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Aposentada atropelada no ES: entenda por que motorista responderá em liberdade

Aposentada atropelada no ES: entenda por que motorista responderá em liberdade

Mesmo embriagado e sem carteira de habilitação, motorista que atropelou e matou mulher que estava na calçada, em Cariacica, ligou para o Ciodes

Publicado em 13 de julho de 2020 às 19:32

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A autônoma Tania Maria Ferreira foi atropelada na calçada, em Santa Rosa, Cariacica
A aposentada Tania Maria Ferreira foi atropelada na calçada, em Santa Rosa, Cariacica. (Internauta)

Após ter matado atropelada Tânia Maria Ferreira, de 56 anos, no último sábado (11), o motorista do veículo prestou depoimento na Delegacia Regional de Cariacica e foi liberado, em menos de 24h desde o incidente. Diante da revolta da família da vítima, que diz que o suspeito não chegou a prestar socorro, e com a confirmação, por outro lado, pela Polícia Civil, de que o condutor teria acionado o Ciodes, a reportagem conversou com especialistas para entender por que o motorista responderá em liberdade, não tendo sido dele exigido sequer o pagamento de fiança.

De acordo com o professor de Direito, especialista em trânsito, Ronaldo Gaudio, nos casos de homicídios culposos, ou seja, sem que haja a intenção de matar, realizados no trânsito, os crimes são regulados pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB). "Se o crime tivesse sido passional, por exemplo, como um tiro, uma facada, caberia a aplicação do Código Penal e poderia haver decretação de uma prisão preventiva, para evitar que o suspeito atrapalhasse a produção de provas. No caso do CTB, entende-se que o condutor não atrapalharia. O Código Penal só seria aplicado no caso deste atropelamento se o suspeito tivesse recusado socorro à pessoa, o que, segundo a Polícia, não foi o caso, ainda que ele só tenha acionado o Ciodes", afirmou.

Segundo o jurista, mesmo que o motorista tenha deixado o local, sob o argumento de que populares poderiam ameaçá-lo, se ele acionou a polícia, atestou a suposta boa-fé, o que seria suficiente para afastar a prisão em flagrante. De acordo com o artigo 301 do CTB: "Ao condutor de veículo, nos casos de acidentes de trânsito de que resulte vítima, não se imporá a prisão em flagrante, nem se exigirá fiança, se prestar pronto e integral socorro àquela". Assim, para Gaudio, mesmo estando embriagado e tendo matado a vítima, se o indivíduo ligou para o Ciodes, retirou as chances do Poder Público de prendê-lo ou de estipular uma fiança.

Ainda, segundo Ronaldo, dificilmente haverá a possibilidade de o crime ocorrido no sábado (11) vir a ser considerado doloso. "Com o último parágrafo do artigo 302 do CTB, que trata expressamente do condutor embriagado, entendendo que mesmo neste caso ele comete homicídio culposo, sobra pouca flexibilidade para decidir de forma diferente. Entender como doloso deixa fácil para a defesa do acusado reverter, já que existe previsão na lei que diz que comete crime culposo quem dirige embriagado", esclareceu.

"PRESTAR SOCORRO NÃO SIGNIFICA NECESSARIAMENTE PERMANECER NO LOCAL"

De acordo com o advogado criminalista e professor de Direito Processual Penal, Ludgero Liberato, a ciência do Direito Penal aponta que prestar socorro não significa necessariamente permanecer no local para eventual chegada de ambulância. "Significa, no entanto, que quem está envolvido deve adotar alguma medida para permitir o socorro, sendo que qualquer medida é apta a afastar a prisão em flagrante. O motivo desta regra é fazer com que a pessoa que se envolveu no acidente prefira adotar alguma medida do que fugir com medo de ser presa. E a circunstância da fuga, nestes casos, é algo muito real, dado o risco de linchamento", explicou.

Apesar disso, o jurista destaca que não ter sido preso em flagrante não significa que o suspeito não poderá vir a ser condenado e preso. "Hoje, no sistema criminal, ser preso em flagrante não quer dizer que teria a prisão convertida em preventiva. Nossa regra é responder em liberdade. O fato de ter sido solto não quer dizer que não será processado, acusado e preso. Caso fosse um crime doloso, ele até poderia ser preso preventivamente, mas em crime culposo não", afirmou.

A FIANÇA

Ainda segundo Liberato, em relação à fiança, esta é fixada pela autoridade policial quando há prisão em flagrante, o que foi descartado para o caso do atropelamento da aposentada, em Cariacica. Ao delegado, no caso do flagrante, poderia ser arbitrado um valor de fiança. "Isso não impediria que o Ministério Público ainda pedisse e a Justiça concedesse fiança ou qualquer medida cautelar, como o comparecimento aos atos do processo, a permanência em casa em períodos noturnos e durante os finais de semana, por exemplo, mudando também a interpretação para a ocorrência de um crime doloso, o que dificilmente seria aceito pelos tribunais superiores, mesmo com evidência da embriaguez, a não ser que houvesse um histórico de reiteração do crime pelo infrator".

CASO O MOTORISTA NÃO SEJA DONO DO VEÍCULO, O PROPRIETÁRIO TAMBÉM RESPONDERÁ NA JUSTIÇA

O especialista em trânsito Ronaldo Gaudio explicou que existe ainda mais uma repercussão jurídica para a tragédia ocorrida no sábado (11). Pelo fato de a Polícia Militar ter indicado que o condutor do veículo não tinha carteira de habilitação, caso seja constatado que o carro pertencia a outra pessoa, este proprietário também assume responsabilidade.

Segundo o professor, o proprietário deve responder solidariamente, de acordo com o artigo 310 do CTB, que fala em 'permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança'. "Neste caso o dono teria uma pena de 6 meses a um ano", concluiu.

RELEMBRE O CASO

Os fins da tarde de sábados da aposentada Tânia Maria Ferreira, 56 anos, eram no bazar onde ela vendia roupas no bairro Santa Rosa, Cariacica, onde morava. Porém, no último sábado (11), Tânia perdeu a vida após ser atingida por um carro. A aposentada estava sentada em uma cadeira, na calçada do bazar, localizado na Rua Mariana, com a neta de 4 anos no colo. Segundo testemunhas, o motorista estaria com o carro desgovernado e deixou o local após atingir a vítima.

De acordo com informações da Polícia Militar, ao chegar ao local, uma equipe do Samu fazia atendimento à vitima e constatou a morte. A criança, que estava no colo de Tânia, também foi atingida e socorrida ao Hospital Infantil de Vila Velha.

Os policiais localizaram o motorista em um comércio da região. Ele disse que um familiar de Tânia o orientou a deixar o local do acidente para que não fosse agredido pelos moradores revoltados com a morte da aposentada.

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