Móveis espalhados, roupas em trouxas feitas com lençóis, brinquedos quebrados e incerteza sobre o futuro. Esse é o cenário após a reintegração de posse, na manhã desta terça-feira (9), de um terreno ocupado desde 2017 por mais de 700 famílias nas vilas Esperança e Conquista, em Vila Velha, na região dos bairros Jabaeté e Normília da Cunha, na Grande Terra Vermelha.
A retirada dos moradores obedece a uma decisão judicial, após uma longa batalha jurídica e protestos nas ruas da Grande Vitória. Muitos que viviam ali reclamam que não têm para onde ir e que ainda não receberam o apoio financeiro prometido pela Prefeitura de Vila Velha e pelo governo do Estado.
Na semana passada, as duas administrações informaram que ofereceriam, com a empresa dona do terreno, aluguel para até 493 famílias de Vila Esperança. Nesta terça, porém, muitos ocupantes da área relataram à reportagem de A Gazeta que não haviam recebido nenhuma orientação sobre o auxílio.
Próximo ao local da desocupação, a prefeitura chegou a montar uma tenda para dar informações sobre as assistências que os moradores poderiam recorrer. De acordo com o Executivo municipal, 329 famílias já foram atendidas e, desse total, 153 encaixam-se nos critérios do benefício, que será dividido em duas parcelas: a primeira de R$ 2.222 e a segunda de R$ 1,4 mil (que devem ser pagos em até 90 dias).
A reportagem procurou a prefeitura para saber quantas famílias, das 153 identificadas como aptas a obter o auxílio, efetivamente já foram contempladas com a primeira parcela. O Executivo disse apenas que os valores "já começaram a ser pagos", sem especificar a quantidade de assistidos nem o montante já desembolsado.
A aposentada Ana Maria da Penha Walkers, uma das primeiras moradoras de Vila Esperança, tentou resistir à reintegração, mas vizinhos acabaram por convencê-la a deixar a casa. "O jeito é esperar", disse.
Ana Maria da Penha Walkers
Aposentada, então moradora de Vila Esperança, em Vila Velha
"Não tenho como ficar na casa de familiares e não sei para onde ir"
Deficiente visual, a mulher conta que ainda lida com dores da fibromialgia, trata diverticulite (doença que afeta o intestino grosso) e depressão. “Há dias estou passando mal com essa situação. Estou contando com a ajuda de vizinhos para me alimentar e estou cada vez mais fraca”, contou.
No imóvel erguido por Ana, e que logo seria derrubado, a lona de um anúncio transformado em parede chamava a atenção: “3 quartos, 2 suítes, 110 m² privativos".
Em 20 de agosto deste ano, uma decisão judicial determinou que as famílias, algumas que haviam até construído suas casas no terreno, deveriam deixar o local. Para a saída da área, foi elaborado um plano de desocupação que previa 20 dias para saída voluntária. Com o fim desse prazo nesta terça-feira, diversos moradores saíram dos imóveis na presença de oficiais de Justiça, com auxílio da Polícia Militar (PMES). A demolição de todas as casas deve ser concluída até sexta-feira (12).
➥ Desde 2019, a área de quase 295 mil metros quadrados é alvo de briga judicial sobre o uso do terreno, de propriedade da Fazenda Moendas Empreendimentos e Participações. Em 2020, um decreto do ex-prefeito Max Filho chegou a classificar a região como “área de interesse social”. Em 2022, porém, o decreto foi revogado pelo prefeito Arnaldinho Borgo, com o argumento de que o local é um bem particular.
Na manhã desta terça, caminhões de mudança, carros de frete e até carrinhos de mão transportavam os móveis e pertences. Viaturas do Batalhão de Missões Especiais (BME), tratores e até um helicópeto foram usados na ação de reintegração.
Adriana Paranhos, a Baiana, líder comunitária de Vila Esperança, afirma que alguns moradores queriam resistir, mas abandonaram a ideia. Desde a semana passada, um grupo que vive no local tem feito manifestações pela Região Metropolitana, fechando ruas do Centro de Vitória e ficando em frente ao Palácio Anchieta, na Capital, em busca de uma solução.
Sem uma resposta certa e sem uma definição do futuro, parte dos moradores preferiu atear fogo nos imóveis a vê-los demolidos pela proprietária do terreno. Esse é o caso do auxiliar de manutenção Danilo de Jesus, que morava na ocupação com a esposa e cinco filhos.
“Preferi jogar gasolina logo do que deixar um trator passar por cima”, diz Danilo. "Construímos essa casa aqui e agora o cenário é esse aí com tudo queimado. É desolador."
Outros vizinhos chegaram a enviar os pertences para a porta do Palácio Anchieta, sede do governo do Estado, como forma de protesto. Desde a semana passada, um grupo que vive no local tem feito manifestações pela Região Metropolitana, fechando ruas do Centro de Vitória e ficando em frente à sede do governo capixaba, na Capital, em busca de uma solução.
“Tristeza e mais tristeza”, diz moradora
Em abril, quando uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a penúltima decisão para a reintegração de posse do terreno, A Gazeta entrevistou Jovenildes Soares, doméstica que vivia no bairro com o marido e mais seis crianças — quatro delas dependendentes de remédios controlados.
Na época, animada com a possibilidade de ficar no imóvel que ergueu na Rua Pau Brasil, como foi batizada uma das vias da ocupação, a mulher disse que queria melhorar a estrutura da casa erguida com madeiras e telhas. Hoje o cenário é outro.
“Tristeza e mais tristeza. Tem anos que estamos aqui nessa luta em busca de regularização e agora ficamos de mãos atadas sem ter o que fazer. Estou com seis crianças sem nem ter o que comer direito. O pior é que não sei nem para onde vamos. Estamos sem suporte algum do poder público”, relata.
A Prefeitura de Vila Velha informou, por meio de nota, que os moradores podem procurar por orientação sobre o suporte financeiro e estrutural no espaço do Projeto Tons de Amora, na Avenida Líbano, n.º 26, em Jabaeté, ao lado da Umei Hélida Figueiredo Milagres.
Desocupação de Vila Esperança, em Vila Velha
Defesa das famílias aponta falhas na desocupação
Apesar do benefício destacado pelo poder público, o advogado Robson Lucas, que representa as famílias de Vila Esperança, destaca que a ação de desocupação evidencia falhas na política habitacional.
“A gestão municipal falhou em apresentar alternativas dignas para todas as famílias. O auxílio anunciado não cobre a realidade de quem vive aqui, e a prefeitura revogou um decreto de desapropriação que poderia ter dado segurança às famílias”, afirma Robson.
O oficial de Justiça João Alfredo Martins frisa que a saída das famílias está respaldada por todos os trâmites que correram no tribunal sobre o terreno.
“Uma vez a retirada dos moradores foi suspensa, mas agora a ordem é desocupar e limpar a área. Se encontrada alguma espécie de resistência, estamos com o Batalhão de Choque para dar suporte aos trabalhos. Os moradores, por sua vez, têm o serviço de assistência da prefeitura e os caminhões da empresa para as mudanças”, diz.
Já a advogada Maria Elisa Quadros, que também representa as famílias, destaca que levantamentos feitos pela prefeitura sobre os moradores estariam defasados e não seriam adequados para embasar decisões judiciais em 2025.
Este vídeo pode te interessar
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.