Em 2018, ano em que Jair Bolsonaro foi democraticamente eleito presidente do Brasil, um best-seller no exterior havia acabado de ser lançado por aqui, com bastante repercussão. "Como as democracias morrem", livro dos cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, alertava que o esfacelamento dos regimes democráticos no século 21 não se dava mais com armas e tanques nas ruas, uma marca do golpismo no século 20. Assim, passou a ser necessário estar atento aos movimentos de ruptura mais sutis, como a desmoralização sistemática das instituições.
Durante quatro anos, não faltaram esses sinais. Muito se fala sobre os alvos contumazes, o próprio Supremo Tribunal Federal e seus ministros entre eles, e a desinformação massiva contra o processo eleitoral brasileiro, substanciado nas urnas eletrônicas. Mas até mesmo a desconsideração organizada daquele governo com a vacinação, em plena pandemia, já se firmava como um ataque a uma política de Estado fundamental à saúde pública. As instituições balançavam.
Mas as sutilezas foram deixadas para trás naquele 8 de janeiro de 2023, quando Brasília foi tomada por uma turba raivosa que não aceitava o resultado das eleições do ano anterior. Uma versão verde e amarela da invasão ao Capitólio por eleitores de Donald Trump. A partir daí, com as investigações, foi descortinada a trama golpista, com muitos rastros de seus mentores, que felizmente não foi levada a cabo porque as mesmas instituições que foram alvos recorrentes de ataques se mostraram resistentes.
É por isso que o Brasil tem motivos para ter orgulho de sua jovem e resiliente democracia. E é por isso que o mundo democrático deve se inspirar, mesmo diante do mau agouro que vem da Casa Branca. O Brasil deu uma lição democrática aos Estados Unidos, algo impensável até bem pouco tempo. Não cedeu aos tarifaços, às sanções financeiras ou às ameaças militares, fruto de uma guerra de narrativas alimentada pelos próprios interesses de Trump.
Jair Bolsonaro é o primeiro ex-presidente condenado à prisão por estar à frente de uma conspiração para impedir a posse de um presidente legitimamente eleito. Tão legítimo quanto ele próprio, em 2018. Os outros sete réus também foram condenados, entre eles militares de alta patente. Não foi só o golpe que não deu certo, mas também as ambições de impunidade. O Brasil, um país de curtos períodos democráticos, entremeados pelo golpismo, começa a escrever uma nova história.
A condenação envenena futuros anseios autoritários vindos de qualquer parte. O radicalismo não tem vez no Brasil, esse é o recado. A Constituição foi resguardada, aqueles que se voltaram contra ela foram punidos. Em uma adaptação daquele samba tão famoso, o STF confirmou que o Brasil não deixou a democracia morrer. Nem deixará.
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