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Com queda de receita, Poderes do ES tendem a exceder limites de gasto com pessoal

Com queda de receita, Poderes do ES tendem a exceder limites de gasto com pessoal

Simulação feita por A Gazeta a partir de estimativa da Secretaria de Estado da Fazenda mostra que TJES e MPES devem ultrapassar limites da LRF caso mantenham despesa

Publicado em 13 de maio de 2020 às 19:59

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Assembleia Legislativa, Palácio Anchieta e Tribunal de Justiça: se aprovada a proposta, todos os poderes ficarão impedidos de dar reajuste
Assembleia Legislativa, Palácio Anchieta e Tribunal de Justiça: queda na arrecadação muda situação dos entes em relação à Lei de Responsabilidade Fiscal. (Reprodução)

A iminente queda da arrecadação no Espírito Santo – o governo estadual estima R$ 3,4 bilhões de perda em 2020 – deve trazer impactos também no cumprimento, por parte de Poderes e instituições, do teto de gastos com pessoal definido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Com menos impostos entrando no caixa, queda no consumo interno e a crise internacional no mercado do petróleo (que afeta o volume de royalties), o Estado deve reduzir sua receita corrente líquida (RCL), que é vinculada às despesas com pessoal de todos os Poderes. Se a RCL cai, os gastos com pessoal também precisam diminuir.

Contudo, se o volume de gastos com pessoal registrado em março – apurado nos últimos 12 meses – for mantido no próximo quadrimestre, alguns Poderes podem ter dificuldades. É o caso do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), que deve extrapolar o limite máximo imposto pela LRF, e o Ministério Público do Espírito Santo (MPES), que deve entrar no limite prudencial. Esta é a estimativa feita a partir da projeção da RCL calculada pela Secretaria de Estado da Fazenda a pedido da reportagem de A Gazeta

A despesa com pessoal engloba gastos fixos, como o pagamento de salários de servidores ativos, inativos e pensionistas, além de outros encargos trabalhistas, como deduções previdenciárias. Portanto, cortes nessas áreas são considerados mais delicados pelos gestores.

Em termos de receita corrente líquida, que é o parâmetro adotado pela LRF, a estimativa é que o Espírito Santo tenha R$ 11,8 bilhões nos cofres este ano, R$ 2,9 bilhões a menos do que estava previsto no orçamento. O Estado deve receber ainda R$ 1,4 bilhão de repasses da União para compensar a perda de receita, isso se o projeto de socorro for sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro tal como foi aprovado pelo Congresso no que se refere à cifra. Assim, a projeção da RCL é de R$ 13,3 bilhões para este ano.

A questão já vem sendo tratada em conjunto com os chefes dos Poderes e instituições em reuniões semanais, capitaneadas pelo governador Renato Casagrande (PSB). Na última semana, eles firmaram um acordo para cortar gasto em todos os setores. Um encontro estava marcado para esta quinta-feira (14), mas, de acordo com a assessoria de imprensa do governador, acabou adiado, justamente para que haja mais tempo para a elaboração de estudos. Não há nova data para a reunião.

Desembargador Ronaldo Gonçalves de Sousa, presidente do TJES, na cerimônia de homenagem a Bourguignon
Desembargador Ronaldo Gonçalves de Sousa, presidente do TJES: gestor terá tarefa difícil para não deixar o Judiciário passar dos limites da LRF. (Divulgação/TJES)

TJES PODE VOLTAR A EXTRAPOLAR LIMITE FISCAL

No Judiciário estadual, a despesa total com pessoal – que inclui os gastos com servidores e membros do Poder (juízes e desembargadores) ativos, inativos e pensionistas – chegou a R$ 804,3 milhões no acumulado dos últimos 12 meses. O volume representaria 6,05% da receita corrente líquida projetada, já considerando a queda na arrecadação e a ajuda federal.

Com o percentual, o TJES ultrapassaria o limite legal estabelecido pela LRF,  já que o gasto com a folha de pagamento no Judiciário deve ser de, no máximo, 6% da RCL. Confirmada a nova projeção do Estado, o Tribunal deveria ter uma despesa de pessoal de até R$ 796,5 milhões para não exceder o teto da legislação.

A elevada despesa do Poder Judiciário com servidores e membros faz acender o alerta para o cumprimento da legislação em um momento de queda de receita. O TJES já registrou gasto com pessoal acima do limite legal imposto pela LRF entre 2015 e 2016. O presidente do Poder, desembargador Ronaldo Gonçalves de Sousa, já promoveu alguns cortes após o início da pandemia, com a proibição de despesas com viagens, diárias, redução de gastos com energia e locação de imóveis, entre outras medidas. Porém, os atos, apesar de reduzirem despesas, não entram na conta de gastos com pessoal.

O Tribunal conseguiu a aprovação na Assembleia de um projeto que reestrutura a carreira dos servidores, dificultando promoções. A lei deve estabilizar o gasto e impedir que ele cresça ainda mais. A economia prevista é de R$ 88 milhões até 2022, mas não reduz o volume atual da folha de pessoal. 

Procurado pela reportagem, o Tribunal informou, por meio de nota, que "muito embora os dados apresentados pela Secretaria de Estado da Fazenda, quanto à previsão de queda na arrecadação em decorrência da pandemia, sejam ainda uma estimativa, caso haja alteração do percentual de forma objetiva, o que ainda não ocorreu, o Poder Judiciário Estadual adotará todas as medidas necessárias, dentro do prazo legal, para sua efetiva readequação".

O TJES também destacou que, atualmente, está dentro do limite da LRF, com o equivalente a 5% da RCL comprometidos com folha de pagamento. Além disso, lembrou da alteração no plano de cargos e salários dos servidores, anteriormente mencionada.

MPES PODE ENTRAR NO LIMITE PRUDENCIAL

Ministério Público do Espírito Santo (MPES) também deve enfrentar um cenário difícil nos próximos meses. O órgão gastou R$ 256,96 milhões com a folha de pagamento nos últimos 12 meses.  Levando-se em consideração a projeção da Secretaria Estadual da Fazenda, o montante representaria 1,9% da receita corrente líquida do Estado. Com isso, o Ministério Público entraria no limite prudencial de gasto com pessoal estabelecido pela LRF, que é de 1,8%. O limite legal para a entidade é de 2%, cerca de R$ 265,5 milhões.

Em nota, o Ministério Público lembrou que os dados apresentados pela Fazenda são estimativas e que, caso ela se concretize, adotará medidas impostas pela própria LRF. "A instituição já trabalha diuturnamente no viés de economia com máxima eficiência", informou, por nota.  Alguns cortes em despesas gerais também já foram adotados, como a proibição de afastamento de membros e servidores para participar de eventos, concessão de diárias, aquisição de licenças de softwares, compra de equipamentos e contratos de serviços. Assim como no Judiciário, contudo, essas medidas não reduzem despesas com a folha de pessoal.

Como foi feita a simulação?

1. A reportagem procurou a Secretaria de Estado Fazenda (Sefaz) para saber a estimativa da receita corrente líquida (RCL) para o ano, após a projeção de perda de R$ 3,4 bilhões em arrecadação em 2020. O cálculo feito pela equipe econômica do governo é de que a RCL chegue a R$ 11,855 bilhões. 

2. Além deste número, conforme orientado por especialistas, acrescentamos os valores que o Estado deve receber da União, como repasses para compensar a queda na arrecadação. Segundo a Sefaz, estas transferências devem chegar a R$ 1,42 bilhão. Assim, chegamos à projeção de R$ 13,275 bilhões de RCL em 2020. 

3. Para comparar com os gastos com pessoal, usamos a despesa calculada no último relatório quadrimestral fiscal de cada Poder, disponibilizado em março nos portais da transparência. 

4. Por fim, calculamos o percentual de comprometimento dos gastos de cada um com a RCL, observando os limites estabelecidos pela LRF. 

5. O cálculo foi acompanhado pelo economista e editor do anuário Finanças dos Municípios Capixabas, Alberto Borges.

GASTOS COM PESSOAL NO EXECUTIVO

O governo do Estado, que detém o maior volume de servidores em comparação com os demais Poderes e instituições, ficaria com a despesa com pessoal próxima ao limite de alerta (44,1%) considerando a projeção da receita corrente líquida. O gasto com ativos, inativos e pensionistas nos últimos 12 meses foi de R$ 5,8 bilhões, o que representaria 44,06% da RCL estimada. O limite legal para o Executivo estadual é de 49%. 

Segundo o secretário da Fazenda, Rogelio Pegoretti, não há expectativa de melhora na projeção da receita. Para ele, ainda é cedo para prever quando a arrecadação deve se estabilizar.

"Os efeitos financeiros dessa crise começam a aparecer com maior força agora no mês de maio, já que é um resultado das operações econômicas de abril. O governo do Estado vai implementar um controle rigoroso dos gastos, com a receita ainda mais justa no orçamento. O objetivo é tentar manter o equilíbrio fiscal, sem prejudicar os serviços prestados", afirmou.

Pegoretti conta que o Estado já estuda algumas alternativas para reduzir as despesas com pessoal, mas não detalhou as ações que estão em debate. "Várias medidas de cortes de gastos já foram adotadas e outras serão anunciadas em breve", adiantou.

A Assembleia Legislativa do Espírito Santo, com gasto nos últimos 12 meses de R$ 116 milhões com pessoal, compromete 1,19% da nova projeção da RCL. O limite máximo é de 1,53%. Em nota, a Assembleia informou que estará atenta às normativas da LRF com a redução da RCL e destaca que tem atuado na redução de despesas totais, que resultaram em um corte de R$ 8 milhões no orçamento e uma economia de R$ 1,2 milhão em abril e maio.

Já o TCES tem uma despesa de R$ 116 milhões, que representa 0,87% da receita estimada.  O teto para a entidade é de 1,17%, ou seja, o Tribunal de Contas só atingiria o limite máximo se a folha chegasse a R$ 172,5 milhões, considerando a projeção de uma receita corrente líquida menor. A entidade tem estudado medidas para se readequar e informou que deve se posicionar nos próximos dias.

Tribunal de Contas do Estado (TCES)
O Tribunal de Contas do Estado (TCES) monitora a saúde fiscal dos Poderes, mas também deve obedecer à LRF. (Divulgação/TCES)

CONSEQUÊNCIAS PODEM COMEÇAR A VALER EM JULHO

Os Poderes que extrapolarem os limites da LRF podem sofrer as consequências determinadas pela lei a partir de julho, quando se encerra o próximo quadrimestre, período de análise adotado pela norma. Os entes que chegarem ao limite prudencial passam a ficar proibidos de conceder reajuste salarial, criar cargos e contratar hora extra, entre outras vedações.

Caso ultrapasse o limite máximo, o Poder ou órgão deverá eliminar o excedente nos dois quadrimestres seguintes. As alternativas, segundo a própria lei, são a extinção de cargos e funções ou redução dos valores a eles atribuídos. A redução de salários, no entanto, está barrada, liminarmente, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Se o Poder ou instituição se mantiver acima do limite, o ente não poderá receber transferências voluntárias, obter garantia de outros entes ou contratar operações de crédito.

Como medida para evitar gastos excessivos, o Congresso Nacional aprovou um projeto de socorro aos Estados e municípios. Como contrapartida, os Três Poderes, nos âmbitos federal, estadual e municipal, devem congelar os salários de uma série de categorias de servidores até dezembro de 2021

VEJA COMO A PROJEÇÃO DA RECEITA PODE AFETAR OS LIMITES DA LRF

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