Queda histórica do PIB não é só pandêmica, é estrutural

A economia brasileira está nesse estado devido a um intrincado impasse, envolvendo distintas crises que se complementam. O novo coronavírus encontrou um país  vulnerável, já adoecido

Publicado em 02/09/2020 às 06h00
Atualizado em 02/09/2020 às 06h00
PIB
PIB teve queda recorde de 9,7% no segundo trimestre de 2020. Crédito: A7 Press/Folhapress

Com a revelação da fotografia do segundo trimestre de 2020, a imagem está nítida, sem sombras: o Brasil está oficialmente em recessão, com a queda recorde (e esperada) de 9,7% do PIB entre abril a junho, que corresponde ao período mais crítico da pandemia, quando se mira o retrovisor.

Desde então, os Estados mais organizados — e o Espírito Santo sem dúvidas está entre eles — conseguiram aos poucos reduzir as restrições às atividades econômicas até chegar ao estágio atual, no qual se planeja um novo status dentro do enfrentamento da Covid-19: o de convivência com o vírus.  Basicamente, com a adoção de medidas que visem à redução de danos, para que a crise sanitária reduza seu impacto na economia.

É emblemático o peso do setor de serviços no PIB nacional: 74%. São bares, restaurantes, hotéis, salões de beleza e comércio, estabelecimentos profundamente afetados pelas restrições no auge da pandemia e, em alguns casos, ainda suspensos. Uma paradeira que ajudou a reduzir a produção de riquezas no país, e não por pouco se vê tamanha movimentação organizada, aqui mesmo no Espírito Santo, para que já se liberem algumas dessas atividades, principalmente na área de eventos, para um retorno produtivo. Já há previsão de que a atividade econômica do Espírito Santo deve retrair 6,9% em 2020,  encolhimento puxado, sobretudo, pelo segmento de serviços, que responde por mais de metade do PIB capixaba.

Como foi destaque em editorial neste jornal na terça-feira (1º), a derrubada de restrições caminha lado a lado com o comprometimento da população com uma nova postura social, de autoproteção em prol da segurança coletiva, provocando a queda de circulação do novo coronavírus. Máscaras e distanciamento, em situações sociais, continuam na ordem do dia.

A pandemia não derrubou apenas a economia brasileira. Os números do segundo trimestre em 30 países que já divulgaram resultado do PIB apontam uma queda de 9,5% em média, de acordo com dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).  A China foi exceção, com crescimento de 11,5%.

Brasil, contudo, tem suas peculiaridades: não somente ainda não havia se recuperado dos traumas de 2015 e 2016, com crescimento irrisório nos anos que se seguiram, como entrou em 2020 já patinando. O índice do primeiro trimestre de 2020 sofreu  revisão do IBGE, que apontou recuo de 2,5% na comparação com os últimos três meses de 2019.  Antes, acreditava-se que a retração havia sido de 1,5%.

É preciso dar a mão à palmatória: a catástrofe econômica é anterior à pandemia. A economia brasileira está nesse estado devido a um intrincado impasse, envolvendo distintas crises que se complementam. As recorrentes tentativas de promover o desequilíbrio fiscal com investimentos populistas, isso sem contar a falta de atitude quanto a uma remodelação estatal, que reduza os gastos com funcionalismo.

Somam-se ainda a falta de competitividade e produtividade, a excessiva burocracia e o pandemônio do sistema tributário. As privatizações que não saem do papel completam o álbum. O Brasil tem várias frentes a serem atacadas, mas pouco avançou. O resultado é que o novo coronavírus encontrou um país extremamente vulnerável, já adoecido.

Justamente no dia da divulgação dos números do PIB pandêmico, o Planalto tratou de cumprir uma oportuna agenda positiva. Anunciou a prorrogação do auxílio por mais quatro meses. Reduzido à metade, e assim afetando menos as contas públicas, cumpre seu papel social e deve continuar contribuindo para estimular o consumo. Especialistas afirmam que o benefício foi essencial para amortecer a queda do PIB, e a sua manutenção pode garantir essa toada até o fim do ano.

O presidente Jair Bolsonaro também anunciou o envio de uma reforma administrativa ao Congresso. Uma sinalização tímida de que pretende começar a reestruturar o Estado, ao reforçar que só afetará quem entrar no serviço público após a sua aprovação. Ainda é pouco,  há muito a fazer para recuperar a credibilidade do país e atrair investimentos. Inclusive no contexto da própria pandemia que, ao contrário do que pode parecer, não desapareceu.

Tanto continua que deveria estar bem fresca a ideia de que o controle da doença nos próximos meses será crucial  para cumprir as expectativas de recuperação. A previsão é que o ano de 2020 se encerre com queda em torno de 5%, mas para isso o terceiro trimestre deverá apresentar um crescimento também de 5%. Os resultados não se produzem por mágica, sem empenho governamental. E um presidente que, de antemão, coloca em xeque a vacinação, deliberadamente já atrapalha esse processo.

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