> >
Demissão abusiva: empresas usam até paredão para 'eliminar' empregado

Demissão abusiva: empresas usam até paredão para 'eliminar' empregado

Especialistas apontam que embora empregador possa demitir a qualquer momento, sem justificativa, modo como a dispensa é feita pode gerar problemas e processos na Justiça

Publicado em 25 de maio de 2021 às 14:05

Ícone - Tempo de Leitura min de leitura
Confessionário do BBB 21
Confessionário do BBB é usado para participantes indicarem alguém para eliminação. (Rede Globo/Rede Show/Divulgação)

Uma demissão nunca é uma situação agradável, principalmente em momentos de crise. Mas a forma como o desligamento ocorre pode abrir espaço para uma série de questionamentos, e, em alguns casos, a dispensa do trabalhador pode até mesmo ser considerada abusiva.

No país, empregadores têm utilizado táticas cada vez mais diversas para dispensar um funcionário. Há casos de demissão por mensagem, e até situações em que a dispensa vira entretenimento.

No Ceará, por exemplo, uma empresa foi condenada pela Justiça do Trabalho a indenizar uma consultora de vendas demitida por meio de um “paredão de eliminação”.

Segundo a ex-funcionária, em um esquema semelhante ao realizado no Big Brother Brasil, colegas de trabalho tiveram que votar, entre si, quem sairia da empresa. Ela relatou que a equipe foi coagida a participar da votação numa reunião e ainda apresentar uma justificativa para a escolha de um colega de trabalho para ser demitido.

Mais votada entre as opções, ela afirmou ainda ter sido diagnosticada com depressão e traumas psicológicos devido ao episósio. Ela explicou ainda que foi demitida pouco mais de um mês após sua admissão, e saiu sem receber as verbas trabalhistas a que teria direito.

Além disso, contou que seu superior hierárquico lhe tratava de maneira constrangedora, restringindo idas ao banheiro, além da alimentação dos empregados.

Diante do ocorrido, em decisão proferida no início deste mês, e divulgada nesta segunda (24) pelo Tribunal do Trabalho do Ceará, o juiz Ney Fraga Filho, da 16ª Vara do Trabalho de Fortaleza, condenou duas empresas envolvidas no caso a compensá-la financeiramente pelos danos, além de quitar as verbas rescisórias. O valor total da condenação é de aproximadamente R$ 14 mil. Os empregadores ainda podem recorrer.

“A hipótese de assédio pela chefia, ensejando dano moral indenizável, sem sombra de dúvidas restou provado nos autos. A prova foi sobeja em confirmar a dispensa da reclamante através de um paredão realizado pelo superior hierárquico, expondo a autora a uma situação extremamente vexatória e humilhante na presença dos demais empregados”, destacou o magistrado.

O caso é apenas mais um entre as alternativas para a demissão que tem gerado controvérsias no mercado de trabalho. Em outubro passado, Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15), localizado em Campinas (SP), condenou uma companhia aérea a pagar uma indenização de R$ 500 mil por uma dispensa coletiva abusiva de 44 empregados em 2015.

A empresa, segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT) de Campinas, que moveu a ação na Justiça, não respeitou a necessidade de "negociação com o sindicato representativo da categoria profissional" antes de realizar a dispensa coletiva, e, por isso, foi considerada abusiva.

Em outra situação, divulgada no último dia 17 pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-2), no Estado de São Paulo, uma coordenadora pedagógica procurou a Justiça do Trabalho após ser comunicada de seu desligamento por meio do WhatsApp. Para ela, o aviso-prévio não poderia ser substituído por simples mensagem, o que invalidaria a rescisão.

Neste caso, entretanto, os magistrados consideraram que a comunicação por meio do aplicativo era uma prova legal no processo, por se tratar de uma ferramenta de comunicação como qualquer outra, e já bastante difundida nas relações de trabalho, tendo tornado-se uma aliada, principalmente durante a pandemia.

"As mensagens trocadas por esse instrumento são amplamente aceitas como meio de prova nos tribunais", afirmou a desembargadora-relatora. Dessa forma, a 18ª Turma do Regional manteve a decisão do juiz do trabalho Helder Bianchi Ferreira de Carvalho, titular da 8ª Vara do Trabalho da Zona Leste, e negou provimento ao recurso da reclamante.

Em casos parecidos, entretanto, já houve decisões a favor de empregados. No ano passado, a juíza da 19ª Vara do Trabalho do Distrito Federal condenou uma empresa do ramo hospitalar a pagar R$ 10 mil de indenização por danos morais a uma instrumentadora cirúrgica demitida por meio de um grupo de trabalho no WhatsApp.

Para a juíza Maria Socorro de Souza Lobo, foi “vexatória” a forma pela qual ela foi demitida, causando sua exposição e submetendo-a a “constrangimentos perante seus colegas”.

WhatsApp anunciou nova política de privacidade de dados
Demissão por WhatsApp tem sido motivo de discussão na Justiça do Trabalho. (HeikoAL/ Pixabay )

FORMA COMO DEMISSÃO É FEITA DETERMINARÁ SE DISPENSA É OU NÃO ABUSIVA, ALERTAM ESPECIALISTAS

Legalmente, o empregador pode demitir, a qualquer momento, um de seus funcionários, independentemente de justificativa, desde que as devidas verbas trabalhistas sejam quitadas. É a forma como o desligamento é feito, e não a razão, que, muitas vezes, determina se a dispensa é ou não abusiva.

O empregado que será dispensado deve tomar ciência do fato, mas que a comunicação não pode ser feita de forma vexatória, isto é, ele não deve ser exposto aos demais colegas, nem deve ser humilhado pelas circunstâncias do acontecimento.

No caso do “paredão de eliminação”, é unânime, entre os especialistas jurídicos, de que se tratou de uma dispensa vexatória e, portanto, abusiva.

“A demissão e seus motivos devem ficar entre empregado e empregador. O sistema de votação adotado nesse caso coloca quem está mais vulnerável na linha de frente, e cria um grande constrangimento aos envolvidos, que, inclusive, pode extrapolar o ambiente de trabalho porque as pessoas têm vida fora dali e conversam entre si e com terceiros”, apontou a especialista em Direito do Trabalho Maria Paula Nippes Tonini, da Gonçalves Advogados.

Maria Paula Nippes Tonini
Maria Paula Nippes Tonini. (Acervo pessoal)

O advogado trabalhista Álvaro Batista observou que, usualmente, a mera extinção do contrato de trabalho já basta para que o funcionário se sinta inseguro, uma vez que, em diversos casos, é a sua única fonte de renda e destacou que, somado a isso, no caso em questão, o episódio foi transformado em entretenimento.

“Ao criar um cenário circense como esse, de replicar o famoso quadro de reality show de eliminação de candidatos, o colaborador é submetido a uma situação de maior vexame, humilhação e até mesmo de tratamento desumano, considerando todo abalo psicológico que é causado por um processo de demissão como este.

Batista frisou que o ideal é que demissões ocorram sempre da forma mais humanizada possível. Quando o desligamento fere os direitos do empregado, quando a demissão é usada de forma indevida, ela torna-se abusiva. Exemplo disto, ele citou, é quando um funcionário é demitido por exercer suas atribuições como dirigente sindical, ao promover um movimento de greve, ou quando é demitido por reivindicar seus direitos, como o pagamento de salário atrasado.

O superintendente regional do Trabalho, Alcimar Candeias, reforçou: "Via de regra, o empregador não precisa de motivação, pode demitir porque não estava rendendo ou por algum outro motivo, mas não pode demitir de forma discriminatória. Quando a demissão não ocorre dentro dos parâmetros legais,  a Justiça pode mandar reverter a demissão ou indenizar. A forma como é feita a dispensa pode fazer toda a diferença."

Em relação à demissão por mensagens, entretanto, há diferentes entendimentos. Para Candeias, se a comunicação de aviso-prévio é feita por meio escrito ou eletrônico não interfere no procedimento, desde que o empregado tome ciência do fato adequadamente, e sem que haja exposição a terceiros.

Uma demissão por meio de um grupo de mensagens, por exemplo, poderia ser considerada abusiva, mas não uma mensagem particular. "Se a comunicação foi feita, e há registros de data, informações sobre cumprimento ou dispensa do aviso-prévio, e demais detalhes necessários, que diferença faria se foi por meio eletrônico ou por meio de uma folha de papel impresso? Cada vez mais essas formas virtuais de interação estão sendo acolhidas, até mesmo em função da modernização das formas de comunicação."

Para Tonini, se o funcionário estiver em home office, o comunicado por e-mail, por exemplo, também é válido, principalmente em um momento de pandemia. Entretanto, o e-mail deve ser sigiloso, isto é, sem pessoas em cópia, que possam tomar ciência do episódio e dos motivos por trás da dispensa.

O juiz Marcelo Tolomei, titular da 7ª Vara do Trabalho em Vitória considerou que há de se analisar cada caso, e pontuou que, mesmo entre as decisões já proferidas, há jurisprudências divergentes. "É imprescindível que o empregado seja comunicado, e que isso seja feito sem constrangimento. Mas da mesma forma como há decisões de trabalhadores que tiveram a demissão mantida, houve casos em que a Justiça determinou a indenização."

Ele explica que, no Espírito Santo, um trabalhador já chegou a ser indenizado por ter sido comunicado de seu desligamento através de um e-mail enviado às 20 horas de um domingo.  Como os demais juristas, ele apontou que as circunstâncias do caso é que fizeram a diferença. "Para evitar problemas, ainda é preferível que as demissões ocorram de modo presencial, e sigam os padrões tradicionais."

EXEMPLOS DE DEMISSÕES VEXATÓRIAS

É considera abusiva a demissão que se baseia em atos ou fatos ofensivos ao trabalhador no momento de dispensa. É o que ocorre, por exemplo:

  • Quando a demissão ocorre publicamente, seja de maneira presencial, ou por um canal de comunicação eletrônico aberto a terceiros, como grupos de mensagens ou e-mails enviados com cópia para outros. É o caso do "paredão de eliminação", mas também de outros episódios.  Em Minas Gerais, uma empresa foi condenada a pagar R$ 15 mil a título de indenização por danos morais a um funcionário cuja dispensa ocorreu durante uma reunião de equipe.  
  • Quando a empresa divulga publicamente ou anota na Carteira de Trabalho o motivo da demissão, ainda que se trate de uma dispensa por justa causa. Em São Paulo, um empregado foi demitido por justa causa sob a acusação da prática de concorrência desleal e furto. O fato foi divulgado não apenas aos demais profissionais da empresa, mas a seus clientes. O fato nem mesmo foi comprovado, e a Justiça decidiu pela indenização do trabalhador.
  • Quando o funcionário é dispensado por cobrar seus direitos, como o pagamento de salário em atraso. 
  • Quando a empresa anuncia a existência de uma vaga na empresa antes de demitir o funcionário que ocupa o posto. Em 2019, um banco foi condenado pela 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) a indenizar um gerente em R$ 30 mil após anunciar que a posição estava vaga, antes de demiti-lo.
  • Quando ocorre por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros.

PONTOS A OBSERVAR AO DISPENSAR UM FUNCIONÁRIO

Segundo os especialistas, via de regra, o empregador precisa respeitar alguns procedimentos: 

  • A empresa precisa fazer o comunicado da rescisão do contrato, informando qual a modalidade da dispensa, se a pessoa vai cumprir ou não aviso-prévio. É preferível que isso ocorra presencialmente, e sem que a situação do trabalhador seja exposta aos demais funcionários;
  • O trabalhador deve assinar o termo de rescisão do contrato; 
  • O empregado precisa fazer o exame demissional. Caso o tenha realizado o exame periódico nos últimos 180 dias ele não é necessário; 
  • A companhia precisa entregar ao ex-funcionário os documentos para a quitação da rescisão do contrato. Com eles, o profissional vai poder ter acesso aos seus direitos trabalhistas, como FGTS e seguro-desemprego.

Este vídeo pode te interessar

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

Tags:

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais