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Trump pode acabar com o Pix no Brasil? Entenda a investigação nos EUA

Trump pode acabar com o Pix no Brasil? Entenda a investigação nos EUA

Para responder à pergunta, A Gazeta conversou com especialistas que explicaram o cenário e o que pode acontecer com o avanço da investigação norte-americana

João Barbosa

Repórter / jbarbosa@redegazeta.com.br

Publicado em 17 de julho de 2025 às 08:43

Pix é um sistema brasileiro de pagamentos instantâneos
Pix é um sistema brasileiro de pagamentos instantâneos Crédito: Bruno Peres/Agência Brasil

Primeiro, veio a taxação ao aço brasileiro. Depois, o tarifaço de 50% sobre produtos importados do país. E agora uma investigação comercial que mira até o Pix, sistema instantâneo de pagamentos utilizado por quase 160 milhões de brasileiros. Essas são algumas das últimas ações do presidente Donald Trump que vêm sendo acompanhadas por autoridades e especialistas devido aos impactos econômicos e diplomáticos causados na relação entre Brasil e Estados Unidos.

A ação mais recente do republicano – a abertura de uma investigação comercial contra o Brasil por supostas “práticas desleais em relação a serviços de pagamentos eletrônicos”, como o Pix — levantou questionamentos sobre impactos no sistema financeiro brasileiro.

➥ Mas, afinal, Donald Trump pode acabar com o Pix? Para responder à pergunta, A Gazeta conversou com especialistas que explicaram o cenário e o que pode acontecer com o avanço da investigação norte-americana.

Segundo o economista Felipe Storch Damasceno, a resposta é clara: Trump não pode acabar com o Pix, já que é uma infraestrutura nacional desenvolvida, regulada e operada pelo Banco Central do Brasil, “totalmente sob soberania brasileira”. Felipe explica que o presidente norte-americano não tem autoridade para descontinuar ou interferir no funcionamento de um sistema de pagamentos do Brasil.

Ainda assim, segundo Felipe, que também é economista-chefe do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef), pressões econômicas, comerciais ou regulatórias podem ser exercidas de forma indireta, especialmente sobre empresas estrangeiras envolvidas em tecnologias e fluxos internacionais conectados ao sistema de pagamento instantâneo.

O Pix, por si só, não é prejudicial à economia americana. Porém, ele simboliza um avanço tecnológico e de soberania digital financeira que contraria os interesses geoeconômicos dos Estados Unidos, especialmente no contexto de um sistema financeiro global amplamente dolarizado e com forte presença de intermediários norte-americanos.

Felipe Storch Damasceno

Economista-chefe do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef)

Por qual motivo o Pix é um alvo?

Para os especialistas ouvidos por A Gazeta os principais fatores que colocam o Pix no radar de tensões com os Estados Unidos são:

➔ Autonomia tecnológica em relação às redes globais controladas por norte-americanos;

➔ Sucesso como modelo replicável por países emergentes;

➔ Potencial de gerar um bloco alternativo de pagamentos digitais ante aos usados pelos Estados Unidos;

➔ Concorrência com iniciativas como o FedNow (sistema de pagamentos instantâneos dos Estados Unidos).

O advogado Sandro Câmara, especialista em Direito Público, explica que a investigação determinada por Trump pode afetar a expansão internacional do Pix.

“Embora não signifique ‘acabar’ com o Pix, essa investigação abre caminho para retaliações, como tarifas sobre produtos brasileiros ou restrições a provedores de serviços digitais”, diz Sandro.

Felipe Storch ainda acrescenta que, em termos práticos, o Pix reduz a dependência de redes internacionais de pagamento, como Visa, Mastercard e Swift. Além disso, diminui o espaço de monetização por empresas de tecnologia financeira estrangeiras no Brasil e ainda pode servir como modelo para outros países em desenvolvimento.

“Com isso, o Pix ameaça a hegemonia de soluções americanas, como Zelle, FedNow e até mesmo das big techs financeiras. Assim, o Pix não prejudica os Estados Unidos economicamente de forma direta, mas afeta interesses estratégicos e comerciais no setor de tecnologia e infraestrutura financeira global”, aponta o economista.

Já o advogado Eduardo Sarlo, também especialista em Direito Público, destaca que o sistema brasileiro passou a ser observado internacionalmente por alguns motivos, como o fato de ser um modelo estatal bem-sucedido que contraria o formato americano baseado na iniciativa privada.

“O Pix reduz tarifas e intermediações financeiras, o que impacta diretamente empresas que lucram com taxas de pagamento. Está se popularizando em outros países e pode influenciar a criação de sistemas parecidos, diminuindo a dependência de soluções americanas”, diz Sarlo.

Para os especialistas, em níveis estratégicos, o Pix é uma espécie de ameaça aos sistemas de pagamentos instantâneos utilizados nos Estados Unidos, como o FedNow e o Zelle.

“O Pix se tornou referência global por sua eficiência, adesão massiva e custo zero para o usuário, algo que as tecnologias americanas não conseguiram replicar com o mesmo impacto. Se continuar ganhando projeção internacional, tornando-se um modelo exportável de infraestrutura pública de pagamentos, passa a ser percebido como concorrente direto de soluções privadas e governamentais dos Estados Unidos, o que pode gerar reações defensivas, inclusive por meio de pressões regulatórias e comerciais”, cita Felipe Storch.

Na prática, o economista explica que a investigação americana não traz impactos imediatos para os brasileiros. Isso porque o Pix continua funcionando normalmente para o usuário comum e porque é uma infraestrutura sob controle do Banco Central.

“O risco, no entanto, está na restrição de funcionalidade internacionais, como integração futura com o sistema de pagamentos de outros países. Empresas brasileiras que exportam via e-commerce ou que usam o Pix como forma de recebimento internacional poderiam ser afetadas. Fintechs brasileiras com operações ou financiamento nos Estados Unidos poderiam enfrentar barreiras regulatórias, o que, por tabela, poderia limitar inovações vinculadas ao Pix”, complementa Felipe.

Para ele, em resumo, o brasileiro vai continuar usando o Pix sem problemas, mas em um cenário de menos inovação e integração internacional no caso de uma pressão norte-americana mais duradoura.

O advogado Eduardo Sarlo conclui: “O Pix não está ameaçado de acabar. A investigação americana reflete disputas por espaço e influência no mercado financeiro global. O que está em jogo não é o fim do Pix, mas sim um embate entre modelos de desenvolvimento: o controle estatal e gratuito contra o sistema privado e tarifado. Para os brasileiros, o Pix continua e deve seguir como uma das maiores inovações do país nos últimos anos.”

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