins encontrou sua maneira de ser solidário nesta pandemia. O Mestre Marcos, ou Contra-Mestre Gato, que é da Associação de Capoeira Raiz do Força, na Serra, participa da “Capoterapia em Casa”, levando um pouco dessa prática a centenas de pessoas durante o isolamento.

“A Capoterapia é uma forma de terapia corporal que une cantigas de roda e elementos da capoeira. Neste período, estamos fazendo vídeos e enviando para grupos de WhatsApp, junto com uma dinâmica de exercícios para que pessoas em casa, principalmente idosos, possam se movimentar, sair do sedentarismo”, explica o capoterapeuta, que faz esse trabalho junto com a esposa, Luciene Ferreira Pinto.

O capoterapeuta Marcos dos Santos Martins  e a esposa, Luciene Ferreira Pinto: solidariedade em época de pandemia
O capoterapeuta Marcos dos Santos Martins e a esposa, Luciene Ferreira Pinto: solidariedade em época de pandemia. (Arquivo pessoal)

Psicóloga e filósofa, Claudia Murta afirma que viu a solidariedade nascer desde o início da pandemia. Ela lembra uma crise como esta nos fragiliza, ao mesmo tempo em que nos lembra da nossa condição humana.

“As pessoas meio que se acham imunes, vivem com uma falsa sensação de que estão protegidas pelo desenvolvimento, pela ciência. E aí, com essa pandemia, elas se dão conta de que são humanas. Esse vírus nos lembra da nossa condição de ser humano, que vamos morrer, isso nos retorna à humanidade. E a solidariedade vem junto”, observa ela.

Claudia não sabe dizer, no entanto, se esse movimento veio para ficar ou se vai esfriar depois que a pior fase passar. “Vamos torcer para que sim, para que haja uma transformação mais profunda na sociedade. Não é o que a história nos mostra. Isso aconteceu no século 18, na outra pandemia. Na luta pela sobrevivência, as pessoas ficam solidárias. Depois, tudo volta a ser o que era antes, e elas ficam individualistas de novo”, analisa.

Ela prefere se apegar ao otimismo mesmo e fazer o que está ao seu alcance para melhorar a vida do próximo. “De casa, resolvi atender gratuitamente. As pessoas que tenho escutado mostram uma angústia muito grande nesse período. A angústia é um sentimento muito poderoso. E a gente tem que aprender a lidar com ele, pois ele pode crescer, virar pânico, desespero”, afirma a psicóloga.

Claudia Murta, psicóloga e filósofa: atendimento gratuito por telefone na quarentena
Claudia Murta, psicóloga e filósofa: atendimento gratuito por telefone na quarentena. (Arquivo pessoal)

“A solidariedade se aprende em casa”, diz psicóloga

A psicóloga e psicanalista Bianca Martins ressalta que as ações solidárias são uma excelente forma de exercitar o humano que nos habita. E principalmente uma ótima forma de transformar nossa angústia em ato.

“Ao compartilharmos, ao possibilitarmos que outro ser humano tenha acesso à questões básicas de sobrevivência, ou seja, ao cuidarmos de outro ser humano, estamos cuidados da humanidade que nos habita”.

Bianca observa que numa situação peculiar como esta, algumas pessoas são mais solidárias que as outras. “Estamos vivendo uma situação traumática. De repente e sem preparo fomos confinados dentro de casa por tempo indeterminado e sem planejamento. Cada pessoa vai lidar com isso da forma que for possível dentro das suas características emocionais. Este é, porém, um ótimo momento para repensarmos nossos modos de vida, nossos desafios na família, com os filhos, no trabalho… E principalmente nossos desafios sociais diante de tanta miséria e desigualdade que as questões de acesso à saúde provocaram”.

É numa situação de crise, diz a psicóloga, que as ações individuais impactam mais na coletividade.

“A solidariedade é algo que tem que estar na ordem do dia. Deve ser estimulada. Precisamos ser mais solidários em nossa comunidade: apoiar o comércio local, os vizinhos. Ao sair para fazer compras perguntar se alguém precisa de algo. Olhar mais ao nosso em torno. Precisamos urgentemente repensar a vida de nossas crianças, pois a solidariedade é uma prática aprendida em casa, com os pequenos atos do dia a dia. As crianças são naturalmente solidárias. Aprendem muito cedo, entre seus pares, a terem empatia pelo sofrimento alheio”, destaca Bianca.

Na casa dela, a família toda se envolveu em ações pelo próximo, da ajuda ao pipoqueiro da escola do filho, Luca, de 9 anos, à participação numa cota para confecção de 583 máscaras de proteção para doação, esta última uma iniciativa do marido de Bianca, o médico Fabrício Buzatto e seu grupo de amigos de infância.

A psicóloga e psicanalista Bianca Martins, o filho Luca e o marido, Fabrício Buzatto: família que pratica a solidariedade
A psicóloga e psicanalista Bianca Martins, o filho Luca e o marido, Fabrício Buzatto: família que pratica a solidariedade. (Arquivo pessoal)

Quer ajudar?

Núcleo de Capoterapia na Associação de Moradores de Jardim Carapina (Serra-ES) - Tel 99722-7931

Atendimento psicólógico gratuito - @gerar.clinica

Aulas de costura on-line - @a.zinaleal

Doação de alimentos - @doar_semsairdecasa

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Aulas de bike solidárias - @neirobson

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