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Análise: quando é possível ou não colocar um caso sob segredo de Justiça?

Análise: quando é possível ou não colocar um caso sob segredo de Justiça?

A discussão veio à tona após investigação sobre a morte de idoso em Santa Teresa ser tratada sob sigilo; entenda em que casos este pode ser o procedimento adotado na Justiça

Publicado em 27 de abril de 2021 às 20:55

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Justiça
Entenda quais casos podem tramitar em sigilo na Justiça. (Freepik)

O que faz um crime ser conduzido em segredo na Justiça? Essa é a dúvida que surge a partir da investigação sobre o caso do idoso de 70 anos assassinado no último sábado (24) em Santa Teresa, na Região Serrana do Espírito Santo. Após ter tentado impedir o roubo de porcos em uma propriedade rural, Erasmo Antônio Ghisolfi teria entrado em luta com os ladrões, mas não resistiu e acabou morrendo. Para entender o motivo do sigilo neste e em outros processos, a reportagem ouviu advogados especialistas em Direito Penal.

Segundo o advogado criminal Anderson Burke, que é professor de Direito Penal e presidente da Comissão da advocacia criminal da OAB-ES, a opção pelo sigilo deve ser analisada sob duas perspectivas:

  1. Se o caso está na fase de inquérito policial: a regra é o sigilo, de acordo com o artigo 20 do Código de Processo Penal. "O inquérito é sigiloso, existindo uma exceção prevista na Súmula Vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal, que permite o acesso ao advogado com procuração nos autos ao conteúdo que já foi documentado. Em se tratando das diligências que ainda vão acontecer, estas podem ser restringidas inclusive do advogado", explicou.
  2. Se o caso estiver na fase de ação penal: a regra é o princípio da publicidade,  previsto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal. "Esta hipótese comporta algumas exceções: se, por acaso, a publicidade do processo puder comprometer a intimidade da vítima ou mesmo se houver alguma questão que envolva interesse social e ordem pública, podem os atos processuais sofrer restrições", acrescentou o advogado.

A ideia, no inquérito policial, de acordo com o especialista, é de que o sucesso de uma investigação depende muitas vezes do elemento surpresa, para evitar, por exemplo, que os suspeitos fujam ou escondam provas ao terem conhecimento das buscas.

"A publicidade dos atos, nesses casos, prejudica muitas vezes a apuração dos elementos da formação da autoria e materialidade de uma infração penal. Se for esse o caso, é normal que se decrete sigilo", afirmou.

Aspas de citação

A título de exemplo, nos crimes sexuais a regra é o sigilo da ação penal, diferentemente dos outros crimes, que devem ter um motivo fundado para o segredo. Nos crimes sexuais é presumida a violação à intimidade da vítima pelos fatos que lá constam. Já com relação aos outros crimes, deve haver algo excepcional para justificar o sigilo na ação penal. Já no inquérito a regra é o sigilo

Anderson Burke
Presidente da Comissão da advocacia criminal da OAB-ES
Aspas de citação

No mesmo sentido, para o advogado e mestre em Direito Processual Gabriel Garcia, o sigilo na fase de investigação e do procedimento de inquérito policial é permitido pela legislação processual penal justamente para que os investigados não tomem ciência prévia dos atos investigativos a serem praticados.

"É perfeitamente compreensível que o inquérito policial tenha a característica de ser sigiloso, pois, caso contrário, a investigação poderia perder sua finalidade, munindo os investigados de informações sobre futuras diligências policiais e produção de provas. Por essa razão o art. 20 do Código de Processo Penal Brasileiro traz a seguinte disposição: 'A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade', disse.

Também para o advogado criminalista e professor de Direito Processual Penal Ludgero Liberato, o interesse em manter em segredo as investigações criminais tem relação com o propósito de evitar a destruição de provas.

"O Código de Processo Penal prevê que as investigações criminais devem correr em sigilo quando isso for necessário para a elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade. Por isso, é comum que isso aconteça antes de que sejam identificados os possíveis autores de um crime. Já se a investigação resultar em acusação criminal, a situação é diversa, pois a Constituição Federal estabelece que, como regra, os processos judiciais são públicos, de modo que somente pode ser decretado o sigilo dos autos quando houver necessidade de preservação da intimidade dos envolvidos, como ocorre, por exemplo, nos crimes sexuais", definiu.

COMO FUNCIONA PARA OS ADVOGADOS

Como introduziu Burke, a Súmula Vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal permite aos advogados o acesso ao conteúdo dos inquéritos, desde que tenham procuração nos autos. Em se tratando das diligências que ainda vão acontecer, estas podem ser restringidas inclusive ao advogado.

Também para o advogado Gabriel Garcia, a legislação assegura o livre exercício da profissão pelo advogado. "O advogado deve ter acesso mesmo ao inquérito, principalmente, para garantir o contraditório e a ampla defesa do investigado, sendo necessário o acesso às informações para elaboração de uma defesa técnica adequada. Ao advogado é garantido o acesso à investigação, por força do próprio Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil", informou.

O CASO DE SANTA TERESA

No caso do assassinato do idoso em zona rural de Santa Teresa, Garcia explica que o sigilo aplicado faz sentido. "Deve ser garantido para o bom andamento das investigações preliminares, uma vez que os suspeitos ainda não foram encontrados, além de se tratar de crime cometido com violência e em localização pacata, o que gera comoção na população da região", concluiu.

Caso de idoso morto ao tentar impedir roubo de porcos corre em segredo de Justiça no ES
Caso de idoso morto ao tentar impedir roubo de porcos corre em segredo de Justiça no ES. (Acervo familiar / Reprodução TV Gazeta Norte - Montagem)

Erasmo Antônio Ghisolfi, de 70 anos, foi assassinado na noite de sábado, 24 de abril. Segundo familiares, ele teria retornado à propriedade rural após perceber que havia esquecido o celular no local. Na propriedade, a vítima constatou que indivíduos estariam tentando roubar os porcos do chiqueiro. Erasmo teria entrado em luta com os ladrões, mas não resistiu e acabou morrendo.

Após analisarem as lesões na cabeça do idoso, os peritos constataram que ele teria sido morto a pauladas. O corpo de Erasmo foi encaminhado para o Departamento Médico Legal (DML) de Vitória.

Procurada no domingo (25), a Polícia Civil informou que o caso vai ser investigado pela Delegacia de Polícia de Santa Teresa e, até o momento, nenhum suspeito de cometer o crime foi identificado.

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