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Caso Durão: especialistas dizem que silêncio não é consentimento para sexo

Caso Durão: especialistas dizem que silêncio não é consentimento para sexo

Decisão que absolveu Luiz Durão de acusação de estupro recebeu críticas de especialistas em Psicologia e Direito

Publicado em 25 de outubro de 2019 às 18:15

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Para especialistas, mulher não precisa dizer expressamente que não aceita . (Pixabay/Imagem ilustrativa)

O fato de uma mulher não dizer expressamente que não deseja ter relação sexual com um homem não significa consentimento e, portanto, não é capaz de desconfigurar um crime de estupro. É o que afirmam especialistas em Psicologia e Direito consultadas por A Gazeta após reportagem revelar o teor da sentença que absolveu o ex-deputado estadual Luiz Durão (PDT) de acusação de estupro premeditado. (Leia análises abaixo)

Um dos principais pontos para a absolvição foi o fato de a jovem levada a um motel pelo político em 4 janeiro, quando tinha 17 anos, não ter sofrido violência nem ter verbalizado ao então deputado estadual, na época com 71 anos, não querer passar por aquilo. A Justiça, em primeira instância, concluiu não haver prova suficiente para a condenação.

Para a juíza da 2ª Vara Criminal da Serra, Letícia Maia Saúde, a garota tinha todas as condições de manifestar alguma resistência, pois estava "próxima de ingressar na vida adulta, apresentava "desenvoltura nos esclarecimentos dos fatos" e possuía "avançada compleição física". A magistrada descreveu a postura da jovem como "passiva". 

"Percebe-se que ele, fruto de uma cultura machista e patriarcal que ainda trata a mulher como um objeto, não soube interpretar o comportamento da ofendida, acreditando que ela aceitava, mesmo que passivamente, suas investidas bem como acreditou não existir 'qualquer problema entre eles', nem mesmo qualquer oposição ou resistência por parte da suposta ofendida", frisou na decisão de 16 de outubro.

MENSAGENS DE CELULAR

Luiz Durão ofereceu uma carona à garota, de Linhares a Vitória. Embora ela não tivesse falado nada a ele durante a viagem, disparou mensagens para amigos relatando medo. Usou palavras e expressões como "sem reação", "sofrendo assédio", "chorando", "não conseguia falar nem fazer nada" e disse que fez "o que ele queria para acabar com isso logo". 

Ela também enviou a localização do motel para os amigos. Foram eles que chamaram a polícia. O flagrante ocorreu quando Luiz Durão deixava o local com a jovem no carro

ANÁLISES

Segundo a doutora em Psicologia Forense e responsável pelo Núcleo de Atendimento à Mulher da UVV, Arielle Scarpati, são comuns casos em que mulheres vítimas de violência não  conseguem manifestar qualquer reação.

"A maioria das vítimas de estupro sofre violência por pessoas conhecidas e/ou próximas, sem que haja uso de violência física explícita para perpetração do ato. Ignorando-se, aqui, os efeitos da relação de poder prévia na maneira como a vítima reagiu ao fato. Além disso, o que se nomeia como “postura passiva” nada mais é do que uma reação comum e até mesmo esperada, em casos com essas características (ainda mais quando se considera que a vítima já havia relatado sentimento de ‘intenso medo’)", afirmou. 

Scarpatti também se disse preocupada com o argumento de que o político não teve capacidade de interpretar os sinais emitidos pela adolescente em razão de ele ter sido criado sob uma cultura machista. Isso, segundo ela, faz com que atos violentos sejam considerados naturais. 

"Utilizar esse argumento, no entanto, para não punir adequadamente um ato violento é legitimar o ocorrido. Precisamente, pela transferência de responsabilidade do agressor (que 'não sabia o que estava fazendo') e colocando-a na vítima ('que não soube se posicionar adequadamente')", declarou.

NO DIREITO

Presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB no Espírito Santo, Flávia Brandão, também fez ressalvas à decisão, com base no publicado por A Gazeta.

Aspas de citação

A ideia de que a mulher é sempre culpada, simplesmente pelo fato de ser mulher, por sua  forma de vestir ou de olhar, não pode mais ser admitida. Se a mulher diz que não houve consentimento, não se pode questionar essa verdade, especialmente se ainda for menor. Silêncio não é sim. Silêncio realmente pode ser medo, pânico.

Flávia Brandão
Presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB no Espírito Santo
Aspas de citação

"A luta pelo fim do machismo e da submissão das mulheres à violência de todo gênero é uma luta que não pode parar, para que casos como o citado sejam a cada dia mais raros e punidos com maior rigor", frisou.

Professora de Direito da Faesa e mestre Direitos e Garantias Fundamentais, Magali Gláucia sublinhou que a doutrina do Direito reconhece que, em casos de estupro, o desacordo não precisa ser verbalizado. Mas o consentimento, sim. 

Aspas de citação

A doutrina penal diz que a vítima não precisa de nenhuma forma se debater, dizer expressamente que não aceita. A anuência é que tem que ser expressa, explícita. No caso dela, ela disse que o medo a paralisou. O medo pelo cargo que ele ocupa, pela 'fama de matador' que citou, pela situação que ela se encontrava, dentro do carro dele

Magali Gláucia
Professora de Direito da Faesa e mestre Direitos e Garantias Fundamentais
Aspas de citação

Em outras palavras, disse a professora, para que um crime dessa natureza reste configurado, não é necessário que a ameaça ou violência contra uma uma eventual vítima seja física ou expressa.

"Ela estava em um carro com alguém para com quem já tinha um respeito anterior, alguém que convivia no seio familiar dela. E ela se sentiu ameaçada, tanto é que enviou mensagens, buscou ajuda, não se conteve. O fato de ela ter se paralisado deixa muito claro isso. Na minha opinião, o crime se tipifica quando ela se sentiu completamente intimidada ao ponto de sequer conseguir se manifestar", opinou a professora. 

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