Publicado em 22 de outubro de 2021 às 09:38
A exigência do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de turbinar gastos em ano eleitoral e a manobra para driblar a regra constitucional do teto de gastos derrubaram a Bolsa, fizeram disparar dólar e juros e causaram uma debandada no time do ministro Paulo Guedes (Economia).>
A perda de credibilidade da política fiscal brasileira diante do investidor fez a moeda americana entrar na rota para chegar aos R$ 6. O juro futuro já está em 12% ao ano com o fim da confiança do mercado de capitais na equipe econômica.>
Quatro secretários da equipe econômica pediram demissão nesta quinta-feira (21) por discordarem das decisões. Pediram para deixar o governo dois dos principais nomes do núcleo da pasta, o que comanda as contas públicas.>
O maior representante da área, abaixo de Guedes, é o secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal. Ele e o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt -subordinado a Funchal-, pediram exoneração dos cargos. Para muitos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não era mais o fiador da política fiscal, papel que era exercido por Funchal. A saída dele deixou o mercado em pânico.>
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Em nota, o Ministério da Economia afirmou que também deixarão os cargos técnicos-chave da pasta. São eles a secretária especial adjunta do Tesouro e Orçamento, Gildenora Dantas, e o secretário-adjunto do Tesouro Nacional, Rafael Araujo.>
A debandada ocorreu após semanas de escalada da pressão do Palácio do Planalto sobre a equipe econômica por mais recursos, e horas após a formalização de uma proposta do governo para driblar o teto de gastos, regra que limita o crescimento das despesas públicas federais.>
A medida abre margem de ao menos R$ 83 bilhões no Orçamento em ano eleitoral, inclusive para turbinar emendas parlamentares, recursos direcionados pelos deputados e senadores para bases eleitorais.>
Alinhado à ala política do Palácio do Planalto e ao centrão, Bolsonaro anunciou uma série de gastos às vésperas de ano eleitoral. Em 2022, ele buscará a reeleição.>
O imbróglio está em torno de garantir R$ 400 para o Auxílio Brasil. O programa substituirá o Bolsa Família, uma marca do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que hoje lidera a corrida presidencial.>
O Ministério da Economia atribuiu os pedidos de demissão dos quatro secretários a "razões de ordem pessoal". No entanto, a saída do Bruno Funchal, de acordo com interlocutores, tem respaldo na quebra do compromisso de ser um governo de austeridade. >
O economista, que é professor da Fucape, no Espírito Santo, e também foi secretário da Fazenda no Estado, era o responsável por fazer a interlocução da equipe econômica federal com o Congresso, voz que Guedes já não tinha com os parlamentares após sucessivas rusgas.>
Segundo a pasta, as solicitações foram feitas de modo a permitir que haja um processo de transição e de continuidade. Eles continuarão no cargo até a nomeação dos substitutos, cujos nomes não foram divulgados.>
A reportagem, no entanto, apurou que Funchal afirmou à sua equipe que deixa o governo por questão de princípios. O secretário demissionário já havia dito que não chancelaria medidas que subvertessem a ordem fiscal. Para o mercado, a permanência de Funchal por mais tempo no quadro, mesmo com o furo no teto de gastos, poderia representar certo alívio, de que a política desastrosa poderia ser contornada. >
Mas a saída logo após o próprio Guedes admitir que o governo quer ser reformista e popular deu o tom que os próximos meses a proposta de ajustar as contas públicas e evitar um aumento da dívida federal não será mais respeitada.>
"Funchal e Bittencourt agradecem ao ministro pela oportunidade de terem contribuído para avanços institucionais importantes e para o processo de consolidação fiscal do país", disse o ministério.>
A debandada é reflexo de uma crise aberta no governo entre a equipe econômica e a ala política. Cobrado pelo centrão e interessado em medidas com apelo eleitoral, Bolsonaro exigiu o pagamento de R$ 400 a beneficiários de programas sociais até o fim de 2022, ano de eleição.>
Integrante do centrão, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), minimizou os pedidos de demissão. Ele elogiou o time de Guedes e disse que novos nomes estarão a serviço do governo.>
"A equipe econômica, que vem bem conduzindo esta crise provocada pela pandemia, terá substituições por técnicos igualmente qualificados que continuarão prestando bons serviços. Guedes firme e forte como sempre na condução da economia", disse Barros, no Twitter.>
O ministro João Roma (Cidadania), responsável pelo Auxílio Brasil, disse à reportagem ter achado "muito estranha" a saída de Funchal.>
"Eu acho muito estranha essa posição, uma vez que pela manhã ele estava conosco na Casa Civil validando o texto", afirmou. "Pode ter algum interesse estranho nisso, [de tomar essa decisão] num dia sensível em que o Brasil faz a tentativa de ajudar as pessoas mais necessitadas", disse.>
O contorno às regras fiscais foi a saída encontrada pelo governo para viabilizar o Auxílio Brasil turbinado. Guedes era contra e tentou negociar uma solução sem alterações no teto, mas foi vencido na discussão com a ala política.>
Segundo relataram membros do governo à reportagem, quando Guedes apresentou a ideia à própria equipe, houve forte reação de subordinados e ameaças de demissão.>
Pela falta de consenso e pela necessidade de mais tempo para a elaboração da proposta, o anúncio dos R$ 400 foi suspenso. O plano passou a ser adaptado com ajuda da própria equipe econômica e desencadeou a proposta alternativa, que expande o teto de gastos.>
Nesta quinta, governo e aliados no Congresso inseriram na PEC (proposta de emenda à Constituição) que adia o pagamento de precatórios -dívidas reconhecidas pela Justiça- uma mudança na regra de correção do teto de gastos, para expandir o limite para as despesas.>
O conjunto das alterações previstas cria um espaço orçamentário de R$ 83 bilhões no ano eleitoral de 2022, de acordo com o relator da proposta, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB).>
Antes mesmo do anúncio da saída dos secretários, o mercado havia encerrado o dia com reação negativa forte à proposta do governo.>
A Bolsa fechou em queda de 2,75%. O dólar subiu 1,88%, a R$ 5,6670, e os juros futuros aumentaram os prêmios, com o DI para janeiro de 2025 em alta de quase 60 pontos-base, a 11,48% ao ano.>
A demissão dos secretários foi usada como argumento pela oposição, que tentou barrar o avanço da PEC na Câmara. Na noite desta quinta, porém, o texto-base foi aprovado na comissão especial que discute o texto.>
Segundo partidos de oposição, a debandada mostrou que a proposta não é consenso nem sequer no governo.>
Em entrevista à CNN nesta quinta, Bolsonaro afirmou que o ministro da Economia continua no cargo. "Paulo Guedes continua no governo e o governo segue com a agenda de reformas. Defendemos as reformas, que seguem no Congresso Nacional", afirmou.>
Funchal e Bittencourt eram responsáveis pelo comando dos cofres do governo e tinham confiança de Guedes. O ministro os nomeou para os cargos há cerca de seis meses em uma dança das cadeiras deflagrada com a saída do então secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues.>
Os dois estavam entre os maiores defensores do teto de gastos na pasta e apontavam a regra como a âncora para a manutenção da confiança no governo e a estabilidade de indicadores como juros e inflação.>
No início desta semana, quando a ideia de driblar o teto foi aventada, interlocutores do governo já haviam alertado que a concretização de uma medida do tipo poderia provocar debandada na equipe econômica.>
No Ministério da Economia, Funchal foi diretor de programa e se encarregava sobretudo de medidas voltadas aos estados. Ele foi promovido a secretário do Tesouro no lugar de Mansueto Almeida.>
Depois, ele subiu mais um degrau na hierarquia ao assumir o comando da Secretaria Especial de Fazenda -hoje denominada Secretaria Especial do Tesouro e Orçamento.>
"Parabéns ao secretário do Tesouro e ao secretário especial de Fazenda por não aceitarem participar da maior lambança fiscal da história das contas públicas no Brasil", afirmou no Twitter Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente, órgão ligado ao Senado).>
Servidor de carreira do Tesouro, Bittencourt foi assessor especial de Guedes antes de ocupar o comando da secretaria. Ele foi alçado ao posto após a saída de Waldery Rodrigues, que era da Secretaria de Fazenda.>
Bittencourt havia sido também secretário especial adjunto de Fazenda e passou por outros cargos no ministério, como o de diretor de programa. Trabalhou também no governo do Rio Grande do Sul.>
Em agosto de 2020, Guedes teve de lidar com outro movimento classificado por ele próprio como debandada.>
Na ocasião, os então secretários especiais Salim Mattar (Desestatização) e Paulo Uebel (Desburocratização) decidiram deixar os cargos. A razão das saídas foi a demora do governo em implementar reformas.>
Do primeiro escalão montado originalmente por Guedes ao assumir o posto, em 2019, restam apenas o secretário-executivo, Marcelo Guaranys, e o secretário especial de Produtividade, Carlos da Costa.>
Pelo plano apresentado para mudar a regra fiscal, a Constituição será alterada para que o teto seja corrigido anualmente pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumulado em 12 meses de janeiro a dezembro.>
Atualmente, o período usado como base para o limite anual considera o IPCA acumulado em 12 meses até junho do ano anterior. Isso cria um descompasso nas contas, porque despesas previdenciárias e de programas sociais são corrigidas com base na inflação calculada no encerramento do ano.>
Com a alteração, seriam sincronizados os períodos de correção do teto e das despesas indexadas do governo.>
Só com a mudança na correção do teto, o relator da PEC dos precatórios, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que seria aberto um espaço de mais de R$ 39 bilhões em relação ao previsto hoje na proposta de Orçamento de 2022.>
Segundo ele, a folga subiria para os R$ 83 bilhões, com a flexibilização no pagamento dos precatórios, que serão em parte jogadas para anos seguintes.>
Motta afirmou que os reflexos da crise da Covid-19 justificam as mudanças no teto de gastos.>
"Estamos antecipando a reavaliação do teto, que poderia ser feita em 2026, para 2021, porque tivemos uma pandemia que mais do que justifica a antecipação dessa reanálise", disse o relator.>
Segundo ele, a nova versão da PEC dos precatórios, que agora prevê a mudança no teto de gastos, também deverá permitir elevar de R$ 4 bilhões para R$ 11 bilhões a verba para compra de vacinas contra a Covid-19.>
A conta do espaço a ser aberto no teto de gastos com as mudanças pode ser mais alta do que a apresentada pelo relator.>
Pelos cálculos do economista Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente, órgão ligado ao Senado), a correção do teto deve expandir o teto em 2022 em R$ 47 bilhões, em relação ao previsto sob a regra atual.>
Segundo ele, somado ao impacto provocado pela limitação de precatórios, o espaço aberto nas contas de 2022 deve chegar a R$ 94,4 bilhões, valor maior do que o estimado pelo relator.>
Para Juliana Damasceno, economista e pesquisadora de finanças públicas do Ibre FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas), as mudanças das regras mostram que não há preocupação em manter a norma como uma âncora fiscal do país.>
"Antecipar essa revisão responde apenas a um interesse temporário, conjuntural, que é o cenário das eleições do ano que vem", disse.>
Em Sertânia (PE), onde esteve na inauguração de um braço da transposição do rio São Francisco, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse que o aumento no auxílio será feito com responsabilidade.>
"Temos aproximadamente 16 milhões de pessoas no Bolsa Família, e o valor médio [do benefício] está em R$ 192. Se o médio é R$ 192, tem muita gente ganhando R$ 40, R$ 50, R$ 60. O que nós decidimos é que vamos passar todos para no mínimo R$ 400. Isso tudo com responsabilidade, ninguém está furando teto, não", afirmou.>
A mudança na regra do teto de gastos começaria a valer já neste ano, de acordo com a nova versão da PEC apresentada nesta quinta.>
Um dispositivo determina que a correção em 2021 poderá liberar um limite de até R$ 15 bilhões em despesas ligadas à vacinação contra a Covid-19, além de "ações emergenciais e temporárias de caráter socioeconômico".>
LEIA A ÍNTEGRA DA NOTA DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA.
O secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, e o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, pediram exoneração de seus cargos ao ministro da Economia, Paulo Guedes, nesta quinta-feira (21/10).
A decisão de ambos é de ordem pessoal. Funchal e Bittencourt agradecem ao ministro pela oportunidade de terem contribuído para avanços institucionais importantes e para o processo de consolidação fiscal do país.
A secretária especial adjunta do Tesouro e Orçamento, Gildenora Dantas, e o secretário-adjunto do Tesouro Nacional, Rafael Araujo, também pediram exoneração de seus cargos, por razões pessoais.
Os pedidos foram feitos de modo a permitir que haja um processo de transição e de continuidade de todos os compromissos, tanto da Seto quanto da STN."
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