No vídeo da reunião de Bolsonaro, pandemia foi apenas uma figurante

É difícil de acreditar, mas em plena batalha contra a Covid-19 a cúpula do governo do Brasil se reuniu por duas horas para tratar de prioridades bem menos urgentes e republicanas

Publicado em 14/05/2020 às 06h00
Atualizado em 14/05/2020 às 06h00
Reunião ministerial em que Bolsonaro teria pressionado Moro para interferir na PF no Rio foi filmada
Reunião ministerial em que Bolsonaro teria pressionado Moro para interferir na PF no Rio foi filmada. Crédito: Marcos Correa/PR

É curioso que a primeira acepção da palavra "descobrir" em alguns dicionários seja algo que varia em torno de "remover o que cobre algo ou alguém, deixando exposto". Pois é justamente uma reunião realizada em 22 de abril, data em que se celebra o descobrimento deste país continental, que pode revelar quem diz a verdade na crise política iniciada com o desembarque do ex-juiz Sergio Moro do governo Bolsonaro.

Um dos dois será "descoberto" com base em um encontro ministerial que foi registrado em vídeo, cuja exibição a investigadores na terça-feira (12) já começou a balançar o mundo político. Extraoficialmente, fontes que tiveram acesso ao conteúdo afirmam que, nas imagens, o presidente associou de fato a troca na superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro à defesa de seus próprios filhos, alegando uma perseguição à sua família.

É uma investigação que está em curso, portanto todas as inferências podem cair no vazio. Mas os indícios de possíveis crimes de responsabilidade se engrossam a cada novo episódio. Ainda na terça-feira, com a circulação das informações sobre o teor do vídeo, Jair Bolsonaro chegou a afirmar que a Polícia Federal nunca havia investigado ninguém de sua família.

Um dia depois, o ex-superintendente da Polícia Federal do Rio Carlos Henrique Oliveira confirmou em depoimento que o senador Flávio Bolsonaro  era investigado em um inquérito em curso na superintendência fluminense.

Para piorar, os depoimentos de ministros tampouco ajudam a dissipar as suspeitas sobre as intenções políticas de Bolsonaro. Enquanto o presidente se defende dizendo que não mencionou a Polícia Federal durante a fatídica reunião, os ministros do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, afirmaram que o presidente citou, sim, o órgão. Os depoimentos integram o inquérito do STF que investiga a acusação de  interferência política na PF feita pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro.

O vídeo se tornou uma espécie de Caixa de Pandora do governo. No momento está entreaberta, mas já causando estragos. O ministro Celso de Mello deu 48 horas para o procurador-geral da República, Augusto Aras, manifestar-se sobre o sigilo do registro audiovisual.

Da exibição privê da terça-feira, cercada de segurança, sabe-se que a reunião de quase duas horas foi marcada por palavrões e brigas explícitas de ministros. O anúncio de distribuição de cargos para o Centrão foi vociferado, sem pudores. Aos que testemunharam, ficou a marca de uma conferência com nenhuma deferência republicana.

Uma reunião realizada em pleno 22 de abril, dia em que o Brasil pós-descobrimento completava 520 anos. Uma data que marcou 45.757 casos registrados de Covid-19 e 2.906 mortes em todo o país, de acordo com dados do Ministério da Saúde.

Ironicamente, a pandemia que aflige o planeta foi assunto meramente figurativo no evento que reuniu a cúpula governamental deste pobre país. Impropérios, conchavos e autoritarismo, ao que parece, foram os protagonistas. Vale repetir: em plena pandemia. Independentemente de quem vai se sair vencedor desse embate político, Moro ou Bolsonaro, é o Brasil que já está perdendo há tempo demais.

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