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Vereador publica projeto para reduzir assessores na Câmara de Vitória

Vereador publica projeto para reduzir assessores na Câmara de Vitória

Roberto Martins alega que o regimento interno permite que ele publique um texto aprovado em plenário; especialistas dizem que a questão pode ser judicializada

Publicado em 31 de dezembro de 2020 às 16:19

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03/012/2019 Vereador Roberto Martins é o autor do projeto de emenda para aumento do salário de professores de Vitória
Vereador Roberto Martins é um dos autores do projeto e publicou a resolução em jornal nesta quinta-feira (31). (Assessoria de Comunicação)

Após o projeto de resolução que reduzia de 15 para oito o número de assessores que cada parlamentar pode nomear na Câmara de Vitória ter sido arquivado pela segunda vez na tarde de quarta-feira (30), depois de a redação final não ter sido votada por falta de quórum na sessão, o vereador Roberto Martins (Rede) publicou o projeto em um jornal.

Com isso, a novela, que se arrasta desde maio deste ano, e que se tornou um grande problema na Casa, vai ter que ser resolvida pelos vereadores da próxima legislatura, que tomam posse nesta sexta-feira (01). Especialistas em Direito afirmam que a questão pode ser judicializada. Já a presidência da Câmara de Vitória diz que não reconhece o ato como legítimo.

Roberto é um dos autores do projeto e alega que o regimento interno da Câmara de Vitória dá a ele poderes, enquanto membro da Mesa Diretora, de publicar um ato que não tenha sido feito pelo presidente da Casa dentro do prazo. 

"O artigo 39, parágrafo único, permite que tanto o presidente quanto os vice-presidentes possam promulgar uma decisão já aprovada em plenário, caso a redação final não tenha ficado pronta. Foi isso que eu fiz", declarou.

Confira o que diz o artigo 39 citado por Roberto Martins:

"Art 39- Parágrafo único. Cabe ao Vice-Presidente promulgar e fazer publicar, obrigatoriamente, as Resoluções e os Decretos  sempre que o Presidente, ainda que se ache em exercício, deixar de fazê-lo no prazo estabelecido."

Ainda, segundo o vereador, a publicação foi feita no jornal já que, ao tentar publicar no Diário Oficial, o atual presidente da Câmara, Cleber Felix (DEM), arquivou o despacho. 

"Eu tinha tentado fazer isso pela Câmara, publicando no Diário Oficial, mas o presidente arquivou meu despacho. Então eu fiz um novo despacho e publiquei em um veículo de comunicação, que também é um veículo oficial", justificou Roberto.

Especialistas da área de Direito divergem sobre a validade da publicação apenas no jornal, e afirmam que a atitude pode ser questionada. Mestre em Direito Constitucional e procurador federal da AGU, Dalton Morais explicou que existe uma lei que rege todas as outras, chamada de Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. O artigo 1 diz que uma lei começa a vigorar se oficialmente publicada.

"Ser oficialmente publicada não significa ser necessariamente em Diário Oficial", ressaltou.

De acordo com Dalton, no caso dos municípios, o que determina as formas de publicação é a Lei Orgânica do município. Em Vitória, o art 52 diz que a publicidade pode ser feita na imprensa oficial ou na imprensa local, isto é, permite que pode ser tanto no Diário Oficial quanto em jornais ou veículos de comunicação. 

Contudo, na visão de Dalton, como em Vitória todos os atos são publicados no Diário Oficial, a publicação em jornal não teria validade. 

"Como existe uma prática e praxe já estabelecidas no município, que tem Diário Oficial próprio e que as leis e atos municipais têm validade a partir da publicação do Diário Oficial do município, no meu entendimento, essa publicação direta em jornal não seria válida para dar vigência e eficácia de dispositivo legal, porque ele teria que ser publicada no Diário Oficial", opinou. 

Para o especialista em Direito Constitucional e professor da FGV, Anderson Pedra, a validade da publicação até pode ser questionada, mas, antes disso, precisa ser respeitada. Ou seja, na visão dele, o projeto de resolução publicado por Roberto tem que ser cumprido pelos vereadores que tomam posse nesta sexta-feira (01). Isso não impede, no entanto, que eles recorram à Justiça para invalidar a publicação. 

"Todo ato publicado presume-se legítimo, ou seja, temos que cumprir esse ato até que venha um novo ato ou ordem judicial dizendo que é inválido. O regimento da Câmara permite que o vereador Roberto faça a publicação enquanto vice-presidente. Na minha visão, o projeto de resolução publicado pelo vereador Roberto goza de presunção de legitimidade", afirmou.

"O ato existe e foi publicado. O que se pode discutir é a publicização dele. Pode-se entender que deveria ter ocorrido no Diário Oficial também, como forma de convalidação. Quem se sentir prejudicado, no caso os próximos vereadores, pode entrar com um novo ato ou ordem judicial", finalizou. 

CÂMARA DE VITÓRIA NÃO RECONHECE ATO

Procurada pela reportagem, a Câmara de Vitória informou, por meio de nota, que a publicação de Roberto Martins "não é um ato oficial praticado pela Casa, sendo o ato praticado pelo vereador Roberto Martins inexistente".

O entendimento, segundo o Legislativo, é corroborado por um parecer de um procurador da Câmara. “Referente ao Projeto de Resolução no 36/2019, não há que se falar em inércia/omissão a respaldar o ato praticado pelo 3o Vice-Presidente desta Casa de Leis, com base no art. 39, parágrafo único do Regimento Interno.”

O presidente da Câmara de Vitória, Cleber Félix, e o procurador-geral Tarcísio Corrêa não atenderam às ligações da reportagem para esclarecer o assunto. 

O PROJETO E A NOVELA

O texto original do projeto previa a redução de 15 para 10 no número de assessores para cada vereador.  Ele foi votado no plenário em 6 de maio, e aprovado por oito votos a quatro – inclusive o do presidente Cleber Felix e o do futuro, Davi Esmael. Foram aprovadas duas emendas: uma para que fosse exigido que 50% dos assessores tenham nível superior, e outra, de autoria de Max da Mata, acolhida pelo plenário, que modificou a redução para oito assessores por vereador. 

O limite mensal com gasto com pessoal por gabinete, a partir de 2021, ficaria limitado a R$ 29 mil. Hoje é de R$ 36,6 mil. Isso traria uma economia anual de R$ 2,5 milhões em gasto com pessoal. O número máximo de assessores a serem indicados pelos vereadores seria de 120 funcionários, 105 a menos do que é possível atualmente.

Após a aprovação do projeto, o presidente Cleber Felix e outros vereadores foram às redes sociais e deram entrevistas sobre a medida. Muitos fizeram propaganda, capitalizando o "sacrifício" e a "demonstração de responsabilidade e economia."

Sete meses após o projeto de resolução ter sido aprovado em plenário, no entanto, uma etapa protocolar, a votação da redação final, ainda estava pendente. A resolução nunca chegou a ser publicada no Diário Oficial, para adquirir valor legal e poder entrar em vigor em 2021, quando começa a próxima legislatura. A redação final é o procedimento feito quando um projeto é aprovado com emendas, e portanto precisa retornar às comissões correspondentes. Aprovar redação final de algo já votado em plenário é sempre um último passo, considerado burocrático, feito geralmente na mesma sessão.

O colunista Vitor Vogas chamou a atenção para o "esquecimento" dos vereadores, e houve pressão para a retomada do projeto. Mas a poucos dias do fim do mandato, os vereadores não haviam dado a redação final à resolução, e nem indicavam que iriam dar.

O presidente da Comissão de Finanças, Dalto Neves, recebeu o projeto em agosto – três meses após a votação em plenário – e até dezembro não havia dado andamento. Após mais pressão, Clebinho designou outro relator, Luiz Paulo Amorim, que também não chegou a dar a redação final. 

vereadores atual legislatura (2017-2020)
Dalto Neves e Luiz Paulo Amorim foram designados como relatores do projeto, mas não deram andamento à redação final . (Montagem A Gazeta)

O texto recebeu pressão tanto por sua publicação, feita por segmentos da população e por alguns vereadores, como também a pressão pelo seu arquivamento, feita inclusive pelos novos vereadores, eleitos para assumir em 2021, e que são contrários à medida, também pelos reeleitos e até mesmo pelos suplentes. Isso porque a redução os afetaria diretamente, disponibilizando menos vagas para acomodar aliados.

Em meio a isso, Cleber Felix decidiu, sozinho, arquivar a ideia, alegando um vício de iniciativa na proposição de uma das emendas aprovadas em maio, o que foi considerado um tecnicismo, um formalismo regimental. O Ministério Público Estadual foi acionado e juristas apontaram a ilegalidade da manobra. Depois, Clebinho, voltou atrás, desarquivou, e disse que pautaria o projeto para esta quarta, o que não ocorreu.

A resolução deveria ser promulgada ainda em 2020 para passar a valer em 2021. Como isso não foi feito, os futuros vereadores vão poder nomear a mesma quantidade de assessores em vigor hoje. E os principais beneficiados são novatos, uma vez que dos 15 parlamentares, apenas cinco foram reeleitos. Nos bastidores, os novatos pressionaram para que a sessão desta quarta fosse esvaziada.

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Os cargos em questão são comissionados, de livre nomeação e exoneração. Assim, até mesmo quem perdeu a eleição pode garantir abrigo para aliados a partir do ano que vem em gabinetes de quem ainda vai assumir.

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