Mudança no ICMS do combustível: o fim justifica os meios?

A demagogia de se lançar o ICMS aos leões mostra que tanto o governo federal quanto os parlamentares preferem a solução mais fácil e popular, mesmo que ela não resolva a raiz do problema

Publicado em 15/10/2021 às 02h00
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A escalada no Brasil está atrelada ao preço do barril, em alta, e à desvalorização do câmbio. Crédito: Vitor Jubini

Ninguém suporta mais os aumentos sucessivos no preço da gasolina, tampouco os efeitos deletérios dos valores dos combustíveis na cadeia produtiva e, consequentemente, o seu impacto na inflação, que a cada dia reduz mais o poder de compra do trabalhador. Mas também é penosa a politização do problema, consumada nesta quarta-feira (13) com a aprovação na Câmara da proposta que altera a incidência do ICMS sobre combustíveis ao estabelecer um valor fixo por litro para o imposto.

Ao decidir que essa é a melhor estratégia para frear os preços, os deputados corroboram a narrativa que vem sendo construída pelo governo federal e pela própria Petrobras de que o tributo estadual seria o principal culpado pela gasolina nas alturas. O que já está comprovado ser uma falácia.

Aqui cabe uma ressalva: é incontestável que o brasileiro paga impostos demais, uma onerosa carga tributária sem as devidas contrapartidas. A incidência dos tributos no consumo, da forma como se dá atualmente, promove a injustiça tributária que deveria ser alvo de uma reforma ampla, simplificadora. Mas a questão é que a responsabilização do ICMS pela disparada dos preços dos combustíveis é muito oportuna na guerra federativa que se instalou no país desde a pandemia: é mais fácil culpar os governadores do que assumir as próprias responsabilidades.

A solução encaminhada por Arthur Lira, que apesar de não ter sido a proposta do Planalto também cai bem para o governo Bolsonaro, precisa encontrar mais resistência no Senado. Pelo bem do país, não pode passar. Mas de antemão já se encaminha para a judicialização, por violar a autonomia dos Estados.

Os governadores já articulam uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar a medida, o que mostra a fragilidade constitucional da proposta. O apelo populista de se congelar um imposto, contudo, conseguiu mobilizar os deputados, temerosos do impacto eleitoral em 2022. No que diz respeito ao Espírito Santo, os oito parlamentares da bancada presentes na votação foram favoráveis ao projeto.

O impacto da perda de receita no Espírito Santo será considerável demais para não causar preocupações sobre os compromissos do poder público com a população. No total, R$ 323 milhões vão deixar de ir para os cofres do Estado anualmente. Já os municípios capixabas vão perder R$ 107 milhões. Os cálculos são da Secretaria da Fazenda estadual (Sefaz).

A demagogia de se lançar o ICMS aos leões mostra que tanto o governo federal quanto os parlamentares preferem a solução mais fácil e popular, ao olhar do contribuinte/eleitor. Mesmo que ela não resolva o problema na raiz. O novo cálculo, em um primeiro momento, pode até fazer o preço cair nas bombas, mas não é perene. Quando a base de preços para estipular o imposto fixo estiver alta, o efeito será contrário no bolso. 

Falta disposição política para tratar o assunto com a seriedade que merece. Na composição do preço dos combustíveis, a parte que cabe à Petrobras é a que representa a maior fatia do valor que chega ao consumidor. A escalada no Brasil está atrelada ao preço do barril, em alta, e à desvalorização do câmbio. Não há uma política de amortecimento, a Petrobras segue monopolista. Sem concorrência, é o consumidor que paga a conta da conjuntura econômica desfavorável.

O presidente Jair Bolsonaro, em meio ao calor da aprovação da proposta de congelamento do ICMS na Câmara, chegou a falar nesta quinta-feira (14) que "tem vontade de privatizar a Petrobras". "Vou ver com a equipe econômica o que a gente pode fazer porque, o que acontece? Eu não posso, não é controlar, não posso melhor direcionar o preço do combustível, mas quando [ele] aumenta a culpa é minha". 

Bolsonaro precisa entender que, ao ser eleito, assumiu algumas responsabilidades. Ninguém coloca a faixa presidencial sem sentir o peso dela. Uma possível privatização da Petrobras tem  tudo para ser um caminho para um mercado mais competitivo, é algo a ser tratado com seriedade. A responsabilidade do presidente é com a adoção de medidas estruturais, em consonância com o Legislativo, para atacar a disparada dos preços dos combustíveis no seu cerne, não onde é politicamente conveniente e confortável. 

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