Publicado em 18 de dezembro de 2020 às 21:51
O arquivamento do projeto que reduzia de 15 para oito o número de assessores para cada vereador na Câmara de Vitória é considerado ilegal por pelo menos quatro juristas ouvidos pela reportagem de A Gazeta. De acordo com eles, essa atitude não poderia ter sido tomada após a aprovação do texto em plenário. >
O projeto de resolução foi aprovado em maio pelos vereadores, por oito votos a quatro, e aguardava apenas a redação final, com a nova regra, para a publicação. No entanto, na noite de quinta-feira (17), o presidente da Câmara, Cleber Felix (DEM), arquivou o projeto.>
Um parecer do procurador-geral da Casa, Tarcísio Corrêa, apontou vício de iniciativa na emenda substitutiva apresentada pelo vereador Max da Mata (Avante), acolhida pelo plenário, que modificou o projeto original. A autoria, de acordo com ele, deveria ser da Mesa Diretora.>
O argumento é discutível, segundo especialistas na área de Direito Constitucional, mas não dá poder ao presidente da Câmara de arquivar um projeto que foi aprovado em plenário.>
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"A atribuição para manifestar pela validade e constitucionalidade de uma matéria é da Comissão de Constituição e Justiça", afirma o advogado constitucionalista Cláudio Colnago. Como o projeto já passou até pelo plenário da Casa, composto por todos os vereadores, o ciclo já está completo.>
Cláudio Colnago
Especialista em Direito ConstitucionalA fase de redação final é considerada meramente protocolar e visa apenas como o próprio nome diz sacramentar o texto segundo o que fora aprovado. Não é momento de debater sobre juízo de valor da norma, acrescenta o professor de Direito Constitucional da Ufes Ricardo Gueiros. >
O problema de inconstitucionalidade havia sido detectado desde maio. A procuradoria-geral alertou que o projeto só poderia ser proposto pela Mesa Diretora. Mas o plenário, que tem a prerrogativa de acatar ou não o parecer da procuradoria, decidiu seguir com o projeto, que foi aprovado pela maioria dos vereadores. >
Por causa disso, o correto, agora, segundo os juristas, seria promulgar, publicar o projeto, mesmo em caso de vício constitucional. Posteriormente, a resolução poderia ser questionada no Poder Judiciário. >
Uma vez aprovado, o processo legislativo deve ser promulgado. A partir dessa promulgação, caso constatado vício, poderia imediatamente se fazer uma outra resolução para revogar essa anterior, ou utilizar os mecanismos judiciais, acionando o Judiciário, explica o professor de Teoria da Constituição na FDV, Anderson Sant'Ana Pedra. >
Anderson Sant'Ana Pedra
Professor e especialista em Direito ConstitucionalNo parecer do Procuradoria-Geral da Câmara de Vitória, o procurador Tarcísio Corrêa argumenta que houve vício de iniciativa na emenda substitutiva apresentada pelo vereador Max da Mata (Avante). >
De acordo com Corrêa, o regimento interno é claro ao dizer que compete à Mesa Diretora propor projetos de resolução que criem, transformem e extingam cargos, empregos ou funções da Câmara. Assim, segundo ele, a emenda teria que ter sido proposta pela Mesa. >
O procurador federal da Advocacia Geral da União (AGU) e professor mestre em Direito Constitucional Dalton Morais afirma que a consideração da procuradoria da Câmara de Vitória está correta. Contudo, o fato de a apresentação de um projeto caber à Mesa Diretora não impede que uma emenda substitutiva, por exemplo, seja apresentada por outros parlamentares, a não ser em casos que ela aumente a despesa ou apresente uma matéria diferente do projeto inicial.>
No caso da emenda de Max da Mata, que é questionada pela procuradoria, há alteração na proposta original. No texto inicial, a redução era de 15 assessores para dez. Com a emenda, passou de 15 para oito. >
Dalton Morais
Professor e procurador federal da AGUPara Colnago, o argumento da procuradoria é fraco e desrespeita a decisão tomada em plenário. >
Esse argumento é escandalosamente fraco e não deveria ser utilizado, é um desrespeito com os demais vereadores, que não deveriam aceitar isso. O plenário é soberano, não se pode simplesmente arquivar um projeto, afirma. >
De acordo com Dalton Morais, é possível anular o arquivamento do projeto. Para isso, os vereadores têm que entrar com um pedido de liminar na Justiça. >
Penso que os parlamentares interessados, principalmente os autores da emenda, podem impetrar mandado de segurança com pedido de liminar para ver assegurado o seu direito líquido e certo de ter a matéria continuada na atual legislatura, mediante a anulação do ato ilegal do presidente da Câmara, afirmou. >
A Gazeta entrou em contato com os parlamentares da atual legislatura. Nenhum deles manifestou interesse em acionar a Justiça. >
Em maio deste ano, por maioria de votos, a Câmara de Vitória aprovou um projeto que reduzia de 15 para oito o número de assessores que cada vereador poderia ter. A aplicação se daria a partir de 2021, quando começa a próxima legislatura. >
Na época, a atitude foi comemorada pelos parlamentares e anunciada como uma medida de corte de gastos para enfrentar os efeitos da pandemia de Covid-19. A resolução representaria uma economia de até R$ 2,5 milhões por ano para os cofres municipais. >
Durante a tramitação, o projeto aprovado recebeu uma emenda da Comissão de Finanças, de autoria do vereador Davi Esmael (PSD), que obrigava que ao menos 50% dos assessores tivessem curso superior. Como a proposta veio do colegiado de Finanças, em agosto, o projeto foi entregue a um integrante da comissão, Dalto Neves (PDT), para redigir a redação final. Contudo, passados mais de 90 dias, isso não foi feito. >
O prazo era de 20 dias, prorrogáveis por mais 20 dias. Reeleito neste ano, Dalto havia votado contra a redução do número de assessores. >
No início de dezembro, após o colunista Vitor Vogas alertar que a resolução não havia sido publicada e, por isso, não teria validade, Clebinho pediu a devolução do projeto à Mesa Diretora. Logo depois, o repassou a Dalto novamente e estabeleceu a última sexta-feira (11) como prazo para a redação final. >
Dalto não redigiu e a batata-quente foi repassada para o vereador Luiz Paulo Amorim (PV) na terça-feira (15), que teria dez dias úteis, como determina o regimento, para cumprir com a etapa final de tramitação.>
Nesta quinta-feira (17), Amorim pediu um parecer da Procuradoria da Câmara sobre a proposta, que apontou vício de iniciativa, pelo fato de o texto não ter sido proposto pela Mesa.>
A partir disso, Cleber Felix, que havia apoiado o projeto em maio, decidiu arquivar a proposta. Ou seja, sete meses após ter sido aprovado em plenário o projeto foi arquivado. >
Procurada pela reportagem, a presidência da Câmara de Vitória disse que seguiu o parecer da procuradoria-geral para arquivar o projeto. Ao ser questionada sobre a legalidade dessa atitude, a presidência informou, por meio da assessoria, que o regimento interno dá a prerrogativa ao presidente do arquivamento de projetos, encaminhando um desses artigos que diz:>
"Art. 35 São atribuições do Presidente, além das expressas neste Regimento e das que decorram da natureza de suas funções e prerrogativas: d) dar-lhes o encaminhamento regimental, declará-las prejudicadas, determinar seu arquivamento ou sua retirada, nas hipóteses previstas neste Regimento;">
Contudo, o artigo não dispõe sobre o arquivamento de projetos após serem aprovados em plenário. Ao quer questionada sobre esse ponto, a Câmara não se manifestou. >
A reportagem não conseguiu contato com o procurador-geral da Câmara, Tarcísio Corrêa.>
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