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'Mensagem secreta' em atestado pode levar a demissão por justa causa

'Mensagem secreta' em atestado pode levar a demissão por justa causa

Apresentação do documento é garantida por lei. No entanto, há casos de trabalhadores que não querem comparecer ao emprego e chegam aos consultórios médicos sem nenhuma doença

Publicado em 12 de julho de 2023 às 08:00

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Trabalhador pode ser demitido se for ao médico e mentir sobre saúde
Trabalhador pode ser demitido se for ao médico e mentir sobre saúde. (Freepik)

O colaborador que está doente e precisa faltar ao trabalho deve apresentar o atestado médico para não ter a ausência descontada no contracheque no final do mês. A apresentação do documento é garantida por lei. No entanto, há casos de trabalhadores que não querem comparecer ao emprego e chegam aos consultórios médicos sem nenhuma doença, apenas inventando supostos sintomas.

Dependendo do médico que fizer o atendimento, ele pode identificar que o paciente está mentindo quanto ao seu estado de saúde. Alguns podem até se recusar a dar o atestado, mas o profissional pode recorrer a um código específico do Código Internacional de Doenças (CID-10) que pode gerar problemas para o paciente, inclusive a demissão por justa causa.

Isso pode ocorrer quando o médico informar o motivo do afastamento como Z76.5, que quer dizer que a pessoa está fingindo estar doente, ou seja, que se trata de uma simulação consciente. Seja qual for a situação, é comum o departamento pessoal e o médico do trabalho checarem a doença que afastou esse trabalhador de suas atividades. Com isso, o colaborador desavisado pode ser desligado.

Foi o que aconteceu com uma trabalhadora de Pernambuco, que entrou na Justiça para reverter a demissão por justa causa, após apresentar atestado com o CID Z76.5, além também solicitava o pagamento das respectivas verbas rescisórias. A 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região manteve a sentença de primeira instância aplicada a uma trabalhadora que atuava como ajudante de limpeza. 

No processo, a empresa alegou que a funcionária vinha apresentando diversos atestados nos últimos meses de contrato de trabalho. O médico que assinou o documento foi testemunha na ação e durante o depoimento, corroborou que, antes daquela ocasião, ela havia comparecido à Unidade de Saúde para atendimento 56 vezes, sempre simulando doenças para adquirir atestado médico.

Para a companhia, houve quebra de confiança. Neste caso, a conduta da funcionária configurou como ato de improbidade, previsto no art. 482, alínea "a", da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

O advogado trabalhista Gabriel Gomes Pimentel lembra que a justa causa é a medida disciplinar mais grave que pode ser aplicada a um trabalhador, quando ele pratica algo que pode tornar inviável a continuidade da relação de emprego.

Segundo ele, a legislação indica, por exemplo, que um "ato de improbidade" ou um "mau procedimento" podem acarretar justa causa, mas esses conceitos são, em alguma medida, vagos e, por isso, é possível que juízes diferentes concluam em sentidos opostos diante de um mesmo fato praticado por um empregado.

Aspas de citação

 O CID Z76.5 pode ser utilizado quando alguém que está simulando, de maneira consciente, ter uma doença que não tem. O empregado que vai ao médico apenas para obter o documento, mesmo sabendo que não está doente, faz isso com o objetivo de receber o dia de salário sem trabalhar, situação que, na minha visão, quebra a relação de confiança que deve estar presente nas relações trabalhistas

Gabriel Gomes Pimentel
Advogado trabalhista
Aspas de citação

Pimentel complementa que essa falha do empregado lhe parece suficientemente grave para que o contrato seja encerrado por justa causa.

Para a advogada trabalhista, Suellem Boton, o tema trata de uma questão delicada, que não envolve apenas o Direito do Trabalho, mas também o direito à Proteção de Dados. 

A advogada alerta que essa questão vai além da relação de trabalho, pois o médico, ao conceder um atestado com esse CID, precisa dar ciência ao paciente do que está constando no documento, sob pena de lhe ser imputada a responsabilidade por quebra de sigilo, principalmente se o atestado gerar dano ao paciente, como a demissão por justa causa. Suellem também afirma que o médico deve dar ciência do que a simulação consciente constará no documento.

“É assegurado ao empregado justificar sua ausência do trabalho, por motivo de doença. Entretanto, sabemos que algumas vezes vemos abusos do empregado que, por não estar satisfeito com o trabalho, busca ‘cavar’ a sua demissão pela empresa, apresentado diversos atentados em curtos períodos”, destaca.

Informação com autorização do paciente

O Conselho Federal de Medicina (CFM) normatiza a emissão de atestados médicos, por meio da Resolução CFM nº 1658/2002. Isso significa, por exemplo, a garantia do sigilo e da privacidade de informações como a do CID, que quando revelar diagnóstico, só pode ser divulgado com autorização por escrito do paciente.

Em nota, o Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRM-ES) informou que sobre o caso específico da inserção do CID Z76.5, que indica a simulação consciente de algum tipo de doença pelo paciente, ele só pode ser divulgado com autorização formal do paciente.

“E caso seja este o entendimento do médico assistente, ou seja, de que há uma simulação, não se justificaria a emissão de atestado afastando o paciente de suas atividades laborais”, diz a nota.

O CRM-ES não recebeu denúncias de pacientes e órgãos que se sintam atingidos por atestados com esse CID, especialmente em funções de demissões sem justa causa de pacientes.

“Embora o médico possa incluir o CID, é preciso que ele tenha a autorização por escrito do paciente. Isso, claro, não vale para os médicos peritos, como os que prestam serviço ao INSS, cujo trabalho está diretamente associado à avaliação do paciente para ter acesso ou manter o benefício previdenciário”, ressalta o presidente do CRM-ES, Dr. Fernando Tonelli.

O advogado e coordenador do departamento jurídico do sindicato dos médicos, Télvio Valim, explica que em 2019 o Tribunal Superior do Trabalho (TST) ratificou uma resolução do CFM que tratava do assunto em questão, anulando todas as cláusulas contratuais e de acordo coletivo que tentavam obrigar a informação do CID no atestado médico do trabalhador.

Segundo ele, a Justiça entendeu que o preenchimento obrigatório do atestado médico com anotação do CID, fere direitos fundamentais protegidos pela Constituição Federal Brasileira, como o direito à privacidade, defendido no Art. 5º da Constituição Federal e que tem seu reflexo, também, no Código de Ética Médica, em todos seus artigos que tratam sobre o sigilo profissional (Cap. IX).

Além dessas normas, atualmente temos, ainda, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que abarca toda a questão da posse e disponibilidade dos dados pessoais coletados, entregando ao indivíduo a propriedade e à instituição, ao profissional ou a empresa, o dever da guarda das informações e sua garantia de proteção.

Valim lembra que no Código de Ética Médica é vedado ao profissional revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade.

“É importante observar que a empresa não pode exigir a informação do CID no atestado. A recusa do atestado médico só é permitida quando o documento não estiver em conformidade com a legislação, não atendendo à finalidade a que se destina, ou quando houver suspeitas de favorecimento ou falsidade. Nesses casos, o médico deve denunciar o fato às autoridades competentes, como a autoridade policial e o CRM”, informa.

Valim reitera que a Justiça entende que o preenchimento obrigatório do atestado médico com anotação do CID, fere o direito do paciente à privacidade, princípio fundamental protegido pelo Art. 5º da Constituição Federal Brasileira e que está respaldado pelo Código de Ética Médica através da obrigação do profissional médico ao sigilo.

Falsificar atestado médico é crime

Quem falsifica ou compra atestado médico pode ser demitido por justa causa e ainda responder por outros crimes como o de falsidade ideológica. A juíza do Tribunal Regional do Trabalho no Espírito Santo (TRT) Germana de Morelo esclarece que o atestado médico é dado a um trabalhador doente que não tem condição de trabalhar, mas para faltar precisa do documento. É o médico quem decide o total de dias de afastamento, conforme a doença.

“O problema é quando o trabalhador falsifica um atestado, o que caracteriza crime de falsificação, previsto no Código Penal, como no caso de rasuras. Outra hipótese que pode gerar uma demissão por justa causa é quando ocorre a falsidade ideológica, ou seja, esse funcionário compra um atestado falso”, enumera.

Na Justiça do Espírito Santo, já houve casos em que trabalhadores tentaram reverter a demissão, mas acabaram perdendo a ação. Um deles, a reclamante foi dispensada pela empresa por ter rasurado o documento, que previa o afastamento por um dia, mas o apresentado pela funcionária foi de dois dias. A comprovação foi feita junto à unidade de saúde e ao médico que a atendeu. A conduta dessa colaboradora foi considerada gravíssima.

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