Publicado em 24 de setembro de 2020 às 19:58
A frase a política está no sangue resume bem um cenário curioso nas eleições municipais de 2020 no Espírito Santo. Pais e filhos, marido e mulher e irmãos de diferentes partidos e cidades vão disputar simultaneamente o pleito em novembro, alguns pela primeira vez. Há casos em que eles não estão lado a lado. Ao contrário, vai ter enfrentamento nas urnas, como em Cariacica e Cachoeiro de Itapemirim. >
A política brasileira sempre foi marcada por famílias com mais de um representante no poder. "Isso era muito comum antigamente, com os clãs familiares, e adquiriu novas formas ao longo dos anos", comenta o cientista político João Gualberto Vasconcellos.>
"O que eu vejo de diferente é que pessoas da mesma família passaram a disputar cargos por partidos diferentes e até se enfrentando, o que chega a ser curioso", declarou.>
Em alguns casos, essa presença de familiares no processo eleitoral pode ser explicada por meros ideais e influência, mas também é usada como forma de perpetuar o poder da família na política, o que, para especialistas, não é saudável.>
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"Quando um candidato não possui dependência de um familiar para viabilizar a candidatura, é saudável, mas quando depende de um cargo, aquilo se traduz como continuidade de um legado e é nefasto. Porque aí vende-se mais a imagem de alguém do que ideias e programas do próprio candidato", analisa Fernando Pignaton.>
A Gazeta listou alguns casos curiosos de familiares que vão disputar as eleições deste ano. Confira:>
Experiente nas urnas, o ex-prefeito de Vitória João Coser (PT ) iniciou a vida partidária na década de 80 e assumiu o primeiro cargo político em 1987, como deputado estadual. >
Nos 40 anos em que está filiado ao PT, Coser já ocupou a cadeira de deputado estadual, federal e também prefeito de Vitória por dois mandatos (2004-2012). Este ano concorre novamente à Prefeitura da Capital e encontra um cenário novo nas urnas. Pela primeira vez vai disputar ao lado da filha: Karla Coser. >
Karla é advogada, tem 30 anos e estreia no pleito como candidata a vereadora. A participação dela na política contou com a influência do pai, com quem sempre trabalhou em eleições. Em 2018, foi ela quem cuidou da coordenação da campanha de João Coser a deputado federal.>
Segundo a advogada, a candidatura a um cargo público era um desejo antigo, mas que só foi viabilizado este ano, algo que não agradou muito o pai. Em um primeiro momento, foi um choque pra mim, porque ele não reagiu bem e foi contra. Mas depois eu o convenci", conta Karla. >
"Eu não estou disputando só por ser a filha do João. Em alguns espaços eu até me apresento como Karla, antes de dizer meu sobrenome. Tenho muito orgulho de ser filha dele e sei que isso abre portas, mas quero construir a minha própria história", completa.>
Entrar para a vida pública foi algo natural para o vereador de Laranja da Terra Gilsinho Gomes (Rede). Filho do ex-deputado estadual Gilson Gomes e da ex-vereadora da Serra Sandra Gomes (Rede), ele conta que o interesse pela política foi cultivado desde cedo, quando acompanhava os pais em comícios pelo Estado. >
A primeira candidatura veio em 2016, quando, aos 26 anos, Gilsinho disputou as eleições municipais e conquistou uma cadeira no Legislativo de Laranja da Terra, cidade onde possui raízes paternas. >
Quando somos filhos de político, é natural que a gente surfe no prestígio e nas portas que abrem para gente. Eu disputei sabendo que teria que conviver com essa realidade. Agora, depois do mandato, as pessoas já podem me avaliar como vereador e não mais como o 'menino do Gilson', como me chamavam, diz.>
Enquanto vereador, Gilsinho foi presidente da Câmara. Em 2018 chegou a concorrer a deputado estadual, mas não obteve êxito. Este ano ele disputa sua segunda eleição municipal, a primeira como candidato a prefeito e tendo a mãe também candidata, mas a vereadora da Serra. >
Sandra Gomes já foi vereadora do município por dois mandatos, de 2005 a 2012. Em 2014 foi candidata a deputada estadual, mas não foi eleita. Em 2016 chegou a cogitar lançar candidatura a prefeita de Laranja da Terra, mas acabou desistindo. >
Em 2017, foi nomeada secretária de Turismo, Cultura, Esporte e Lazer da Serra, na gestão de Audifax Barcelos (Rede). Foi o prefeito, inclusive, um dos responsáveis pela filiação de Sandra e de Gilsinho Gomes à Rede Sustentabilidade. Este ano, a ex-vereadora volta a disputar uma cadeira na Câmara. "Ela conta com toda certeza com o meu apoio e eu com o apoio dela. Estamos no mesmo partido, temos bandeiras diferentes, mas o DNA ideológico político é similar, declarou Gilsinho.>
Os irmãos Elisângela Altoé (PT) e Carlinhos Miranda (PSB) vão reviver em 2020 o cenário do pleito em 2016, quando concorreram ao cargo de vereador na cidade de Cachoeiro de Itapemirim. Na ocasião, apenas Carlinhos obteve sucesso e foi eleito. Este ano, vai tentar a reeleição. >
A base política de Elisângela e Carlinhos é a mesma. Foi por meio dos trabalhos sociais na igreja que eles se tornaram lideranças comunitárias e ganharam espaço dentro dos partidos. Na última eleição municipal os irmãos estavam filiados a partidos diferentes. O vereador, contudo, era do PDT. E esse foi um dos motivos que levou ao lançamento da candidatura de Elisângela em 2016. >
Nós dois éramos do PT e participávamos juntos dos eventos partidários. Havia uma construção no partido para ele ser candidato a vereador. Mas em um determinado momento, ele deixou o PT e se filiou ao PDT. Foi aí que decidi colocar em prática um projeto que eu planejava deixar mais pra frente, que era ser candidata, conta Elisângela. >
Ela lembra que em um primeiro momento houve um abalo na relação entre irmãos. Era uma situação diferente, inesperada, mas a gente aprendeu a lidar com isso. Hoje, sabemos separar bem essas relações.">
Torço para que dessa vez ela ocupe esse espaço e a gente divida a Câmara municipal. Vejo nela qualidades importantes que é necessário ter na Câmara", confessa Carlinhos. >
Pela primeira vez os irmãos Saulo (PSB) e Celso Andreon (PSD) vão se enfrentar nas urnas em uma eleição. Os dois, que já haviam concorrido ao pleito ao mesmo tempo, mas para cargos diferentes, são candidatos a prefeito de Cariacica em 2020.>
"É atípico, a gente sabe, e isso causa estranheza pra muita gente no processo eleitoral. Mas dada a nossa relação de respeito, e para preservar os laços de família, temos conseguido conduzir com muito equilíbrio isso", garante Saulo. >
Saulo Andreon foi o primeiro a ingressar na carreira política. Vereador pelo PT por dois mandatos (2001-2008), ele disputou a eleição em 2008 pelo PRTB à Prefeitura de Cariacica, mas perdeu para Helder Salomão (PT). Logo depois, saiu do cenário e voltou a atuar como professor. >
No ano em que se Saulo se despedia, o irmão caçula, Celso Andreon, fazia sua primeira participação no processo eleitoral, como candidato a vereador de Cariacica. Perdeu em 2008, mas foi eleito em 2012 e reeleito em 2016 para ocupar uma cadeira na Câmara municipal. >
Os dois tiveram como base partidária o PT, mas hoje nutrem posições políticas bem diferentes. Celso rompeu com o partido de esquerda e hoje está mais alinhado a siglas de centro-direita. Já Saulo, hoje no PSB, ainda carrega a esquerda na sua plataforma.>
Os irmãos ingressaram no processo eleitoral por motivos diferentes. O mais velho foi incentivado a entrar na política por um grupo de professores e hoje retorna à disputa por um convite do partido do governador. Enquanto Celso foi impulsionado pelo movimento eclesiástico da igreja. Ele chegou inclusive a ir para o seminário, onde conta ter amadurecido a ideia de ser candidato. "Foi quando pude ver de forma mais clara o papel da política para transformações sociais", afirma. >
Apesar das diferenças tanto partidárias quanto ideológicas, os dois afirmam que haverá muito respeito na disputa. "Em todo o meu período de atuação política, nunca misturei ambiente familiar e político, sempre tive esse cuidado. Estou bem tranquilo quanto a isso", diz Celso. >
"Posso garantir que não haverá embates e conflitos entre a gente, mas diferenças em propostas e opiniões. O processo eleitoral nos colocou em pistas diferentes, mas não somos inimigos, somos dois candidatos", acrescenta Saulo. >
Em 2004, o casal Eneias Zanelato (PT) e Jaciara Teixeira (PT) disputou junto uma eleição municipal. Ele, candidato a prefeito de São Mateus e ela, a vereadora. Na época, nenhum dos dois foi eleito, mas aquele foi o início de uma longa carreira na política. >
De lá pra cá, marido e mulher sempre estiveram presentes no pleito, mas intercalando candidaturas, inclusive no cenário estadual. Em 2012, veio a primeira vitória dessa aliança, com Eneias eleito vereador. Em 2016, foi a vez de Jaciara conquistar a vaga na Câmara municipal.>
Juntos há 24 anos, Jaciara e Eneias têm uma origem de militância semelhante, no movimento sindical. A vereadora foi representante dos servidores públicos da educação, já o marido no dos petroleiros. O casal sempre trabalhou em campanhas sindicais e posteriormente eleitorais.>
"Temos esse companheirismo de compartilhar não só a vida, mas a política. A gente não discute política o tempo todo, mas isso faz parte. E pelo fato de os dois estarem engajados politicamente, isso facilita a compreensão", declara Eneias.>
Este ano o casal vai reviver o pleito de 16 anos atrás, ele como candidato a prefeito e ela como vereadora, tentando a reeleição. Caso os dois sejam eleitos, Jaciara, enquanto vereadora, terá um papel importante a cumprir: o de fiscalizar a gestão do próprio marido. >
Enquanto isso, na eleição à Prefeitura de Viana, o casamento no pleito foi feito entre um casal que não possui mais aliança matrimonial. A candidata a prefeita Cida Rocha (Avante) tem como vice o ex-marido Sanclér do Cartório (Avante). Os dois estão separados há 17 anos, mas decidiram se unir novamente, desta vez para disputar o pleito. >
Candidato a prefeito de Vitória, o vereador Mazinho dos Anjos (PSD) é sobrinho do deputado estadual Enivaldo dos Anjos (PDT), este ano também candidato à prefeitura, mas de Barra de São Francisco, no Norte do Estado. Apesar de ambos atuarem na política, eles nunca disputaram um pleito juntos, o que deve se concretizar em novembro. >
A carreira política de Enivaldo é longa, mas grande parte dela foi construída quando Mazinho ainda era criança. A primeira eleição disputada pelo deputado foi para uma cadeira na Assembleia Legislativa, em 1982, quando o sobrinho tinha apenas um ano. Enivaldo não foi eleito, mas quatro anos depois voltou a ser candidato e saiu vitorioso. Após dois anos de mandato como deputado, resolveu disputar a primeira eleição para prefeito de Barra de São Francisco. Foi eleito e ficou até 1992. >
Logo depois, foi convidado a assumir uma pasta no governo do Estado, na época comandado por Albuíno Azeredo, permanecendo lá por dois anos. Em 1994 disputou a eleição como candidato a deputado estadual, sendo mais uma vez eleito. Só saiu em 2000, quando assumiu a posição de conselheiro no Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCES) onde permaneceu por dez anos.>
Foi no ano que Enivaldo se afastou do processo eleitoral que Mazinho deu início à trajetória política. Em 2000 o vereador entrava na faculdade para cursar Direito. Na universidade, participou de movimentos estudantis e foi presidente e vice-presidente do diretório de estudantes. Logo depois de formado, o advogado integrou o grupo de jovens empreendedores, sendo lançado candidato a vereador como representante do setor em 2016. Foi eleito naquele ano.>
Mazinho está terminando seu primeiro mandato como vereador e se prepara para sua segunda eleição em novembro, desta vez como prefeito. Enivaldo, depois de vários mandatos como deputado, volta a disputar a prefeitura de Barra de São Francisco. Apesar do parentesco, eles possuem redutos e ideologias bem distintas, mas afirmam torcer pelo sucesso um do outro nas eleições.>
"A minha base política é no Norte e dele em Vitória. Não trocamos conselhos políticos, até porque fazemos política de forma diferente. Mas considero Mazinho uma pessoa preparada, profissional, e toda a pessoa que eu puder pedir voto para ele em Vitória eu vou pedir", declarou Enivaldo. >
"A nossa relação de sobrinho e tio é excelente, temos uma visão política um pouco diferente e o nosso eleitor também é diferente, mas tenho um respeito muito grande pela trajetória dele", afirma Mazinho.>
A dupla quase contou com mais um parente na disputa do pleito deste ano, o filho de Enivaldo, Giulianno dos Anjos (Avante). Ele teve a pré-candidatura anunciada pelo partido para concorrer à Prefeitura de Água Doce do Norte, mas mudou de ideia e decidiu apoiar outro candidato: Jacy Donato (PV), o atual prefeito, que morava nos Estados Unidos quando era vice, e que comanda a cidade desde a morte do prefeito Paulo Márcio Leite (PSB).>
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