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O que é demissão silenciosa e como ela muda o conceito de carreira

O que é demissão silenciosa e como ela muda o conceito de carreira

Movimento que toma conta das redes sociais incentiva a fazer apenas suas obrigações e cumprir a carga horária, sem se dedicar além do básico. Entenda os riscos para empregadores e funcionários

Publicado em 3 de setembro de 2022 às 20:03

Ícone - Tempo de Leitura 8min de leitura

Chegar todo dia no trabalho, fazer apenas suas obrigações e cumprir a carga horária, sem se dedicar além do básico. O movimento que já toma conta das redes sociais é chamado de "quiet quitting", que traduzido para o português significa "demissão silenciosa", mas para os especialistas em carreira é tratado como "desistência silenciosa", dando um sentido mais completo. 

A tendência ganhou força no TikTok e no Twitter entre os jovens americanos, incentivando uma nova filosofia de trabalho. Diferente do que se imagina, não é apenas uma onda de demissões voluntárias como um basta aos assédios e explorações — como ocorreu nos Estados Unidos —, mas a permanência no emprego de uma forma a preservar os limites de horários e funções.

Trabalho e saúde mental
Desistência silenciosa é um movimento que reforça limites nas relações de trabalho. (Freepik)

A iniciativa, neste caso, é bem diferente de falta de compromisso com o trabalho ou com prazos. Não é um incentivo  a "corpo mole" no trabalho.

Especialistas avaliam que a desistência silenciosa tem como objetivo criar uma divisão entre o lado pessoal e o lado profissional, criando um limite do quanto a pessoa se dedica às suas atividades laborais. A demissão silenciosa pode representar um desengajamento com a falta de perspectivas e desgastes na relação entre empresa e empregados. Evitar o excesso de trabalho pode ser positivo para a saúde mental.

Entenda a "desistência silenciosa":

>> É a desistência do modelo "tradicional" em que as pessoas vivem para trabalhar e se dedicar ao trabalho;

>> O movimento entende que o trabalho não pode ser tudo na vida. O trabalho é uma parte importante, mas não é tudo.

>> Os funcionários fazem estritamente o que são contratados para fazer em sua função, sem passar do horário e sem levar trabalho pra casa. 

>> Geralmente, a atitude do funcionário é motivada por compreender que o local de trabalho não merece seu esforço; ou por refletir sobre o lugar do trabalho na vida e a necessidade de investir em outras atividades além da carreira profissional.

>> Os símbolos de sucesso são diferentes entre a nova geração e a antiga. Ser promovido a líder, por exemplo, não é mais uma forma de enxergar crescimento profissional.

>> É cada vez mais comum ver jovens negando posições de liderança, promoções salariais, pois não querem "a vida do chefe". Não querem um trabalho que demande estar disponível 24h, sem folga no final de semana, sem férias...

>> Trabalhar para viver, não viver para trabalhar.

Fonte: Andréa Salsa, consultora de pessoas e gestão, mentora de líderes, professora da FGV e comentarista da CBN Vitória

A presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos, seccional Espírito Santo (ABRH-ES), Neidy Christo, avalia que a chegada de novas gerações no mercado de trabalho e a pandemia fazem com que movimentos como este comecem a tomar fôlego, impulsionados pelas redes sociais. Anteriormente, as pessoas chamavam a iniciativa como uma grande renúncia ao assédio e exploração, ou seja, passaram a pedir demissão em massa.

Aspas de citação

Com as novas gerações, que já nasceram híbridas e tecnológicas, o objetivo agora é fazer o mínimo necessário para não serem demitidas. O importante disso tudo é fazer uma reflexão sobre os reais motivos desse movimento: a relação com o trabalho.

Neidy Christo
Presidente da ABRH-ES
Aspas de citação

Segundo Gisélia Freitas, psicóloga e membro do Comitê de Conteúdo Qualificado de Carreira, RH, Governança, Riscos & Compliance do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef-ES), o assunto precisa de atenção especial dos profissionais de saúde mental e organizações.

“Nesse caso, o termo remete a inexistência de esforços, por parte dos profissionais, em suas atividades no trabalho. Deixam de investir energia e dedicação máximas na dinâmica de trabalho e optam pela execução apenas do que se exige da função”, ressalta Gisélia.

A psicóloga acredita que muitos profissionais adotam esse comportamento esperando evitar o adoecimento decorrente da sobrecarga de trabalho, horas extras e atividades desempenhadas. Ela destaca ainda outra linha de análise que sugere que a falta de engajamento da pessoa com a organização afeta sua dedicação para execução das atividades.

“Alguns profissionais que iniciam de forma proativa, comprometidos e com muita energia e dedicação, acabam chegando a uma fase de inércia, ligam o “automático” e fazem o mínimo esperado. Essa mudança é devido a uma desmotivação, uma desconexão com a empresa, seu líder ou ausência de propósito. A perda do sentido do seu trabalho faz cair drasticamente seu desempenho”, avalia.

Com o aumento de casos de doenças relacionadas ao trabalho, como é o caso do burnout, depressão e ansiedade, Neidy Christo alerta que muitas pessoas passaram a refletir se vale a pena dar o máximo no trabalho até ficar doente.

“Quando entramos em uma empresa temos as nossas expectativas, do mesmo jeito que a companhia tem sobre as nossas entregas. A geração X, da qual faço parte, tinha a ideia de que o sucesso estava atrelado ao status no trabalho. Aprendemos que se doar ao máximo é ser muito proativo. Para a juventude de hoje, não funciona mais assim. Pessoas jovens, por exemplo, não querem ser gestores. A demissão silenciosa chega como forma de priorizar outras dimensões da vida”, destaca.

IMPACTOS NA CARREIRA

Optar pelo “quiet quitting" pode sim ter impactos na carreira. Gisélia Freitas ressalta que, em um mercado cada vez mais competitivo, onde empresas estão sempre em busca dos melhores para aumentar seu valor de mercado e o processo de inovação, profissionais que fazem apenas o básico podem comprometer significativamente sua empregabilidade.

“Foi-se a época em que fazer apenas aquilo que estava escrito em seu contrato de trabalho garantia emprego. Além de não garantir, dificilmente o empregado será notado na empresa e no mercado de trabalho. O profissional outlier, fora da curva, se dedica a entregar além do que descreve suas atividades de trabalho. Ele agrega valor estratégico, na busca constante pela inovação, dedicando-se a achar soluções diversas, ser mais eficiente e melhorar a qualidade das suas entregas”, alerta a psicóloga.

Para quem foi contratado para trabalhar em uma grande empresa onde se valoriza a entrega rápida, a estratégia de desistência silenciosa pode não dar certo, conforme observa a presidente da ABRH-ES, Neidy Christo.

“Neste tipo de caso, o perfil profissional não é adequado. A pessoa não será promovida, não será vista e pode até ser demitida. Entretanto, tem gente que não tem esse tipo de preocupação porque não quer crescimento e, sim, equilíbrio entre vida pessoal e a carreira. A jornada de quatro dias de trabalho também é um movimento que passou a ser adotado por algumas empresas, pois mostra a preocupação com a saúde mental”, afirma.

Neidy alerta que quem faz apenas o mínimo de suas tarefas só para receber o salário no final do mês, sem compromisso e propósito, tem cada vez menos espaço no mercado de trabalho. “Ter equilíbrio não significa fazer mal feito”, complementa.

ALINHAMENTO DE EXPECTATIVA

A psicóloga e fundadora da Sees Desenvolvimento Humano, Natane Moysés, salienta que além de colocar limites na sobrecarga de trabalho, a demissão silenciosa serve como uma forma dos colaboradores chamarem a atenção dos líderes para serem valorizados.

“No fundo, essas pessoas não querem ser demitidas, buscam apenas reconhecimento. A nova geração olha mais a qualidade de vida como fator principal de suas escolhas. É claro que ela pode trabalhar no tempo regular, entregar o que precisa, mas não precisa se sobrecarregar ou estender a carga horária”, observa.

Segundo ela, as organizações devem criar uma cultura onde haja entendimento entre produtividade e saúde mental. “O prejuízo para a carreira pode vir em empresas que não têm essa percepção e começam a chamar esse funcionário de preguiçoso, improdutivo. Para mudar a realidade, conversar com os colaboradores pode ser uma boa estratégia”, comenta.

O que a nova geração espera das empresas:

>> A desistência silenciosa não é uma rebeldia, é um novo comportamento, uma forma diferente de se relacionar com o trabalho.

>> Empresas que ainda têm nos seus valores o pedido que os funcionários tenham "atitude de dono", que tomem as dores do dono, que vejam a empresa como sua, que pensem como chefes, já não são atrativas para a nova geração. 

>> A busca dos novos profissionais é por um trabalho que reconheça que a carreira profissional é apenas uma dimensão da vida e que estimule o funcionário a ter um horário final para sair do trabalho, permitindo assim viver outras dimensões: o lazer, a família, uma segunda carreira alternativa, uma ação voluntária ou uma atividade prazerosa.

>> Mais do que encontrar mecanismo de "motivação", é importante  para o empregador compreender o que está por trás desse movimento de desistência silenciosa.

>> Traz a necessidade do empregador refletir, porque é uma tendência em crescimento: funcionários dando limites ao trabalho, por questões de burnout,  de saúde mental e até de perspectiva de vida mais ampla e não só dedicada ao trabalho.

Fonte: Andréa Salsa, consultora de pessoas e gestão, mentora de líderes, professora da FGV e comentarista da CBN Vitória

A pandemia, como ressalta Natane, acendeu um alerta sobre a importância da saúde mental. Se o que foi prometido ao profissional enquanto candidato depois de um tempo não se realiza, leva o profissional a trabalhar apenas para entregar o que foi pedido.

“Se a empresa não tem a cultura do feed back, não valoriza o colaborador, não tem diretrizes claras, acaba comprometendo a produtividade. Por outro lado, ela pode entender que ele não produz adequadamente e optar por demiti-lo. O profissional pode procurar o gestor ou setor de RH para buscar esses retornos e as reais perspectivas de seu trabalho. O que não pode é ficar esperando que isso surja só por parte da empresa”, ressalta.

Já Gisélia Freitas complementa que a demissão chega sim de forma silenciosa para profissionais que apenas trabalham no automático, fazendo apenas o básico.

“As lideranças das empresas têm papel fundamental na resolução dessa problemática. Precisam perceber esse comportamento em membros da sua equipe, buscar entender os motivos e dialogar. Engajar pessoas às organizações é o fator principal para a mudança. E nesse caso, além de ser um fator de atenção para o setor de RH, os gestores são os principais responsáveis na mudança de comportamento, estimulando sua equipe na busca das melhores práticas, evoluindo assim não apenas com o seu trabalho, mas principalmente com sua carreira”, ressalta.

Na opinião do advogado trabalhista Guilherme Machado, as pessoas estão rejeitando o excesso de trabalho, escolhendo o equilíbrio e a satisfação pessoal, estão estabelecendo limites para que sua identidade e autoestima não estejam vinculadas à sua produtividade no trabalho.

“Ser taxado como desinteressado e perder indicações, carta de recomendação, bonificações, crescimento na carreira e campo de trabalho são os principais prejuízos para a carreira. Pode haver demissão, todavia, sem justa causa”, destaca.

Errata Atualização
27 de junho de 2023 às 18:52

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