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Publicado em 17 de setembro de 2025 às 16:23
Centro de disputas judiciais, uma comunidade quilombola em Itaúnas, no município de Conceição da Barra, no Norte do Espírito Santo, acaba de receber a certificação da Fundação Cultural Palmares (FCP) — uma etapa que antecede a titulação. A reintegração de posse do terreno ocupado pelos quilombolas estava marcada para a terça-feira (16), em decisão favorável à multinacional Suzano, mas a foi suspensa pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) na noite de segunda (15). >
Com a publicação da certificação como território quilombola no Diário Oficial da União nesta quarta-feira (17), o próximo passo a ser percorrido pelo Quilombo Itaúnas é no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que promove um estudo antropológico e histórica para, somente após a conclusão, poder conceder a titulação defintiva.>
O primeiro passo, já dado pela comunidade de Conceição da Barra, é a comunidade se declarar quilombola, por meio da vivência, da cultura, da arte, da culinária. Em geral, são áreas com ancestralidade que, historicamente, sabe-se que o território pertence àquele povo. Após autodeclaração de identificação dos povos, e também da delimitação do território, do ponto de vista do governo, a etapa seguinte é de certificação pela Fundação Palmares.>
Coordenadora de projetos da FCP, a advogada Liliane Amorim destaca que a comunidade de Itaúnas atendeu às exigências da portaria 98/07 da entidade para obter a certificação e agora, com o reconhecimento formal do estado brasileiro, passa a ter maior proteção a sua posse tradicional.>
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"A FCP, por meio de sua procuradora federal, poderá ingressar em processos judiciais para garantir a defesa e permanência da comunidade no território ocupado", ressalta Liliane, responsável pelas demandas relacionadas a conflitos fundiários. >
O que diz a Suzano sobre a reintegração
“A Companhia informa ter recebido com estranheza a suspensão da liminar de Reintegração de Posse antes deferida pela Justiça Estadual do Estado do Espírito Santo (na Ação nº 5000217-74.2024.8.08.0015) proferida no final da segunda-feira (15/09) pelo ministro Herman Benjamin.
Causa perplexidade o contexto dessa decisão, uma vez que foi proferida após 10 anos de tramitação judicial (ação iniciada setembro de 2015) e, ainda, sem a devida atenção às manifestações de diversas autoridades federais já apresentadas nos autos:
O INCRA, em 25/03/2019 apresentou manifestação informando que a área não está inserida em território de pretensão quilombola e a Fundação Cultural Palmares, em 07/10/2022, afirmou não deter expertise para realização da identificação das áreas contidas nas matrículas imobiliárias, devendo prevalecer o entendimento do INCRA.
A Justiça Federal, em 28 de novembro de 2023, reconheceu a ausência de interesse jurídico da Fundação Cultural Palmares e/ou do INCRA na ação e, assim, declarou sua incompetência processual, uma vez que ali já estava comprovado que os invasores da área não pertenciam a comunidades quilombolas certificadas ou reconhecidas.
A tentativa de reconhecimento posterior e intempestivo dos invasores como quilombolas, sem adequado respaldo técnico e jurídico e em contradição com manifestações anteriormente apresentadas no processo, configura grave afronta à segurança jurídica, à boa-fé processual e ao princípio da confiança legítima.
Tal conduta, além de gerar instabilidade institucional, coloca em risco o cumprimento de decisão judicial regularmente proferida, que determinou a reintegração de posse em favor da Suzano.
A companhia acredita na reversão da decisão recentemente proferida e reafirma seu compromisso com o respeito às comunidades tradicionais e com o cumprimento rigoroso das decisões judiciais. Reafirma, ainda, que cumpre rigorosamente a legislação brasileira e continuará conduzindo suas atividades de forma a contribuir com o desenvolvimento sustentável do país e do Estado do Espírito Santo.”
A superintendente do Incra no Espírito Santo, Maria da Penha Lopes dos Santos, explica que já existe um processo administrativo do território de Itaúnas no órgão que, além da função de governança fundiária, cuida da parte do estudo do território para a produção do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). >
"Esse estudo é importante porque é por ele que vão ser apresentados documentos e a história daquele território, a quem pertencia. E é desenvolvida toda uma organização com as comunidades para que possam acompanhar o processo", pontua. >
Maria da Penha preferiu não dar prazo para a execução do RTID de Itaúnas. Isso porque a certificação da fundação acabou de sair e porque já havia, no Incra, outros processos de comunidades certificadas para dar andamento ao relatório. Além disso, não se trata de uma investigação simples. >
"O tempo de estudos não é algo feito com um mês. Mas queremos começar o quanto antes para acelerar esse processo", assegura. >
Após a preparação do RTID, o documento é publicado e, se houver pessoas que não são quilombolas no território, é feita a desapropriação. Maria da Penha explica que, na área delimitada, mesmo que o proprietário seja um quilombola, a terra será desapropriada porque a titulação é coletiva, não individual. >
A desapropriação é determinada por decisão judicial e os proprietários desapropriados ainda têm um tempo de contestação. Com essa etapa concluída, com o território reconhecido e delimitado, o presidente da República publica o decreto para entregar o título da terra à associação que representa a comunidade. Se houver várias entidades associativas, afirma a superintendente, apenas uma ficará responsável para receber a titulação. >
A comunidade de Itaúnas estava na iminência de uma ação de reintegração de posse, suspensa pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) na véspera do cumprimento de uma decisão tomada em primeira instância. Agora, com a certificação, os remanescentes quilombolas têm maior proteção jurídica. >
A advogada Graciandre Pereira Pinto, do coletivo Terra do Bem, que atua em apoio às comunidades tradicionais, diz que, na região, há 130 imóveis e cerca de 400 pessoas no território. "São famílias de quatro, cinco pessoas, formadas por pequenos agricultores que trabalham para subsistência", pontua. >
A comunidade, que busca o reconhecimento definitivo com a titulação de quilombo, também está envolvida em projetos de desenvolvimento sustentável e proteção ambiental. >
Questionada sobre os limites do território, Graciandre diz que, com a ocupação da Vila de Itaúnas pela atividade massiva do setor hoteleiro, muitos quilombolas precisaram se mudar e, hoje, estão concentrados próximos à rodovia ES-010. "Sem contar os que saíram de Itaúnas para ocupar morros de Vitória e Vila Velha", conclui a advogada. >
O Espírito Santo tem 54 comunidades quilombolas autodefinidas (que se identificam como tal), 37 certificadas pela Fundação Palmares e uma titulada, que é a São Pedro, em Ibiraçu.>
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