> >
Professora diz que parecer de exoneração contraria acordo com Ufes

Professora diz que parecer de exoneração contraria acordo com Ufes

De acordo com Jacyara Paiva, o parecer da Procuradoria Federal favorável ao seu desligamento veio logo após ela ter feito denúncias de casos de racismo na universidade

Publicado em 20 de janeiro de 2024 às 09:33

Ícone - Tempo de Leitura 8min de leitura
Jacyara Paiva pode ser exonerada após parecer da Procuradoria Federal
Jacyara Paiva pode ser exonerada após parecer da Procuradoria Federal. (Arquivo pessoal)
Felipe Sena
Repórter / [email protected]

Correndo risco de ser exonerada após parecer de força executória da Procuradoria Federal junto à Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a professora Jacyara Paiva enxerga a ação como injusta. Dirigentes do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), da Associação dos Docentes da Ufes (Adufes) e do Movimento Social Negro se reuniram com o reitor da universidade, Paulo Vargas, nesta semana, para defender a permanência da professora na instituição. 

Na noite de sexta-feira (19), a Ufes divulgou um comunicado informando que enviou o caso à reanálise da Subprocuradoria de Consultoria Jurídica da Advocacia-Geral da União (AGU) para possíveis interpretações que possibilitem manter a professora no cargo.

Doutora em Educação, Jacyara também é pesquisadora sobre processos educativos em espaços não escolares. A professora reforça que, em 2018, chegou a um acordo com a reitoria e o Departamento de Linguagens, ao qual está vinculada, para o encerramento de uma disputa judicial envolvendo sua nomeação para o cargo na instituição. Para ela, o parecer da procuradoria é equivocado, pois, em nenhum momento, a Justiça solicitou sua exoneração, mas, sim, deu à Ufes a autonomia na decisão de mantê-la no cargo. 

"É a mesma universidade que resolveu ficar comigo por livre e espontânea vontade, não por força de liminar, em 2018", aponta Jacyara.

A professora ainda cita o fato de que o parecer veio justamente após ela ter feito denúncias de casos de racismo por parte de outros professores e até da própria instituição. Para a docente e sua defesa, não há, na decisão usada como base pela procuradoria, pedido de exoneração contra ela.

Tanto Jaciara quanto sua defesa alegam que a decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TFR2) apenas indica que a Ufes não tem a obrigação de nomeá-la, mas ressalta que a universidade optou por realizar a nomeação, seguindo a prerrogativa de poder fazer essa escolha no âmbito administrativo. 

Aspas de citação

Não é coincidência. Nós, mulheres negras, temos sido constantemente atacadas dentro das universidades públicas, porque esse é um espaço da branquitude. Esse é um espaço que não foi feito para nós. Então, temos adoecido e sido atacadas. E aí eu ocupo um lugar de poder, em que me posiciono contra a administração. O resultado não poderia ser outro

Jacyara Paiva
Doutora em Educação e professora da Ufes
Aspas de citação

O caso do ponto de vista da defesa

Em 2013, Jacyara foi aprovada em segundo lugar em um concurso para ser professora na Ufes. O tempo passou, Jacyara não foi chamada para ocupar o cargo, mas a universidade realizou algumas contratações temporárias para a vaga, de acordo com o assessor jurídico do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), Leandro Madureira, que está na equipe de defesa da professora.

"Identificou-se, à época, que haveria ali auferimento ao princípio do concurso público, considerando que havia um concurso válido, uma candidata aprovada em segundo lugar e que não era chamada para ocupar aquela vaga", destaca Leandro.

Ainda durante a validade do concurso em que Jacyara foi aprovada, um novo edital foi lançado em 2017, segundo Leandro, para as mesmas circunstâncias da aprovação da professora. "Ela, então, ingressou com uma ação judicial, justamente identificando que não havia necessidade de se lançar um novo edital, já que ela havia sido aprovada no edital anterior e tinha o interesse de ocupar aquela vaga", conta. 

E, na primeira instância, a professora conseguiu uma liminar para ocupar o cargo na Ufes. "Reconhecendo que havia, ali, uma ilegalidade, já que ela tinha sido aprovada em segundo lugar e estava sendo preterida na contratação. É importante destacar que ela teve uma concessão de medida liminar na sentença, no sentido de reconhecer o direito dela e determinar que a universidade desse posse à professora", explica Leandro. Ou seja, num primeiro momento, Jacyara foi empossada por meio de uma decisão judicial. 

É importante ressaltar que uma liminar é uma decisão provisória e que pode ser derrubada a qualquer momento. Jacyara e Ufes ingressaram, cada um, com um recurso. 

Cópia do acordo firmado entre reitoria e a professoria Jacyara para o encerramento do litígio judicial
Cópia do acordo firmado entre reitoria e a professoria Jacyara para o encerramento do litígio judicial. (Reprodução)

Em 2018, a Reitoria da Ufes, o Departamento de Linguagens e Jacyara firmaram um acordo (veja o documento acima) no qual a universidade manifestou interesse na permanência da servidora e no encerramento do litígio judicial. "Então, aquela posse, que era precária, já que era decorrente de uma ação judicial que ainda não havia sido finalizada, se tornou uma posse definitiva, porque a universidade manifestou interesse em manter a professora Jacyara naquele cargo", aponta Leandro.

"Tanto é assim que uma das ações da Ufes foi cancelar o segundo edital, justamente porque a professora Jacyara já havia sido empossada e não havia interesse em fazer um novo concurso", acrescenta o assessor jurídico.

Para ele, ao desistir do recurso, dá-se fim à oposição de interesses, uma vez que tanto Jacyara quanto a Ufes passam a querer a mesma coisa. Nesse caso, deveria valer a decisão administrativa da universidade.

Sobre o fato de a decisão do TRF2 ter sido mantida nas instâncias superiores, o advogado ressalta que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) não realizam análise dos fatos e das provas, apenas da tese jurídica e que, em nenhuma dessas cortes, foi pedida a exoneração da servidora. "A procuradoria está equivocada, promovendo uma manifestação delirante. A União manifestou a falta de interesse no recurso em 2018, o que faz a manifestação ser exclusivamente uma opinião", afirma o advogado.

O que diz a Ufes?

Por nota, a Administração Central da Ufes disse que o que ficou acordado, na reunião realizada na última quarta-feira (17), é que os dirigentes do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), da Associação dos Docentes da Ufes (Adufes), do Movimento Social Negro e a professora Jacyara de Paiva enviariam um expediente no qual apresentariam mais argumentos sobre o fato de a professora estar em cargo de dirigente sindical. Tão logo recebesse o expediente, a reitoria disse que o encaminharia à Procuradoria Federal para análise.

Na reunião, o reitor Paulo Vargas explicou que a decisão final do processo “é externa à universidade e nos impõe o dever de agir diante da lei. Trata-se de uma decisão da Justiça que, segundo o parecer de força executória da Advocacia-Geral da União (AGU), dá um comando a esse dirigente da universidade para fazer cumprir um acórdão do Tribunal Federal, que já foi definido na última instância da Justiça, o STF”.

"Mesmo assim, o reitor aceitou receber as últimas manifestações das entidades que representam a professora. Ele manifestou sua solidariedade à docente, mas afirmou que, como servidor e gestor público, deve agir de acordo com o que estabelecem a legislação vigente e as decisões do Poder Judiciário", diz o texto enviado à reportagem na tarde da sexta-feira (19),

No entanto, na noite da mesma sexta-feira (19), a Ufes divulgou um comunicado em seu site informando que enviou o caso à reanálise da Subprocuradoria de Consultoria Jurídica da Advocacia Geral da União (AGU) para possíveis interpretações que possibilitem manter a professora no cargo.

A reportagem também questionou a instituição sobre a declaração da professora de que o parecer veio após ela ter denunciado casos de racismo. Em nota, a Ufes disse que reafirma que não há outra motivação no processo iniciado pela professora Jacyara que não seja aquela relacionada aos procedimentos legais de admissão no serviço público por meio de uma sentença provisória e as decisões judiciais subsequentes.

"Os efeitos do acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) que cassou a sentença favorável à professora e que não permitem a sua permanência no cargo foram indicados pelo órgão de representação técnico-jurídica da Ufes (a Procuradoria Regional Federal da 2ª Região - PRF2, no Rio de Janeiro), que não possui relação com o cotidiano da Universidade ou com eventuais posicionamentos políticos de quem quer que seja. A professora sempre desempenhou suas atividades na Ufes a contento, tendo recebido das administrações da Ufes reconhecimento e confiança, inclusive ocupando funções de grande responsabilidade, como a presidência da Comissão de Heteroidentificação para ingresso de discentes e servidores. O processo foi iniciado em 2017 e tramitou na esfera do Poder Judiciário. A Ufes não tem ingerência sobre o andamento das atividades em outros órgãos públicos", diz nota enviada à reportagem. 

Sobre a manifestação do encerramento do litígio judicial por parte das partes envolvidas no processo, a universidade alegou que não houve nenhum acordo, mas sim uma decisão da Administração da Ufes de desistir da apelação que havia sido interposta contra a sentença que favorecera provisoriamente a professora.

"A desistência foi, sim, encaminhada à Justiça na época e está no processo judicial. Em 2018, o departamento onde estava lotada (Departamento de Linguagens, Cultura e Educação), decidiu que iria absorver a professora Jacyara definitivamente em seu quadro de professores, ocasião em que a Administração Central da Ufes, por meio da sua representação judicial (AGU), comunicou à Justiça seu interesse em desistir do recurso que havia interposto contra a sentença que determinara a nomeação da professora. No entanto, como se tratava de uma ação de Mandado de Segurança, a sentença, independentemente de recurso, tem que ser confirmada pela segunda instância", argumenta a universidade. 

O posicionamento da instituição segue. "Desse modo, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), que é esse órgão de segundo grau, acolheu a desistência do recurso. Porém, em seguida, na mesma sessão, continuou o julgamento e, por meio de um procedimento jurídico denominado Reexame Necessário, cassou a sentença que era favorável à professora. Ou seja, ao reexaminar a decisão de primeira instância que havia determinado à Ufes nomear a professora, concedendo-lhe o direito provisório de ocupação do cargo, o TRF2 reformou a sentença, pois considerou que a ela não possuía esse direito porque havia sido aprovada em segundo lugar no concurso e contratada fora do quantitativo de vagas ofertado no concurso (uma vaga), tendo decidido pela reforma da sentença e consequente nulidade da nomeação. A professora recorreu contra esse acórdão do TRF2, mas a decisão foi mantida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF)".

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais