Publicado em 12 de setembro de 2022 às 21:24
BRASÍLIA - O governo Jair Bolsonaro (PL) decidiu liberar R$ 3,5 bilhões em emendas de relator, usadas como moeda de troca nas negociações com o Congresso Nacional, a menos de um mês das eleições. A divisão dos recursos foi autorizada pela JEO (Junta de Execução Orçamentária), colegiado formado pelos ministros Paulo Guedes (Economia) e Ciro Nogueira (Casa Civil).>
O valor deve ser usado para contemplar aliados do Palácio do Planalto e também da cúpula do Congresso Nacional, muitos dos quais buscam a reeleição neste ano.>
Em pleno calendário eleitoral, os recursos indicados para os redutos eleitorais desses parlamentares poderão ser empenhados —essa é a primeira fase do gasto, quando há o compromisso com aquela despesa. Apesar disso, o repasse financeiro é vedado até o fim das eleições, exceto em caso de obra ou convênio já em andamento.>
A iniciativa tem sido criticada por parlamentares de oposição, que questionam a medida no STF (Supremo Tribunal Federal).>
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A liberação dos recursos é possível graças a duas MPs (medidas provisórias) de Bolsonaro para adiar ou limitar despesas de Ciência e Cultura aprovadas anteriormente pelo Legislativo. A manobra permitiu jogar R$ 5,6 bilhões em gastos para 2023 e abrir caminho ao desbloqueio de parte das emendas.>
A estratégia para liberação imediata da verba foi concluída com um decreto que permitiu ao governo usar o alívio para desbloquear gastos sem a necessidade de elaborar um relatório de revisão de receitas e despesas do Orçamento. O documento, que é periódico, terá sua próxima edição em 22 de setembro — esperá-lo deixaria pouco tempo para a liberação das emendas antes das eleições em 2 de outubro.>
O decreto foi publicado em edição extra do Diário Oficial da União na noite de 6 de setembro, véspera do feriado do Bicentenário da Independência.>
A maior parte dos recursos, R$ 1,7 bilhão, será empregada em ações do Ministério do Desenvolvimento Regional, uma das pastas preferidas pelos parlamentares para direcionar recursos de obras de pavimentação ou compra de maquinário para suas bases.>
Também serão contemplados os ministérios da Saúde (R$ 698 milhões), Cidadania (R$ 598 milhões) e Agricultura (R$ 230 milhões).>
Os outros R$ 2,1 bilhões serão usados para destravar despesas próprias dos ministérios, que estão estranguladas diante do bloqueio de R$ 12,7 bilhões no Orçamento, vigente desde o fim de julho.>
O corte também atingiu as emendas. Em julho, quando quase metade dos R$ 16,5 bilhões em emendas de relator foi bloqueada, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que controla parte das verbas, reclamou com o Palácio do Planalto.>
O Executivo está remanejando os recursos após Bolsonaro cortar verba da ciência e cultura. Em 29 de agosto, o presidente editou duas MPs (medidas provisórias), uma delas para limitar a R$ 5,6 bilhões os gastos do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) em 2022. Como a obrigação antes era maior, na prática o governo ganhou espaço no Orçamento.>
Outra MP adiou os repasses das leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, de auxílio à cultura em estados e municípios, e do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), aprovados pelo Congresso como resposta à crise causada pela pandemia de Covid-19 nesses setores.>
Os repasses foram aprovados pelo Congresso e vetados por Bolsonaro. Em reação, o Legislativo derrubou os vetos, restabelecendo a ajuda financeira, agora adiada numa canetada pelo presidente da República. Uma medida provisória tem força de lei a partir do momento de sua publicação, com duração de até 120 dias — período em que precisa ser ratificada pelos parlamentares para permanecer em vigor.>
Mesmo postergando as despesas, a equipe econômica teria de esperar o dia 22 de setembro para prever a liberação dos recursos, a ser efetivada em um decreto no fim do mês.>
O Ministério da Economia até pode elaborar relatórios extemporâneos sempre que julgar necessário, mas essa tarefa exige um esforço de toda a Esplanada dos Ministérios no envio de informações atualizadas, incluindo projeções de inflação, crescimento, previsão de despesas com benefícios previdenciários e assistenciais, entre outros.>
O decreto editado na semana passada pelo governo permitiu incorporar à execução orçamentária, de forma antecipada, os efeitos de regras legais implementadas após a edição mais recente do relatório bimestral de receitas e despesas (neste caso, referente a julho).>
Segundo relatos, o decreto foi editado para "dar o conforto necessário" aos técnicos na liberação desses recursos sem a necessidade de um novo relatório. Havia pressão da cúpula do Congresso para destravar logo a verba.>
As emendas tornaram-se estratégicas na reeleição dos parlamentares. Segundo dados do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), dos 513 deputados federais, 446 vão tentar a reeleição, o que representa 86,93% da Câmara.>
No Senado Federal, dos 27 senadores em final de mandato, 12 vão tentar a reeleição (44,44%). Mesmo entre os que não buscarão novo mandato, há quem busque a eleição em outro cargo.>
Além disso, o presidente da Câmara espera, com as emendas, ter poder de fogo para angariar apoio e emplacar sua reeleição ao comando da Casa em 2023, como mostrou a reportagem.>
Em 22 de setembro, o próximo relatório vai detalhar todas as mudanças, mas o efeito da liberação já terá sido absorvido pelos órgãos e pelos parlamentares agraciados com as emendas.>
Segundo entendimento da AGU (Advocacia-Geral da União), no período que antecede as eleições, o governo pode adotar "atos preparatórios" à execução das emendas, o que inclui a assinatura de convênios. Na interpretação dos técnicos, o empenho da despesa também é um ato preparatório, uma vez que não há repasse financeiro.>
Embora o decreto de Bolsonaro tenha como efeito imediato a liberação de verbas, integrantes da equipe econômica alertam que a norma também permite a incorporação imediata de impactos no sentido contrário, ou seja, que obriguem o governo a cortar despesas.>
Caso o Congresso aprove uma medida que eleve gastos do Executivo, a Economia poderá, pela nova regra, fazer o bloqueio imediato de verbas para compensar esse aumento de despesa.>
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