Publicado em 17 de agosto de 2020 às 10:46
Durante a semana, se acirrou em Brasília a queda de braço entre o presidente Jair Bolsonaro e a ala liberal do governo, representada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Em jogo estão a manutenção, ou não, do teto de gastos - regra que limita o aumento das despesas do governo à inflação do ano anterior -, além da sobrevivência do próprio líder da equipe econômica. >
De um lado, ministros como Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), e Braga Netto (Casa Civil) apoiam o aumento de gastos públicos para financiar principalmente obras de infraestrutura e o Renda Brasil, programa do governo que substituiria o Bolsa Família. >
Do outro, Guedes e equipe tentam conter a tendência lembrando que a quebra do teto de gastos colocaria o presidente em uma "zona de impeachment", além de ter graves consequências econômicas como a fuga de investimentos e, potencialmente, a quebra do Estado. Estima-se que a dívida pública este ano ultrapasse 100% do Produto Interno Bruto (PIB). >
Segundo especialistas, a briga entre os dois setores tem como pano de fundo não só as eleições municipais deste ano, mas o pleito de 2022. Pesquisa Datafolha divulgada nesta sexta-feira (14), mostrou que o presidente está com 37% de aprovação entre os brasileiros, melhor avaliação desde que começou o mandato. >
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"Esse furo do teto sem dúvida alguma está espelhado nas eleições de 2022. Porque eles dizem que estão batalhando pra ter dinheiro para investimento, mas na realidade é para o Renda Brasil,que seria uma plataforma para viabilizar a próxima campanha política", avalia o economista Orlando Caliman. >
O vai-e-vem de discursos tem sido longo e confuso. Na terça-feira (11), ao anunciar a "debandada" de membros importantes da equipe econômica, Guedes disse que se Bolsonaro ouvir "conselheiros" que defendem furar o teto de gastos, pode acabar em uma "zona de impeachment". >
No dia seguinte, o presidente se reuniu com os líderes da Câmara e do Senado e defendeu a manutenção do teto e a "responsabilidade fiscal" do país para sair da crise do coronavírus. >
Já na quinta-feira (13), Bolsonaro admitiu que existe a ideia de descumprir o mecanismo. "A ideia de furar o teto existe, o pessoal debate. Qual o problema?". Nesta sexta (14), recuou novamente e voltou ao discurso de que a responsabilidade fiscal é o "norte" do governo.>
As divergências no discurso do presidente ajudam a acirrar ainda mais o clima de incerteza no país, que acaba afastando investidores e atrasando a retomada econômica da pós-pandemia. >
"Nesse país até o passado é imprevisível. Imagina para os investidores. Principalmente agora que quer que se acelere processo de privatização, isso só é possível se houver segurança jurídica mínima. Nem o brasileiro nem o estrangeiro vão entrar em algo que não tenha o mínimo de segurança num horizonte de mais longo prazo", avalia Caliman.>
Nesse contexto de divergências, especialistas apontam que o lado "fura-teto" tem se destacado. O governo chegou a propor usar R$ 5 bilhões em crédito extraordinário para custear investimentos em infraestrutura. A justificativa é que as obras iriam estimular a economia, fortemente afetada pela pandemia de Covid-19. Porém, a medida foi chamada de inconstitucional por>
Porém, segundo o Estadão, técnicos do governo e órgãos de controle estão reticentes. Eles têm dúvidas se bancar obras que já estão em andamento ou ainda serão iniciadas pode ser enquadrado como enfrentamento ao efeito econômico do coronavírus. >
"A saída do Paulo Uebel e do Salim Mattar (responsáveis na equipe econômica pelas áreas de Desestatização e Desburocratização, respectivamente) mostra que o governo está rachado. A parte que está lutando pela responsabilidade fiscal, pela necessidade de reformas, está saindo. Quem está sendo vitoriosa é a parte gastadora, clientelista", avalia a economista Arilda Teixeira. >
Ela salienta que se as reformas tivesse avançado durante o ano, principalmente a administrativa, já haveria fôlego para esse excedente de despesas. Isso porque a reforma sinalizaria uma redução, mesmo que futura, dos gastos públicos federais com custeio, sobretudo na folha de pagamento dos servidores. >
"Se já tivessem as reformas discutidas, indicando que haveria reestruturação na estrutura administrativa pública, a pressão do aumento dos gastos seria atenuada, porque o crescimento econômico atenuaria o déficit. Mas o que precisa ser feito para dar assistência às pessoas ameaçadas pela pandemia é inconsistente com estrutura de receita que o governo tem. Como o governo não corta gastos, está feito o impasse", diz. >
O economista-chefe da Apex Partners, Arilton Teixeira, concorda que o atraso nas reformas está na raiz dos problemas atuais do governo. Ele aponta que se a PEC Emergencial e a reforma administrativa tivessem sido discutidas e aprovadas, o governo teria, hoje, mais margem para gastar pois cortaria os custos do funcionalismo público federal.>
"É um embate entre quem está ou não preocupada em quebrar o país. Essa é uma consequência da falta de objetividade do governo. Se perdermos o controle fiscal, em vez de ser o Lula 1 (primeiro governo do ex-presidente Lula), seremos a Dilma 2 (segundo governo da ex-presidente Dilma)", aponta. >
Ele explica que a perspectiva de furar o teto de gastos, somada ao aumento expressivo da dívida pública este ano e a ausência da reforma administrativa podem resultar em um colapso fiscal. >
Isso porque, atualmente, a principal fonte de recursos do governo é a venda de títulos públicos, que podem perder valor rapidamente se os investidores perceberem a possibilidade de um calote. >
"Isso significa que a taxa de juros explode, assim como a inflação. O mercado vai reagir como reagiu anteriormente quando o governo não pareceu capaz de controlar os gastos. Os investimentos param, todo mundo começa a comprar dólar", afirma. >
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