Tem circulado na mídia e nas redes sociais a notícia de um empresário gaúcho que teria indicado o jogador de futebol Neymar como seu único beneficiário em um testamento registrado em cartório. Não que ele – o jogador – precise financeiramente dessa dádiva, mas o número de testamentos tem crescido nos últimos anos no Brasil, com mais de 527.000 registros desde 2007, segundo a 6ª edição da pesquisa “Cartório em Números”, realizada pela ANOREG – Associação dos Notários e Registradores do Brasil.
Apesar da crescente popularização dos testamentos, no planejamento patrimonial e sucessório, é comum haver dúvida sobre qual instrumento jurídico é mais adequado à transmissão da herança: o testamento ou a doação em vida. Ambos são formas legítimas de transferência de bens, mas diferem em aspectos jurídicos, tributários e estratégicos que merecem ser avaliados para evitar surpresas e conflitos futuros.
Doar em vida implica na transferência dos bens pelo doador antes da sua morte, por ato formal que atesta sua vontade de beneficiar pessoas determinadas, o que pode ser feito com ou sem cláusulas específicas, como usufruto ou incomunicabilidade. Já o testamento é um ato que indica a vontade de alguém sobre o destino de seus bens para o momento post mortem.
Por se tratar de um ato de liberalidade, o qual ninguém é obrigado a fazer, ao invés de pensar inicialmente em vantagens e desvantagens de cada modalidade, deve-se considerar a intenção do doador/testador ao tratar seus bens, em especial da finalidade de sua destinação aos beneficiários. A depender da resposta, testamento ou doação em vida poderão ser mais ou menos adequados.
O ponto fulcral pode ser a relevância da figura do doador/testador no processo de transferência dos bens. Se sua presença física for capaz de influenciar e determinar a perenidade do patrimônio a ser transferido, a doação em vida deverá prevalecer. Exemplos típicos são os casos de sucessão de empresas familiares ou recebimento de investimentos financeiros/imobiliários cujos sucessores ainda não estejam prontos para administrar plenamente os bens recebidos, por uma questão etária, profissional ou emocional.
Nesses casos, a transferência de bens em vida pode se dar de forma gradual (ao contrário da transmissão por morte), permitindo-se que o donatário (quem recebe os bens) assuma aos poucos a administração do patrimônio, eventualmente sob condições e restrições que preservem o controle do doador sobre os bens doados, como a manutenção do usufruto vitalício ou outra condição.
Do ponto de vista processual, doar em vida pode facilitar ou evitar um inventário, que pode ser longo e custoso, tanto financeira quanto emocionalmente (ainda que se valha de um testamento). Sob o prisma tributário, a doação em vida também pode ter um papel importante no cálculo dos impostos pela sucessão patrimonial, por se saber o peso da tributação no momento em que se doa, possibilitando melhor planejamento tributário, com possível redução do ITCMD, a depender da legislação dos Estados.
Por outro lado, ao passo que a doação em vida é negócio jurídico que se finaliza no momento em que o donatário aceita receber o bem (o que pode inviabilizar, portanto, o arrependimento do doador), o testamento oferece maior flexibilidade, pois pode ser alterado a qualquer momento antes do falecimento, permitindo adaptações à dinâmica familiar ou à vontade do testador.
A questão a se considerar, contudo, é que os bens passarão à administração dos beneficiários imediatamente após a sucessão, sem que lhes seja permitida a adaptação gradual da nova realidade patrimonial, o que pode ser severamente danoso à preservação dos bens a depender da situação. Em termos de planejamento tributário, a transmissão dos bens via testamento eventualmente não será a melhor escolha, uma vez não se saber, de antemão, qual será a alíquota do ITCMD vigente ao tempo da morte do testador. O testamento também não afasta a exigência de inventário para a partilha dos bens.
Outro ponto a considerar é que a destinação de bens por meio de testamento não impede o futuro questionamento judicial de herdeiros que se sentirem lesados pelo testador. Embora também não esteja livre de divergências dos interessados, a doação em vida pode ter sua potencial litigiosidade relativizada por contar com a presença física do doador, que possivelmente poderá influenciar as partes de modo a mitigar desentendimentos e pavimentar acordos.
Embora a lei permita ao doador/testador o direito de escolher os bens e os beneficiários (que podem ser seus parentes ou não, inclusive pessoas jurídicas como instituições de caridade), também há limites, dentre eles o de respeitar a legítima, ou seja, os 50% da cota parte obrigatória da herança para seus herdeiros necessários, como filhos, pais e cônjuge. Essa regra vale tanto para testamentos quanto para doações em vida.
Qual escolha fazer, afinal? Optar entre doação em vida ou testamento dependerá, primeiramente, da vontade do doador/testador, conforme a finalidade dos bens que deseja transferir e a possibilidade de participar como agente ativo nesse processo. Em segundo lugar, as características e complexidade da família, volume do patrimônio, situação fiscal dos bens e preparo dos herdeiros indicarão a melhor combinação para o modelo de sucessão patrimonial.
No fim, mais que a forma como soluções jurídicas são estruturadas, será a empatia e o diálogo dos interessados que permitirão à herança ir além dos bens materiais, preservando relações familiares e transmitindo valores como harmonia, generosidade e união, em um legado capaz de atravessar gerações.
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