Tortura e ameaças de quadrilha a devedores ajudaram a polícia do ES a descobrir esquema
Membros da organização que vendia haxixe para todo o Sudeste relataram receber tortura além de serem obrigados a pagar valores acima da dívida; esquema movimentou milhões de reais
Publicado em 3 de maio de 2023 às 19:49
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Material apreendido durante Operação Jedidias, iniciada em setembro de 2021. (Polícia Civil do Espírito Santo)
A violência empregada pela quadrilha que atuava no comércio de haxixe em todo o Sudeste, mas cuja atuação era ainda mais forte no Espírito Santo e em Minas Gerais, chamou a atenção da Polícia Civil capixaba. Integrantes do grupo criminoso praticavam tortura e faziam ameaças de morte contra os próprios comparsas que deviam dinheiro.
Ao todo, 14 suspeitos de participarem do esquema foram indiciados, sendo que seis estão presos e outros oito seguem foragidos. Segundo a corporação, as prisões ocorreram durante a Operação Jedidias, iniciada em setembro de 2021. Os entorpecentes, que eram trazidos do Marrocos e Paraguai, chegavam a ser vendidos a R$ 250/grama.
Investigações e agressões
Titular do 6º Distrito de Polícia de Vila Velha, o delegado Guilherme Eugênio Rodrigues explicou que as investigações começaram em setembro de 2021, após a prisão de um jovem que entregava maconha e haxixe a domicílio em Guarapari. À época, ele estava com armas e drogas na companhia do filho de um ano. Atualmente, ele está solto, e não teve o nome divulgado.
O traficante delatou quem eram os fornecedores, que também acabaram presos. A partir daí, os líderes da organização criminosa começaram a ordenar uma série de torturas a traficantes da "rede" que, por algum motivo, deixavam de pagar pela mercadoria. Conforme destacou a corporação, eles conseguiram movimentar mais de R$ 15 milhões.
ortura e ameaças de quadrilha a devedores ajudaram a polícia do ES a descobrir esquema
Titular do 6º Distrito de Polícia de Vila Velha, delegado Guilherme Eugênio Rodrigues. (Polícia Civil do Espírito Santo)
"Um integrante pagou tudo o que foi exigido e, mesmo assim, continuou a ser cobrado. Ele foi desnudado, espancado e abandonado no Parque Paulo César Vinha, em Guarapari – a princípio inconsciente. Não teve chance de se defender. Depois de algum tempo, ele acordou, recobrou a consciência e conseguiu caminhar pela rodovia até conseguir ajuda", destacou.
Alguns não chegaram a ser torturados, mas foram muito ameaçados. De morte, inclusive. A família do Kelvynton pagou o que ele devia originalmente, mas passaram a exigir ainda mais a título de juros. Ele [o grupo criminoso] passou, portanto, a exigir mais do que os 'funcionários' efetivamente deviam
Guilherme Eugênio Rodrigues
•Titular do 6º Distrito de Polícia de Vila Velha
De acordo com o delegado, outras famílias que vivenciaram a extorsão foram localizadas, mas não quiseram dar mais detalhes para a polícia. A justificativa seria o medo dos traficantes, que, neste ponto, já tinham conquistado mercado em outros estados, como São Paulo e Rio de Janeiro.
Um desses traficantes, que já vinha sendo ameaçado por causa de dívidas, topou um acordo de delação premiada, o que foi o pontapé inicial para que o esquema começasse a ser desvendado.
Os presos
Desde o início da operação, 26 suspeitos respondem por envolvimento no grupo criminoso – alguns, no entanto, não chegaram ser presos, por terem feito delação premiada e/ou por terem envolvimento um muito pequeno no esquema. Desses, 14 tiveram o mandado de prisão expedido, e oito seguem foragidos.
Os acusados vão responder por crimes desde associação criminosa até tortura e lavagem de dinheiro. Confira abaixo os nomes e as funções de cada envolvido:
Suspeitos de integrar organização criminosa presos. (Divulgação/Polícia Civil)
Yves Marques Fagundes, vulgo "Jaguar": foi preso em São Paulo. É o principal líder da associação. Distribui drogas somente no atacado. Destinatário efetivo de inúmeros depósitos cuja titularidade foi dissimulada e autor de atos de violência física e moral classificados como tortura e extorsão.
Wendell Vieira: foi preso no Espírito Santo. Revende drogas a consumidores finais.
Matheus Salomão de Souza Sardenberg: preso no Espírito Santo. Segundo na hierarquia da organização criminosa. Distribui drogas somente no atacado. Destinatário efetivo de inúmeros depósitos cuja titularidade foi dissimulada. Autor de atos de violência física e moral classificados como tortura e extorsão.
Kelvynton Bourguignon de Souza: preso no Espírito Santo. Já atuou como “longa manus” (executor de ordens) de Matheus Salomão, promovendo, inclusive, o transporte interestadual de drogas ilícitas e recrutando seus próprios revendedores de drogas distribuídas pelo grupo que integrou. Atuou também como laranja e foi vítima de atos de violência classificados como extorsão e tortura psicológica praticados pelo grupo.
Fábio Christe Moscon: preso no Espírito Santo. Fornece, a consumidores finais, drogas distribuídas pelo grupo.
Amanda Neves da Silva: presa em São Paulo. Distribuiu, no estado de São Paulo, drogas fornecidas pelo grupo e empregou as contas de sua mãe para a “lavagem de dinheiro”.
Seguem foragidos
Suspeitos de integrar organização criminosa foragidos. (Divulgação/Polícia Civil)
Pedro Henrique Franco Silva: é considerado o principal “longa manus” (executor de ordens) de Yves Marques Fagundes, que atuou em atividades variadas relacionadas ao tráfico de drogas, dentre as quais, até mesmo o transporte interestadual dessas substâncias. Atuou também como “laranja” e na venda de drogas fornecidas por seu líder a consumidores finais.
Jhonathan Emanuel Gomes Silva: outro executor de ordens de Yves Marques Fagundes, que atuou em atividades variadas relacionadas ao tráfico de drogas, dentre as quais a custódia dessas substâncias. Atuou também como “laranja” e na venda de drogas fornecidas por seu líder a consumidores finais.
Talita Santana de Almeira: atuou como “laranja” da organização criminosa em tela, assumindo a titularidade de depósitos, figurando como locatário de veículos empregados pelo grupo.
Matheus Augusto Barros Alcantra: principal executor de ordens de Mathes Salomão no estado de Minas Gerais e responsável por gerir os negócios de seu líder no território mineiro. Atuou também como “laranja”.
Ian Carlos Dias Mercher, vulgo "olho azul": distribuiu, em larga escala, drogas fornecidas pelo grupo, obtendo assim grande faturamento “lavado” com o emprego de “laranjas” e intermediários (Rafael Queiroz e Kevyn). Fornece drogas à facção criminosa Primeiro Comando Vermelho (PCV).
Rafael Queiroz de Oliveira Costa: atua como executor de ordens de Ian Carlos, agindo inclusive em prol da dissimulação da titularidade de recursos.
Lucca Marques Costa Coelho: inicialmente recrutado para apoiar as atividades promovidas pelo núcleo ligado a Matheus Salomão, posteriormente tornou-se executor de ordens de Yves Marques Fagundes. Também atua na venda direta de drogas a consumidores finais e como “laranja” do grupo. Participou de atos de violência física classificados como “tortura”. Frequentou imóveis antes frequentados por Matheus Salomão, em Minas, fato que sugere que promoveu também o transporte interestadual de drogas.
Poliane da Silva Olveira: atuou como “mula” da organização criminosa em tela, transportando, entre Belo Horizonte e Vitória, drogas fornecidas pela organização.
A reportagem de A Gazeta tenta localizar a defesa dos acusados. O espaço segue aberto para a manifestação das partes.